Tanto na frente doméstica, como na comercial, esse está sendo um ano decepcionante para o setor de carne bovina brasileira.
Com os números de bovinos nos Estados Unidos e na Austrália há meia década de se recuperar e a Índia fornecendo para o mercado de menor qualidade, em meio à crescente demanda por carne bovina no leste da Ásia, o Brasil é o único fornecedor de carne para o mercado de qualidade média e alta capaz de expandir a produção rapidamente. Além disso, com a carne dos Estados Unidos, União Europeia (UE), Austrália e Nova Zelândia proibidas no mercado da Rússia, o Brasil está melhor posicionado do que Argentina e Paraguai para aproveitar essa situação.
Durante o prazo mais longo, com suas reservas quase ilimitadas de terras aráveis inexploradas e água, o Brasil é o único país capaz de expandir suas ofertas de alimentos animais em uma quantidade suficiente para suprir toda a demanda de exportação prevista. É por essa razão que no final de 2014, o Rabobank projetou que as exportações brasileiras de carne bovina aumentarão a uma taxa anual de 7% de agora até 2024.
Além disso, desde 2012, a moeda brasileira caiu em mais de 40% com relação ao dólar americano e um terço com relação aos dólares australiano e canadense, dando dessa forma a sua carne bovina um intervalo de custo versus seus concorrentes exportadores. Com tanta coisa contribuindo para isso, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) previu que as exportações em 2015 aumentarão em 5%, com relação às 1,91 milhão de toneladas, para 2,01 milhões de toneladas nesse ano, após aumentar em 3,2%, de 1,85 milhão de toneladas em 2013. Porém, cada vez mais, as exportações parecem que aumentaram em menos de 4% e ficaram abaixo de 2 milhões de toneladas. Como o Brasil pode desafiar essas fortes probabilidades a seu próprio favor?
Um aumento previsto na segunda metade de 2014 nas exportações de carne bovina e suína à Rússia foi cortado pela desvalorização do rublo russo, que reduziu a capacidade do país de importar carnes. A Comissão Econômica da Eurásia, que coleta estatísticas sobre os estados do antigo bloco Soviético, reportou que em 2014 o Brasil exportou 307.000 toneladas de carne bovina para a Rússia, Bielorrússia e Cazaquistão. Embora elas possam representar a maior parte das exportações (16,1%), esses países somente compraram 0,9% mais carne bovina brasileira em volume do que no ano anterior.
Ironicamente, apesar do embargo a outras importações de carne bovina ocidental, os envios do Brasil de carne bovina à Rússia caíram de 303.000 toneladas em 2013 para menos de 300.000 no ano passado e poderão cair para menos de 200.000 toneladas nesse ano. Como o Brasil perdeu a oportunidade criada pelo embargo russo a importações de carne bovina de outros países ocidentais? A reposta é parcialmente econômica, parcialmente política.
Como a carne bovina é a mas cara dentre todas as carnes, a queda nos rendimentos pessoais na Rússia também significaram que eles frequentemente substituíram exportações mais baratas de frango brasileiro para a Rússia (que dobraram, para 121.000 toneladas) e carne suína (que aumentaram em 44,2%, para 187.800 toneladas) que ficaram no lugar da carne bovina – e outros estados da antiga União Soviética não puderam contrabalançar a queda na Rússia.
Apesar de o consumo de carne bovina da Bielorrússia em 2014 ter sido o mesmo que foi em 2012 e o do Cazaquistão ter aumentado em 4% no ano, eles juntos consumiram somente 20% do volume de carne bovina consumido pelos russos. Com o consumo de carne bovina na Rússia caindo, segundo uma estimativa do USDA em 4,8% em 2014 e outros 7,3% nesse ano, as importações de carne bovina caíram de 1,02 milhão de toneladas em 2013, para 0,91 milhão de toneladas em 2014 d um volume projetado de 0,75 milhão de toneladas nesse ano.
