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Diretrizes sanitárias européias sobre a exclusão de animais mortos da cadeia alimentar animal (Parte 1/2)

Iveraldo S. Dutra, Vera C. M. Curci e Aires M. Souza

A exclusão de animais mortos e de todas as matérias condenadas da cadeia alimentar animal, é uma das grandes preocupações da produção animal mundial.

A crise da BSE (Encefalopatia espongiforme bovina) na Europa impôs profundas transformações na cadeia produtiva, com repercussões econômicas, sociais, políticas e sanitárias. Uma das discussões em curso é o entendimento sobre o destino a ser dado aos animais mortos nos criatórios e também às vísceras e carcaças condenadas pela inspeção veterinária nos frigoríficos. Com a experiência européia, culminando com a crise da BSE, esse tema passou a ter prioridade dentre as questões sanitárias.

No momento em que a pecuária brasileira vem se destacando no mercado externo, procurando se adequar às normas sanitárias internacionais e lança um programa de rastreabilidade, com vistas à certificação de qualidade, nada mais correto do que entender alguns aspectos sanitários que se relacionam com a segurança da carne como alimento e a complexidade da exclusão de animais mortos da cadeia alimentar. Como a Europa é atualmente o maior importador da carne brasileira e a sua legislação ressalta que os países exportadores devem se adequar às suas exigências, torna-se necessário pelo menos discutirmos alguns aspectos do problema, inclusive para traçarmos paralelos com a nossa realidade.

Em 1998 a indústria européia de transformação de subprodutos animais recolheu e transformou 16,1 milhões de toneladas de subprodutos animais em 3 milhões de toneladas de farinha animal e 1,5 milhões de toneladas de gordura adequadas para entrarem na cadeia alimentar animal (alimentos para animais de criação, alimento para animais de estimação, alimentos para animais de pele com pelo) e para utilização em vários produtos técnicos (cosméticos, produtos farmacêuticos). A indústria de transformação obteve um rendimento anual de mais de 2,2 bilhões de euros para a agricultura européia.

Dos subprodutos animais acima mencionados, 14,3 milhões de toneladas provieram de matadouros e 1,8 milhões de toneladas (aproximadamente 15% da quantidade total de subprodutos animais) foram de animais mortos, recolhidos nos criatórios, ou correspondiam a outras matérias condenadas nos frigoríficos. Existem na Europa mais de 400 unidades de transformação de subprodutos animais. Essas unidades empregam 17.000 pessoas e recolhem e transformam aproximadamente 50.000 toneladas de matérias primas animais por dia.

A crise gerada pela BSE e dioxina na Europa provocou uma preocupação geral com a qualidade dos ingredientes de origem animal, autorizados para a utilização na alimentação dos animais de criação. As conseqüências se refletiram na diminuição do preço da farinha de carne e de ossos (de 250 euros/tonelada antes da crise da BSE para 130 euros/tonelada atualmente) e na exportação destas matérias para outros países (Ásia e países de leste europeu). Cada vez mais unidades de transformação de subprodutos animais estão deixando de recolher animais mortos nas propriedades, ou matérias condenadas nos frigoríficos, em favor dos produtos obtidos em matadouros. Isto gerou um colapso nas unidades de transformação, com sérias implicações na cadeia produtiva.

Acrescente-se a estes elementos as diretrizes da agricultura biológica e o regulamento sobre a carne bovina de qualidade, que incluem a proibição da utilização de subprodutos animais (farinha de carne e ossos e gorduras animais fundidas) e a tendência dos supermercados rotularem os alimentos provenientes de animais que nunca foram alimentados com proteínas ou gorduras de origem animal.

A proposta do regulamento do Parlamento europeu e do Conselho, que estabelece as regras sanitárias relativas aos subprodutos animais não destinados ao consumo humano, elaborado pela Comissão das Comunidades Européias em outubro de 2000, faz uma análise dos componentes do problema. Assim, ela discute e introduz uma série de métodos alternativos para utilização ou eliminação de subprodutos animais, reforça as regras sobre controle e rastreabilidade dos subprodutos e estabelece uma ligação com a legislação comunitária sobre ambiente.

Matérias animais de alto e baixo risco na transmissão de doenças

A Diretriz 90/667/CEE do Conselho estabelece as normas sanitárias e de saúde pública que regem a eliminação e a transformação de resíduos animais, com vista à destruição de agentes patogênicos que neles possam estar presentes, e a produção de alimentos para animais segundo métodos que permitam evitar a presença de eventuais agentes patogênicos nesses alimentos.

Os resíduos animais são definidos como as carcaças (animais mortos nos criatórios durante o processo produtivo por diversas causas, ou condenadas pela inspeção veterinária por ocasião do abate) ou partes de carcaças de animais, incluindo os peixes, ou os produtos de origem animal não destinados diretamente ao consumo humano. Os resíduos animais são classificados como matérias de alto risco, se apresentam sérios riscos de propagarem doenças transmissíveis aos animais ou ao homem (por exemplo: cadáveres de animais que tenham morrido com sinais clínicos de doenças, animais abatidos no âmbito de planos de erradicação de doenças, matérias condenadas provenientes de matadouros), ou matérias de baixo risco, se não apresentam riscos sérios (subprodutos de frigoríficos e açougues, próprios para o consumo humano, mas não destinados a esse fim por diversas razões).

De acordo com a diretriz, para serem incorporados em alimentos para animais, tanto as matérias de alto como as baixo risco devem ser transformadas numa unidade aprovada e fiscalizada pela vigilância veterinária oficial. Em circunstâncias excepcionais (grandes epidemias) podem ser também destruídas por incineração ou enterro.

