Por: Iveraldo S. Dutra1, Vera C. M. Curci2 e Aires M. Souza3
A exclusão teria ainda algumas vantagens. Uma delas seria a redução do risco de transmissão de doenças e o risco de concentrações elevadas de resíduos químicos nos alimentos para animais. A crise gerada pela dioxina, ocorrida na Bélgica em 1999, foi o argumento utilizado. A segunda onda de contaminação de gêneros alimentícios pela dioxina deveu-se ao fato de que os animais, que morreram em decorrência do consumo de alimentos contaminados, foram reciclados na cadeia alimentar animal, após o processo habitual de transformação de subprodutos animais.
Outro ponto favorável ao argumento responde às objeções de caráter ético envolvendo a utilização de cadáveres na alimentação animal, da mesma forma que a proibição poderia melhorar a imagem do setor e restaurar a confiança dos consumidores europeus.
No entanto, a exclusão cria uma série de problemas potenciais:
– impacto econômico e o custo adicional da exclusão seriam suportados pelos agricultores, o que poderia provocar um aumento de enterros ilegais nos criatórios, com possíveis problemas ambientais;
– algumas das alternativas de eliminar as carcaças são ambientalmente prejudiciais, dispendiosas ou impraticáveis;
– a exclusão poderia ser considerada como uma restrição ao comércio por outros países, que poderiam interpor recursos contra a União Européia junto à OMC.
Análise das alternativas
Como os custos do processo de reutilização de material de origem animal devem ser compatíveis com os imperativos de segurança, estabeleceu-se uma nova classificação dos subprodutos animais:
Matérias da categoria 1: essas matérias correspondem à categoria de mais alto risco. Inclui matérias com risco relacionado às Encefalopatias Espongiformes Transmissíveis (TSE), doenças desconhecidas ou presença de resíduo de substâncias proibidas (hormônios, β-agonistas, etc.) ou contaminantes ambientais (dioxinas). Os subprodutos animais destas categorias devem ser considerados resíduos a serem eliminados por incineração, co-incineração ou aterro;
Matérias da categoria 2: inclui subprodutos animais que apresentam risco relacionado com doenças animais que não as TSE ou um risco relacionado com a presença de resíduos de medicamentos veterinários. O chorume, o conteúdo do aparelho digestivo e os dejetos de matadouros também estão nesta categoria. Neste caso, os subprodutos podem ser reciclados para certas utilizações, diferentes da nutrição animal (produção de biogás, compostagem, fertilizantes ou produtos oleoquímicos) e depois de tratamentos técnicos adequados;
Matérias da categoria 3: nesta categoria estão incluídos os subprodutos animais derivados de animais saudáveis (animais abatidos num frigorífico e aprovados pela inspeção veterinária, leite de animais saudáveis, etc.). Só os subprodutos desta categoria podem ser utilizados como matérias para a alimentação animal depois de submetidos a tratamentos adequados.
Esta nova classificação foi necessária para se garantir uma separação clara das diferentes categorias de subprodutos por ocasião do recolhimento e transporte. Por outro lado, possibilita a rastreabilidade das diferentes categorias de subprodutos animais e o registro de produtos finais.
Com base nas classificações, os riscos potenciais e nos critérios econômicos e sanitários, são três as vias potenciais de escoamento dos subprodutos animais transformados ou não:
– eliminação dos resíduos (aterro sanitário, enterro em locais apropriados e incineração);
– recuperação de resíduos (co-incineração), ou
-“colocação no mercado” (por exemplo, a transformação de subprodutos animais com produção de proteínas animais transformadas e gorduras destinadas à fabricação de alimentos para animais, de fertilizantes, de produtos cosméticos ou farmacêuticos, de alimentos para animais de companhia, de produtos de couro, etc.)
Atualmente na Europa, a grande maioria dos subprodutos animais é transformada pela indústria e reciclada na cadeia de produção de alimentos para animais, com dispersão pouco importante para o ambiente. No entanto, a proibição de reciclar animais mortos e matérias condenadas na cadeia alimentar animal levantou uma série de problemas potenciais. Os mais importantes se relacionam com a repercussão ambiental e econômica dessa nova política.
Em função da complexidade da cadeia produtiva européia, e com a finalidade de superar alguns dos problemas ambientais potenciais, a Comissão das Comunidades Européias propôs uma série de alternativas complementares à produção de matérias para alimentação animal.
