Contaminação de valas de captação hídrica pelo Clostridium botulinum

Por Rosa Maria Moraes Ferreira e Iveraldo S. Dutra

Nas décadas de 70 e 80 os surtos de botulismo estavam associados essencialmente à osteofagia observada em animais deficientes em fósforo. A partir da década de 90, foi crescente o desencadeamento de surtos associados à ingestão hídrica. Em duas situações a água pode veicular a toxina botulínica aos animais. Através de cacimbas ou valas de captação contendo carcaças de pequenos animais, ou mesmo com carcaças de bovinos, ou ainda quando da presença de matéria orgânica vegetal em decomposição.

Ferreira (2002) avaliou por um período de 12 meses consecutivos a ocorrência de esporos de Clostridium botulinum tipos C e D no solo/limo do interior de dez valas de captação hídrica (Fig. 1) localizadas em áreas de pastagem de bovinos, onde anteriormente foram registrados surtos de botulismo associados à ingestão de água contaminada, comparando-as com oito valas de captação de áreas agrícolas.

Figura 1: Vala de captação hídrica

Foi avaliada ainda a ocorrência de esporos da bactéria nas fezes de bovinos, colhidas ao redor das valas de captação, e analisadas algumas características físico-químicas da água das valas. O trabalho avaliou também a possibilidade de cultivo de cepas de C. botulinum tipos C e D em um sistema experimental simulado, constituído por solo, fezes de bovino e água de chuva e esterilizado por tindalização.

A comprovação da presença de esporos da bactéria, produtores de toxina botulínica, foi realizada indiretamente pelo cultivo de amostras de solo/limo e de fezes de bovinos em meio de cultura CMM e inoculação do sobrenadante em camundongo. A tipificação das amostras positivas no bioensaio foi realizada pela microfixação de complemento com as antitoxinas C ou D homólogas.

Das 600 amostras de solo/limo das valas localizadas em pastagem de bovinos, 358 (59,67%) foram positivas para a presença de C. botulinum. Das 480 amostras de áreas agrícolas, 22 (4,58%) foram consideradas positivas no bioensaio em camundongo (gráfico 1). O número de amostras de solo/limo positivas para a presença de C. botulinum das valas de captação das áreas de pastagem foi significativamente superior (p0,05), quando comparado com os resultados obtidos das valas de captação das áreas agrícolas.

Gráfico 1: Índice de contaminação de valas de captação

Das 502 amostras de fezes de bovinos examinadas, 206 (41,2%) foram positivas no bioensaio em camundongo. A tipificação por amostragem de 68 dos cultivos do solo/limo positivos das áreas de pastagem revelou que 16 (23,53%) pertenciam ao tipo C, 22 (32,35%) ao tipo D e 12 (17,65%) ao complexo CD. Dezoito amostras positivas (26,47%) não foram tipificadas. Das 46 amostras de fezes positivas e tipificadas, 8 (17,39%) foram pertencentes ao tipo C, 14 (30,43%) ao tipo D, 18 (30,13%) ao complexo CD e 6 (13,04%) não foram identificadas.

Das 22 amostras do solo/limo positivas e oriundas das áreas agrícolas, 6 (27,27%) foram pertencentes ao tipo C, 14 (18,18%) ao tipo D, 5 (22,73%) ao complexo CD e 7 (31,82%) não identificadas. Não houve diferença significativa (p0,05) entre o pH das coleções de água localizadas nas duas áreas. Os valores da temperatura e do teor de matéria orgânica foram significativamente superiores a favor das amostras de água das valas localizadas nas áreas de pastagem.

O cultivo de cepas dos tipos C e D em um sistema experimental constituído por solo/fezes de bovino/água de chuva foi realizado a temperatura ambiente e avaliado por um período de até cinco semanas quanto ao número de unidades formadoras de colônias em meio de cultura TPGY-EY, presença de toxina botulínica pelo bioensaio e soroneutralização em camundongo, pH e teor de matéria orgânica.

Não foi registrado crescimento bacteriano nos sistemas inoculados com o tipo C. A contagem do número de unidades formadoras de colônias dos sistemas inoculados com a cepa do tipo D apresentou variações. O número de esporos foi significativamente inferior (p0,05) na semana zero, quando comparado com as cinco semanas seguintes (gráfico 2). Paralelo ao crescimento bacteriano, a presença de toxina botulínica foi evidenciada em todos os sistemas inoculados e avaliados por cinco semanas consecutivas. Não foram observadas mudanças significativas nos valores médios do pH, da temperatura e da matéria orgânica dos sistemas inoculados com o tipo D.

Gráfico 2: Contagem do número de unidades formadoras

Desta forma, pode-se concluir que a contaminação fecal dos próprios bovinos veicula esporos da bactéria que, diante de condições de umidade, temperatura e substrato vegetal (fezes), podem formar a toxina botulínica, colocando em risco a saúde dos animais. Isto indica a necessidade de reformulação das práticas de dessedentação dos bovinos a campo, criando alternativas viáveis com água de boa qualidade aos animais.

Referência bibliográfica

FERREIRA, R.M.M. Contaminação ambiental pelo Clostridium botulinum tipos C e D de valas de captação hídrica e cultivo do microrganismo em um sistema experimental. Campinas, SP. 2002. 58 p. Tese (Mestrado) – Instituto de Biologia, Unicamp.

0 Comments

  1. Aires Manoel de Souza disse:

    Gostaria de parabenizar aós autores deste trabalho, aliás isto virá contribuir em muito para o serviço de Defesa Sanitária Animal não só em propriedades em São Paulo como também em todo Brasil.

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