Sobreviver com portas fechadas era um desafio impensável para as franquias de alimentação, um dos setores mais impactados pelas medidas de isolamento exigidas pela pandemia. Mas foi exatamente o que aconteceu com redes – especialmente as que atuam fortemente em shoppings – que decidiram criar, fortalecer e sofisticar suas operações de delivery.
A estratégia de recorrer a marketplaces ou ao canal de delivery da marca deu tão certo que a expectativa do setor é fechar o ano com faturamento similar aos R$ 48,4 bilhões de 2019, graças, em grande parte, ao aumento da participação do canal delivery na venda dos produtos: a média de 45%, anterior à pandemia, saltou para 73%, segundo pesquisa sobre food service feita pela Associação Brasileira de Franchising (ABF), em parceria com a consultoria Galunion.
“Percebemos que no pós-pandemia as lojas passaram a utilizar não apenas os marketplaces tradicionais, de compras on-line, mas investiram muito em plataformas de comércio eletrônico com aplicativos próprios e se organizaram para desenvolver parcerias com as empresas “last mile” ou última milha, que funcionam como mini-centros de distribuição instalados próximos do destino final”, diz Antonio Leite, vice-presidente da ABF.
A Detroit SteakHouse, marca com 90% das unidades instaladas em shoppings, todas fechadas temporariamente durante a pandemia, fez sua primeira alteração na forma de receber pedidos. “Antes a maioria das nossas operações não faziam entregas. Hoje mais de 90% delas operam nessa modalidade e, para isso, disponibilizamos todos os canais existentes no mercado, principalmente, os aplicativos terceirizados”, diz Fábio Marques Jr., sócio-diretor da Detroit SteakHouse.
Houve uma adoção acelerada de novas formas de interagir com o consumidor, como WhatsApp, menu QRCode e aplicativos de pagamento. “Ainda temos o totem de auto-atendimento e o programa fidelidade eletrônico com cash back para o consumidor, que terá acesso, inclusive, às promoções”, afirma Marques Jr..
Segundo ele, a empresa continua investindo em tecnologia e pretende virar uma marca de tecnologia que vende comida. “Hoje, 80% das lojas estão com as vendas maiores que no período pré-pandemia, e até dezembro deverão dobrar em relação ao primeiro trimestre de 2020”, afirma. O desempenho anual, no entanto, deverá encolher 40%, por causa do impacto do fechamento das unidades no período crítico.
O Grupo Trigo, holding brasileira que controla as redes Gurumê, Koni Store, LeBonton e Spoleto, também adotou mudanças digitais estratégicas para sobreviver. O primeiro passo foi formar equipes multifuncionais dedicadas a mudar os restaurantes físicos para operações delivery Além da plataforma de delivery para cada marca, os franqueados fizeram um curso de capacitação para estratégias locais de marketing digital. “Temos investido, ainda, em outras soluções tecnológicas com menos contato humano, como tótem de auto-atendimento, aplicativos para preordering e take away”, diz Leite, que é presidente da holding.
A startup Cozinha Trigo, de cozinhas delivery no formato franquia, marca uma nova fase na história da companhia. Sediada no Rio, mantém cinco novos restaurantes 100% digitais com diferentes versões gastronômicas: Room Service (culinária clássica), StrogoNosso (releitura do famoso prato de estrogonofe), Risie Risoteria (risotos), Cut the Crap (hamburgueria) e Betty Sweet (doceria).
“A boa gastronomia e a entrega eficiente, com velocidade, cardápio e embalagens feitos exclusivamente pensando no delivery, são os pilares dessa estratégia”, explica. Segundo o executivo, a iniciativa faz parte do movimento de transformação digital, que foi impulsionado pela crise covid. A rede, que conta com 430 lojas, e teve cerca de 250 fechadas temporariamente, deverá encerrar 2020 com queda de 15% no faturamento sobre o anterior. “Considero um bom resultado”, afirma.
Para o coordenador da Comissão de Alimentação da ABF, João Baptista Junior, “a agenda de adaptação das franquias de alimentação foi ágil e envolveu vários aspectos, além da digitalização”. “Algumas redes, por exemplo, criaram outros canais além do delivery, transformando suas lojas em mini centros de distribuição”, afirma.
O Mr. Cheney, rede de cookies tipicamente americanos, teve que acelerar o projeto do primeiro e-commerce da marca e da plataforma própria de delivery. “Da noite para o dia, o faturamento das 75 unidades caiu drasticamente por causa do fechamento dos shoppings. O delivery foi a única saída para muitos franqueados. Estávamos estruturando a loja on-line desde 2019, mas a pandemia acelerou a nossa estratégia”, explica Lindolfo Paiva, sócio-fundador do Mr. Cheney. A média de participação das vendas on-line passaram de 5% em 2019, diz, passou para 26% no último trimestre, alta de 422%.
Fonte: Valor Econômico.