As formas de eliminação alternativas são: incineração, co-incineração (combustão da farinha de carne e de ossos e gorduras em centrais elétricas), uso em cimenteiras, utilização das gorduras como combustível, eliminação por enterro ou aterro, biogás, compostagem e utilização da farinha de carne e de ossos como fertilizantes.
Sob o ponto de vista sanitário, ambiental e econômico, algumas das alternativas tem vantagens ou desvantagens. Na incineração, realizada em unidades industriais apropriadas, o custo do recolhimento e pré-tratamento dos subprodutos é estimado em 150 euros/tonelada, enquanto que o da incineração é de 225 euros/tonelada. Sob o ponto de vista sanitário esta alternativa é a que traz maior segurança. No entanto, por questões ambientais, a resitência é grande em relação à construção de unidades de combustão. Da mesma forma, são muitas as pressões da opinião pública no sentido de proibir a incineração em centrais elétricas e a utilização em cimenteiras.
O enterro de carcaças nas propriedades tem implicações sanitárias e ambientais, da mesma forma que o enterro da farinha de carne e de ossos. Esta prática é bastante criticada na Europa por quebrar a cadeia da rastreabilidade e introduzir possíveis vias de escoamento de carcaças de animais mortos para o comércio ilegal. Os riscos de vias não controladas de eliminação de animais mortos são excepcionalmente elevados para o ambiente, para a saúde humana e sanidade animal e para o comércio. Existem indicações de que em certos países europeus, em conseqüência das medidas relativas à BSE, a quantidade de animais mortos apresentados à cadeia de transformação diminuiu nos últimos anos e está declinando rapidamente, indicando um possível aumento ilegal do enterro de carcaças nas explorações.
O aterro como alternativa de eliminação não tem boa aceitação pelos riscos potenciais de poluição do lençol freático. O aterro de matérias resultantes da transformação de subprodutos animais é preferível quando comparado à utilização de matérias não transformadas. O aterro de farinha de carne e de ossos é utilizado no Reino Unido, onde atualmente são enterradas 3.000 a 5.000 toneladas por semana. Os locais de aterro são selecionados a fim de não poluir as águas subterrâneas e são utilizadas membranas como garantia adicional de proteção do lençol freático. É cobrada uma taxa de 37 euros por tonelada pelo aterro de farinha de carne e de ossos.
As unidades de biogás que funcionam com subprodutos animais esterilizados são uma alternativa em ascenção na Europa. Na Suécia estas unidades produzem combustível para veículos. A lama resultante das unidades de biogás é utilizada como biofertilizante, sendo vedado o seu uso em pastagens para ruminantes.
Outra alternativa é a compostagem, preferencialmente em processo fechado. O composto produzido é utilizado como fertilizante; exceção feita ao seu uso em pastagem. É um processo que permite a recuperação parcial dos custos de eliminação de carcaças, da mesma forma que a utilização da farinha de carne e de ossos como fertilizantes. A ausência total de risco, sob o ponto de vista sanitário, da sua utilização como fertilizante pode ser obtida se as farinhas protéicas não forem derivadas de animais suspeitos de TSE e foram sujeitas às normas de transformação de subprodutos animais.
A eliminação de carcaças pela incineração, co-incineração ou aterro não permite qualquer recuperação dos custos. Os custos anuais, estimados em euros, para a eliminação de 450.000 toneladas de farinhas de carne e de ossos na União Européia, derivadas do recolhimento e pré-tratamento de 1,8 milhões de toneladas de animais encontrados mortos e matérias condenadas, são os seguintes:
– Incineração: 1,08 bilhões
– Cimenteiras: 87,7 milhões
– Aterro: 84,1 milhões
Dentre os processos de eliminação a co-incineração das gorduras proporciona uma compensação interessante. A compostagem e a utilização das farinhas de carne e de ossos como fertilizante poderia proporcionar benefícios ecológicos e permitiria uma recuperação parcial dos custos. A produção de biogás, uma tecnologia em evolução, além dos muitos efeitos benéficos para o ambiente, pode permitir uma recuperação líqüida dos custos; além disso produz energia “verde”. A tendência européia atual é pelo encorajamento e adoção de certas opções, nomeadamente o biogás, a compostagem ou os fertilizantes.
Implicações na comercialização
O Regulamento (CE) n. 999/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, estabelece as regras para a prevenção, o controle e a erradicação das TSE´s. No Anexo IV, que trata da importação de animais e produtos de origem animal para a Comunidade, oriundos dos países classificados na categoria 1, são mencionadas as regras específicas para este fim. Os países classificados nesta categoria devem apresentar o certificado zoosanitário internacional que ateste que o país ou região cumpre as condições exigidas pelo Regulamento.
