Em uma decisão que evidenciou a habilidade chinesa em explorar a ansiedade da indústria frigorífica brasileira para se fortalecer na negociação comercial, a Administração Geral de Alfândegas do país (GACC, na sigla em inglês) suspendeu ontem a unidade da BRF de Lucas do Rio Verde (MT), que era autorizada a vender carnes suína e de frango.
Diferentemente do que ocorreu no ano passado, quando Pequim suspendeu frigoríficos de diversos países como uma forma de precaução contra a covid-19, dessa vez, o veto não teve relação com o vírus. A unidade foi suspensa por um problema com a refrigeração de contêineres, que fez uma carga chegar à China já descongelada.
Na avaliação de uma fonte graduada da indústria, o episódio reflete o caos logístico que tomou conta do mundo. “Há contêineres que já deveriam ter parado para manutenção ou substituição, mas não pararam. Isso coloca todo mundo no risco. Há um apagão, uma falta de contêineres desde o primeiro semestre”, disse a fonte.
Procurada, a BRF informou que ainda não havia sido notificada pelos chineses – a companhia soube pelo site do GACC -, mas que tomará todas as medidas para reverter a suspensão da unidade. A companhia também defendeu seus processos de segurança.
Ao Valor, o Ministério da Agricultura confirmou, em nota, que a suspensão da planta da BRF derivou de problemas no “transporte de carga”. A Pasta frisou que a BRF vai trabalhar em um plano de ação para que o caso não se repita.
Enquanto circulava a notícia sobre a suspensão da planta da BRF, um outro debate sobre o acesso dos frigoríficos brasileiros à China crescia nos bastidores, gerando um “telefone sem fio” sobre possíveis restrições a serem aplicadas por Pequim, uma deixa para um clima de “salve-se quem puder” entre os mais desavisados da indústria.
De acordo com um experiente empresário do Centro-Oeste, “mil versões sobre a China” apareceram nas últimas semanas. “O setor entra em alvoroço quando aparece alguém dizendo ter informações de dentro do Ministério da Agricultura. Todos enlouquecem”.
De concreto, apenas a decisão da China de pedir aos frigoríficos brasileiros que estavam em processo de habilitação que atualizem o formulário, incluindo dados sobre protocolo de prevenção à covid-19. Nada muda para quem já está habilitado, disseram três fontes no segmento.
Conforme duas fontes da indústria exportadora, 56 frigoríficos estavam em processo de habilitação. Antes da pandemia, oito já haviam sido inspecionados pelos técnicos chineses e tinham um plano de correções a cumprir. Agora, essas unidades terão de reenviar o plano, com as atualizações pedidas.
O prazo para entrega dos formulários vai de 6 a 13 de agosto, a depender da lista em que cada frigorífico está enquadrado. Para uma fonte do setor privado, não se trata exatamente de um problema. Como os processos de habilitação de novos frigoríficos estavam parados – por causa da pandemia e porque a demanda do país já é suprida pelos atualmente autorizados -, o pedido do GACC pode ser um movimento chinês. De acordo com essa fonte, o pedido dá andamento ao pleito do Ministério da Agricultura sobre o processo de habilitações.
Em Brasília, nem todas as avaliações são iguais. A integrantes do Ministério da Agricultura, as exigências soaram como “má vontade” da China em habilitar novas plantas brasileiras.
Fonte: Valor Econômico.