Com as importações de carne bovina russa caindo em 275.000 toneladas, devido às suas populações menores, as importações combinadas de carne bovina da Bielorrússia e do Cazaquistão aumentaram em aproximadamente 5.000 toneladas durante os mesmos dois anos. Consequentemente, os ganhos de participação de mercado feitos às custas dos exportadores dos Estados Unidos e da UE na Rússia estão sendo contrabalançados por uma forte queda na demanda agregada de carne bovina Rússia e pela substituição por proteínas mais baratas.
Também pode-se notar que a queda no preço do petróleo que afetou a economia russa também impactou no consumo de carne bovina de outros países produtores de petróleo. Isso, por sua vez, levou à queda nos volumes de exportação de carne bovina em um amplo número de países produtores, incluindo Irã, Iraque, Venezuela, Angola, Emirados Árabes Unidos e Líbia.
Ainda assim, no segundo trimestre desse ano, a Rússia se recuperou de sua crise econômica do ano passado mais rápido do que o esperado, o que é uma das razões de o USDA ainda projetar um aumento de 5% nas exportações de carne bovina.
Infelizmente para o Brasil, no começo de junho, o Rosselkhoznadzor, autoridade veterinária russa, determinou que a oferta de carnes vermelhas de três importantes exportadores brasileiros, incluindo JBS, Marfrig e Frigol, continham níveis excessivos de antibióticos, e das bactérias E.coli e Listeria. Isso limitou imediatamente a qualidade de carne bovina que essas companhias podiam exportar para a Rússia. A autoridade também anunciou que duas plantas de carne pertencentes a JBS, três plantas da Marfrig e três plantas de fornecedores menores fossem completamente proibidas de exportar carne bovina à Rússia.
A resposta inicial do setor de carne bovina brasileiro a essas barreiras não tarifárias foi sanguínea e confiante. A ABIEC, associação de exportadores de carne bovina do Brasil, disse que com sua grande rede de plantas de abate e processamento, grandes fornecedores poderiam desviar gado para as plantas de processamento de carnes não afetadas pelo embargo do Rosselkhoznadzor.
Em retrospecto, a Rússia deve ter sido afetada pelo presidente da ABIEC dizendo a um repórter da Reuters que “Não havia problema comercial de nenhum tipo… Se eu não posso exportar daqui, exportarei de lá. Nossa capacidade é muito grande”. Dez dias depois, na segunda semana de junho, a Rússia impôs controles similares às exportações de carne bovina sobre a BRF (conhecida como Brasil Foods) e nove outros exportadores de carne.
O país também proibiu carne de outras várias plantas enquanto fazia inspeções de carnes baseadas em exames laboratoriais em todos os outros fornecedores. As inspeções intensificadas foram claramente designadas a desacelerar a taxa pela qual mesmo a mesmo as carnes permitidas entram na Rússia e poderiam ser usadas para criar desculpas adicionais para restringir mais as importações de carne bovina. É desnecessário dizer que com a Rússia representando uma porção significante das exportações de carne bovina brasileira, isso terá um impacto importante no desempenho comercial de 2015. Essas medidas pegaram a indústria de surpresa. Francisco Jardim, secretário de proteção agrícola do Brasil, disse que não havia base científica para esses embargos, e que eles “reforçam o sentimento de que há outros motivos para a decisão russa, além dos fatores técnicos”. Apesar da desculpa de contaminação por antibióticos e bactérias dada pela comissão veterinária, a verdadeira razão para essas restrições às exportações parecem ser políticas. Eugen Gerden, analista da indústria da Rússia, disse que a verdadeira razão por trás das novas restrições russas sobre a carne bovina brasileira estava relacionada ao programa de US$ 150 milhões para estimular a produção doméstica no lugar das importações.
