O cenário de escassez de animais prontos para a abate enfrentado pela indústria frigorífica desde o ano passado pode ser agravar ainda mais diante dos efeitos da crise hídrica sobre a pecuária nacional.
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Além da quebra da safra de milho de inverno 2020/2021 e das pastagens ainda debilitadas pela seca, a falta de água nas fazendas e o aumento dos custos com energia elétrica criam um estímulo adicional ao descarte de matrizes, sobretudo na pecuária de leite, o que pode atrasar a recuperação do rebanho em algumas regiões.
“Não é só o reservatório das usinas hidrelétricas que está rebaixado. Os vários reservatórios que existem nas fazendas também estão rebaixado, o que pode significar uma redução da disponibilidade hídrica para os animais. E a consequência disso é um impacto direto no desempenho dos animais”, explica o pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, Júlio Palhares.
De acordo com ele, nas regiões afetadas há mais tempo pela seca, como o Rio Grande do Sul, há falta de água até mesmo para o básico. “Tem uma série de relatos de falta de água nas propriedades rurais e os produtores estão tendo que, numa ação mais extrema, comprar caminhões pipa para oferecer água aos animais”, conta.
Segundo o pesquisador de proteína animal do Cepea, Thiago Bernardino, o principal impacto da crise hídrica tem se dado justamente na alimentação dos animais, item que responde por cerca de 70% dos custos de produção e cujos preços dispararam nos últimos 12 meses.
Ele ressalta que as chuvas deste ano não foram suficientes para a recuperação das pastagens afetadas pela estiagem registrada em 2020 e que, com a quebra da safrinha, tem sido cada vez mais difícil encontrar alternativas para enfrentar o inverno – quando há redução natural na oferta de pastagem. Com isso, o pesquisador ressalta que o momento atual é tão grave para o setor quanto o vivido há oito anos.
“Quando a gente volta para 2013/2014, embora fosse outro cenário econômico, em termos de oferta foi exatamente isso que aconteceu. A crise hídrica foi responsável, sim, por uma oferta restrita da animais e realmente retardou a produção. A gente teve uma queda na produção em torno de duas arrobas por animal o que representou, na época, cerca de um mês de abate a menos”, recorda-se Bernardino.
Ele também menciona, entre as particularidades do momento atual, a expressiva alta nos custos de produção. “Estamos falando de água, mas minha maior preocupação é com o fornecimento de alimento porque realmente não temos esse produto para dar aos animais. E quando isso acontece a saída que o produtor encontra é descartar o rebanho ou dar menos alimento”, explica o pesquisador do Cepea.
Para o presidente da Associação Brasileira do Produtores de Leite (Abraleite), Geraldo de Carvalho Borges, o cenário é “muito preocupante”. “A gente já vê algumas propriedades produtoras de leite atravessando momento difíceis e isso, somado ao alto custo de produção, pode inviabilizar a atividade de muita gente”, relata.
Ele lembra que, além da dessedentação e da nutrição animal, a alta no preço da energia elétrica provocado pela crise hídrica também impacta o setor. “Os produtores usam muita energia nos galpões com sistema de resfriamento, ventiladores, a própria ordenhadeira mecânica, e uma série de equipamentos que dependem de energia elétrica”, explica o dirigente ao também citar o descarte de matrizes como consequência inevitável da crise.
“Diante dessa dificuldade, isso pode motivar produtores a saírem vendendo suas matrizes ou reduzirem seus rebanhos – e tudo isso é preocupante porque, embora o Brasil seja o terceiro maior produtor de leite do mundo, é também um grande consumidor”, destaca Borges.
Com mais fêmeas sendo abatidas e sem alimento suficiente para oferecer aos rebanhos que ainda continuam nas fazendas, o impacto na oferta de animais prontos para abate é direta, segundo explica Bernardino, do Cepea.
“Com menos alimento produzido como pasto e também com o custo alto do grão a gente tem um problema seríssimo na questão da qualidade dos animais, tanto para reprodução, no caso da vaca, assim como o bezerro que vai desmamar agora em maio e junho. São esses pontos que afetam o mercado”, completa o pesquisador.
Fonte: Revista Globo Rural.