Os parâmetros mínimos, considerados eficazes para a inativação dos agentes do tremor epizoótico dos ovinos (Scrapie) e da BSE, e exigidos na transformação dos resíduos de mamíferos são: tamanho da partícula de 50 mm, temperatura igual ou maior que 133C, tempo de 20 minutos e pressão de 3 bar, em sistema descontínuo ou contínuo. Alguns produtos derivados de resíduos de mamíferos não necessitam cumprir essa norma, como é o caso dos alimentos para animais de estimação produzidos com matéria de baixo risco, e outros produtos que seguramente não entrarão na cadeia alimentar animal ou humana.

A farinha de carne e de ossos não produzidas em conformidade com as regras mencionadas deve ser destruída por enterro, incineração, utilização como combustível ou um método similar que garanta a sua eliminação segura. As gorduras fundidas provenientes de ruminantes devem obedecer às mesmas regras. A farinha de carne e de ossos provenientes de subprodutos animais, que não os mamíferos (farinha de peixe e farinha de aves), e as gorduras animais fundidas não provenientes de ruminantes podem ainda ser produzidas por sistemas alternativos de tratamento térmico (matérias de alto risco) ou por outros sistemas de transformação, desde que os produtos respeitem as normas microbiológicas em vigor (Decisão 92/562/CEE).

As matérias de risco especificadas (MRE), definidas como crânio, incluindo o cérebro e os olhos, as amídalas e a medula espinhal de bovinos, ovinos e caprinos com mais de um ano de idade, o íleo de bovinos com mais de um ano de idade e os baços de ovinos e caprinos, devem ser removidas de todas as cadeias alimentares humanas e animais. Além disso, no Reino Unido e em Portugal, toda a cabeça, o timo, o baço, o intestino e a medula espinhal dos bovinos com mais de seis meses e a coluna vertebral dos bovinos com mais de 30 meses devem ser removidas. No caso dos bovinos, ovinos e caprinos encontrados mortos, as matérias de risco especificadas devem ser removidas ou a carcaça deve ser destruída na sua totalidade.

Depois que os alimentos para animais, que continham resíduos transformados de ruminantes, terem sido identificados como a principal fonte da BSE, foi imposta, em meados de 1994 pela Decisão 94/381/CE a proibição, em toda a Comunidade, de se utilizar na alimentação de ruminantes proteínas derivadas de tecidos de mamíferos (com exceção de produtos como proteína do leite, farinha de sangue, gelatina, aminoácidos e peptídeos). Esta decisão, assim como outras diretrizes foram adotadas por todos estados, membros da União Européia.

Alguns estados-membros adotaram normas ainda mais rígidas que as estabelecidas pela legislação comunitária. A Suécia (1986), assim como a França (1996) baniram a utilização de animais encontrados mortos nos criatórios na fabricação de alimentos para animais. No Reino Unido é ilegal alimentar qualquer tipo de gado com proteínas de mamíferos (excluindo a farinha de sangue e as proteínas do leite) desde abril de 1996. Em Portugal é ilegal alimentar os animais de criação com proteínas e gorduras de mamíferos, da mesma forma como a utilização de proteínas de aves.

Discussões sobre a farinha de carne e de ossos de animais mortos

A conferência científica internacional sobre a farinha de carne e de osso, organizada pela Comissão das Comunidades Européias e pelo Parlamento Europeu, e realizada em Bruxelas (julho de 1997), debateu as questões sobre a produção da farinha de carne e de ossos e a sua utilização na alimentação. Das discussões participaram membros do Parlamento Europeu, representantes dos interesses ambientais, agrícolas, industriais e comerciais e grupos de consumidores. Na ocasião, foi indicação da Conferência a possível exclusão de animais mortos e de todas matérias-primas condenadas da cadeia alimentar animal. As únicas matérias-primas cuja utilização seria autorizada seriam as matérias declaradas próprias para o consumo humano mas que, por razões comerciais ou tecnológicas, não tenham sido destinadas a esse fim.

Das diversas discussões e consultas promovidas pela Comissão na ocasião, a indústria européia, as organizações profissionais e os cidadãos e consumidores foram a favor da exclusão dos animais mortos e de todas matérias condenadas da cadeia alimentar animal. No entanto, os que suportariam os custos dessa exclusão, tais como os produtores e alguns órgãos governamentais dos estados-membros, se opuseram, na ausência de justificativa científica plausível. Os órgãos governamentais dos estados-membros estão especialmente preocupados com as implicações econômicas, ambientais e sanitárias dessa exclusão, que poderia resultar em um aumento dos enterros ilegais nas propriedades.

Um dos principais argumentos contra a exclusão de determinadas matérias animais foi a ausência, na ocasião, de justificativa científica. Em função disto foram apresentadas ao Comitê pareceres científicos sobre os riscos potenciais de diversos subprodutos animais. Foram inclusive analisados todos os aspectos científicos sobre os riscos dos agentes transmissíveis não convencionais e agentes infecciosos convencionais ou outros riscos, tais como a entrada de substâncias tóxicas na cadeia alimentar humana ou animal, através de matérias-primas provenientes de gado encontrado morto e outros animais mortos (incluindo ruminantes, suínos, aves, peixes, animais selvagens/exóticos e de jardim zoológico, gatos e animais de laboratório) ou através de matérias condenadas em matadouros e frigoríficos.

A principal conclusão dos pareceres científicos foi a de que as matérias derivadas de animais, declaradas impróprias para o consumo humano na seqüência de uma inspeção sanitária, não devem entrar na cadeia alimentar animal. Consequentemente, em regulamento específico e destinado ao assunto, foi determinada a exclusão de animais mortos e das matérias condenadas da cadeia alimentar animal.

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