Não é coincidência que essas restrições sobre as exportações de carne bovina brasileira tenham sido introduzidas poucas semanas após os subsídios à produção terem sido fornecidos às fazendas pecuárias russas. De acordo com Gerden, “canais de importação serão gradualmente reduzidos, o que contribuirá bastante para a implementação da substituição das importações”. Em outras palavras, a carne bovina brasileira enfrentará uma sucessão de barreiras não tarifarias designadas a, de uma forma ou de outra, bloquear a entrada na Rússia. Com a Rússia tendo se tornado o maior mercado e o de mais rápido crescimento para a carne bovina brasileira, esse é um problema de longo prazo.
Já em outras partes do mundo, as previsões de exportações do Brasil são visivelmente boas. A China, que tem se tornado o segundo maior importador de carne bovina e deverá substituir o Japão como o maior, recentemente aboliu a barreira de três anos sobre a carne bovina brasileira. Imposta em 2012 após um animal brasileiro ter sido detectado com encefalopatia espongiforme bovina (EEB), aproximadamente 26 plantas brasileiras já tinham sido aprovadas para exportar para a China no momento em que esse artigo foi escrito.
Isso, entretanto, não impactará a indústria em curto prazo: as exportações de carne bovina à China podem somente ser retomadas após o protocolo sanitário ser negociado e isso ainda deve levar alguns meses. Consequentemente, a demanda da China por carnes vermelhas somente aumentará de forma significativa o desempenho de comércio de carne bovina do Brasil a partir de 2016.
A liberação das importações da China segue a liberação do Iraque e da África do Sul, que também permitiram recentemente carne bovina brasileira em seu país após o medo da EEB em 2012. A Arábia Saudita e o Japão também deverão remover seus embargos induzidos pela EEB sobre a carne bovina brasileira no final desse ano.
No mercado de carnes de rápido crescimento do sudeste da Ásia, as negociações para o acesso aos mercados de Tailândia, Mianmar, Indonésia e Taiwan deverão resultar em acesso aos mercados sendo obtidos em alguns dos países acima até o final desse ano. A expectativa quando esse artigo foi escrito era de que o mercado dos Estados Unidos para carne bovina brasileira congelada fosse aberto na visita da presidente, Dilma Rousseff, em junho – o que de fato ocorreu.
Com leste da Ásia tendo cada vez mais demanda por carnes vermelhas e o Brasil sendo o único importante produtor com uma grande capacidade de expansão, o Rabobank espera que as exportações de carne bovina do Brasil aumentem a uma taxa anual de 7% e dobrem com relação à estimativa do USDA de 1,85 milhão de toneladas em 2014 para aproximadamente 3,73 milhões de toneladas em 2023.
O problema é que essas medidas somente beneficiarão a indústria daqui alguns anos. As exportações de carne bovina de janeiro a abril foram de 429.800 toneladas, 15,3% a menos do que as 507.000 toneladas exportadas nos primeiros quatro meses de 2014, já que a greve de caminhoneiros evitou que as exportações alcançassem o porto mesmo antes de as restrições da Rússia terem prejudicado as previsões comerciais anuais. Embora a reentrada de sua carne bovina nos mercados asiáticos de rápido crescimento aumentarão as exportações na segunda metade do ano, a expectativa é que fiquem abaixo da previsão de crescimento de 5% das exportações do USDA para 2015.
No momento, o decepcionante desempenho comercial é agravado pela fraca demanda doméstica por carne bovina. Com as condições econômicas piorando pelo terceiro ano consecutivo, a queda no consumo per capita e o crescimento populacional estão compensando um ao outro, mantendo o consumo baixo, em 7,9 milhões de toneladas pelo terceiro ano consecutivo. Isso também é uma ironia, já que até a recente recessão, a economia do Brasil – e o consumo de carne – estavam entre as de mais rápido crescimento mundial.
Fonte: http://www.efeedlink.com, traduzida e adaptada pela Equipe BeefPoint.
Clique aqui para ler a matéria original, em inglês.
1 Comment
Oportuna e excelente matéria. Importante o Brasil se acostumar com os problemas para vencer a crise.
Em Mato Grosso somente este ano foram fechadas 07 plantas frigoríficas.
Sinal claro da falta de reposição de machos no mercado.
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