Em síntese, o grau de exigência para a exportação destinada à Comunidade Européia depende da classificação na categoria. O Brasil está atualmente classificado na categoria 1 (nível I pela OIE), quanto aos riscos da BSE. O status é determinado com base em diversos critérios. De uma maneira geral, a classificação nesta categoria decorre do fato de no país não ter sido notificado nenhum caso de BSE, e na adoção de uma série de medidas relacionadas com a formação de pessoal (veterinários, produtores, transportadores e frigoríficos) para o reconhecimento e notificação de problemas neurológicos em bovinos, com a vigilância continua da BSE e na realização de exames laboratoriais de amostras de encéfalo, colhidos no âmbito de um sistema de vigilância.
A análise de risco é efetuada ainda pelo consumo, pelos bovinos, de farinhas de carne e de ossos derivados de ruminantes, importação destes resíduos, importação de animais ou óvulos/embriões potencialmente infectados por uma TSE, status epidemiológico do país ou região em relação às TSE´s, grau de conhecimento da estrutura da população bovina, caprina e ovina, e origem dos resíduos animais, parâmetros dos processos de tratamento de tais resíduos e método de produção de alimentos para animais.
Na definição da categoria 1 (país ou região indene da BSE) o país deve ainda demonstrar que foram tomadas todas as medidas adequadas durante um período de tempo suficiente para gerir todos os riscos identificados. Dentre as várias exigências constantes da definição da categoria 1, o país tem que demonstrar que comprovadamente, pelo menos durante os oitos anos anteriores, os ruminantes não foram alimentados com farinha de carne e de ossos, provenientes de ruminantes ou mamíferos.
Eliminação de carcaças e rastreabilidade
Com efeito, as medidas relacionadas com a rastreabilidade são condições iniciais para os futuros processos de auditagem dos países importadores da carne brasileira. Um aspecto que certamente fará parte deste processo é a questão sobre o destino dado aos animais mortos nas propriedades. Considerando a nossa realidade, avanços significativos ainda são necessários.
Perde o sentido ter um sistema de rastreabilidade implantado, quando carcaças de bovinos são enterradas ou entram em decomposição nas pastagens. A ausência de discussão sobre os critérios a serem utilizados na eliminação de carcaças de animais mortos da cadeia alimentar animal, associada à inexistência de legislação específica, coloca a pecuária brasileira em condição desfavorável.
Não é extemporânea a discussão do assunto pelo setor produtivo. A mortalidade de animais nos criatórios é uma realidade, da mesma forma que as dificuldades operacionais do recolhimento e eliminação de carcaças nas propriedades (ver radar técnico anterior sobre a eliminação de carcaças). Dois segmentos da cadeia produtiva deveriam ter interesse especial e imediato pelo tema: os produtores e as autoridades. Numa primeira instância, e sob a ótica de diversos segmentos, o problema das carcaças de animais mortos é da “porteira para dentro” (na realidade não o é, por suas implicações sanitárias e ambientais). Por outro lado, as autoridades não devem omitir ou adiar as discussões, sob pena de serem responsabilizadas pela não proteção deste importante patrimônio nacional que é a pecuária. Devemos ter regras claras sobre a questão. Da mesma forma, é imperativo o engajamento de todos na apresentação de soluções para o problema, sob a ótica econômica, sanitária ou operacional.
Fonte:
Comissão das Comunidades Européias. 2000. Proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece as regras sanitárias relativas aos subprodutos animais não destinados ao consumo humano. Bruxelas, Bélgica. 164 p.
Documento 301R0999. Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Maio de 2001, que estabelece regras para a prevenção, o controle e a erradicação de determinadas encefalopatias espongiformes transmissíveis. Jornal Oficial n. L 147, de 31/05/2001, p. 0001-0040.
Documento 301D0025. Decisão da Comissão, de 27 de Dezembro de 2000, que proíbe a utilização de certos subprodutos animais nos alimentos para animais. Jornal Oficial n. L 006, de 11/01/2001, p. 0016-0017.
Documento 391D0516. Decisão da Comissão, de 9 de setembro de 1991, que estabelece uma lista de produtos cuja utilização em alimentos compostas para animais é proibida. Jornal Oficial n. L 281, de 09/10/1991, p. 0023-0024.
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1Professor Adjunto, Unesp – Campus de Araçatuba, SP.
2Mestranda do Curso de Pós-graduação em Medicina Veterinária Preventiva, Unesp – Jaboticabal, SP.
3Professor Adjunto, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO