Saiu o primeiro dado de inflação referente a 2006. O IGP-10, com base em preços coletados entre 11/dez e 10/jan, registrou variação de 0,84%. Ou seja, 0,78 p.p. acima da apuração anterior, de 0,06%. É a maior alta desde abril de 2005.
Informações desse naipe incomodam o mercado, e podem contribuir para que o Banco Central mantenha a chamada “receita ordotoxa” para o corte da taxa básica de juros. Na última reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) promoveu um ajuste de 0,75 p.p. na Selic, pressionado pelo pífio desempenho da economia. Mas alguns economistas sinalizam que não vai ser surpresa se, na próxima oportunidade, o Banco voltar a optar por um corte de apenas 0,5 p.p.
Combustíveis e alimentos in natura estão entre os itens que mais pesaram no aumento da inflação. Mas alto lá! Dessa vez, a carne bovina não tem nada a ver com isso.
De acordo com levantamentos da Scot Consultoria, ao longo do período de formação do último IGP-10, a cotação do boi gordo, em São Paulo, por exemplo, recuou 1,9%.
Para a carne bovina com osso, no atacado, as variações foram de -2,3% (traseiro avulso), -8,3% (dianteiro avulso) e -5,0% (ponta de agulha). O preço médio da carne sem osso caiu 4,4% e, no varejo, o consumidor paulista foi agraciado com uma queda de cerca de 4,2%.
Explica-se. A oferta de animais para abate aumentou, graças à chegada do gado terminado em pastejo e do descarte de fêmeas, que se mantém elevado. Quanto mais boi, mais carne. E se a oferta aumenta, sem resposta da demanda, os preços caem. Foi isso que aconteceu.
O consumo interno esfriou. O poder aquisitivo do consumidor, que já não era dos melhores, esmoreceu frente às despesas típicas do período. Além do mais, durante o período de férias, as vendas de carne recuam mesmo.
Com relação ao mercado externo, a maior parte dos embargos impostos após a descoberta de focos de febre aftosa no Mato Grosso do Sul continua de pé. Isso fez que com que, no final de 2005, o Brasil deixasse de exportar cerca de 105 mil toneladas equivalente carcaça de carne bovina. E as preliminares de janeiro apontam que o desempenho ficará aquém do registrado no mesmo período do ano anterior.
Numa análise simplista, com base apenas em dados recentes, pode parecer que o produtor levou vantagem. Pois o preço do boi recuou menos que as cotações da carne.
No entanto, ao longo de todo ano de 2005, a cotação do boi gordo paulista despencou 13,3%, ao passo que, na média, o preço da carne com osso no atacado caiu 8,5%. No varejo, a queda foi de 5,0%.
Basta estender o horizonte da análise para se constatar que, a maior parte do baque, foi absorvida pelo produtor. Detalhe: depois de 10 de janeiro, quando foi fechado o último IGP-10, a cotação do boi gordo ainda recuou mais 2,0%.
E justamente no varejo, onde há mais “gordura pra queimar”, é que os preços cederam menos. Acompanhe, na figura 1, os preços médios, pagos pelo traseiro bovino, atualmente.
Tabela 1. Preços pagos pelo traseiro bovino, em R$, com base num boi de 16,5@ em SP
Do mesmo modo que, para o invernista (pecuarista que engorda boi), o maior componente do custo de produção é o animal magro que ele compra, para o frigorífico é o boi gordo que pesa mais na hora de fechar as contas.
Veja na figura que, do atacado carcaça (carne com osso) para o boi, existe uma “margem” de 13,5%. Mas quando se analisa toda a carcaça, ou seja, quando o dianteiro e a ponta de agulha participam dos cálculos, observa-se que, normalmente, o que o frigorífico apura na venda da carcaça não cobre o valor pago pelo boi. Lógico que frigorífico não vende só carne. Vende couro, sebo, miúdos, farinhas, etc. Mas vamos nos ater ao produto principal.
O atacado cortes (carne sem osso) trabalha, hoje, com “margem” de 4,4% sobre o atacado carcaça. Está bem ajustado.
Por fim, a “margem” do varejo é de 41,7% sobre o atacado cortes, e de 48% sobre o atacado carcaça. Parece muito. Mas, com certa freqüência, ela supera os 60% sobre os elos subjacentes.
O poder de barganha do varejo é muito alto. Hoje, cerca de 80% das vendas de carne ocorrem em supermercados ou hipermercados. Os açougues estão sendo expulsos do mercado. Dentre as grandes redes de varejo, estima-se que as 5 maiores respondam por mais de 50% das vendas. Com tamanho poder, é fácil pressionar os fornecedores.
E qual é o elo mais fraco, de menor poder de barganha? Justamente o primeiro, o produtor. É por isso que o traseiro do boi gordo vale R$429,00 na fazenda e mais de R$720,00 no supermercado.
Tudo começa no campo. Sem vacas, novilhas, garrotes, bezerros e boi gordo não existiria a chamada Cadeia Produtiva da Carne Bovina. Todavia, a força que o setor esbanja em termos de produção, lhe falta no quesito organização.
Problema antigo, difícil de resolver.
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Caro Fabiano,
Com você e a equipe BeefPoint, sempre estamos aprendendo.
Suas considerações sobre margens entre os elos da cadeia produtora de carnes é impressionante. Porém gostaria que sua analise fosse mais adiante.
O elo mais forte, supermercados, com 60 a 80% de margem pretende “matar” o elo intermediário, frigoríficos fornecedores do consumo interno?
Seria interessante às cadeias multinacionais de supermercados acabarem por comprar esses frigoríficos?
E o elo intermediário, frigoríficos, por sua vez teriam interesse em “matar” os pecuaristas, substituindo-os por produção própria? Seria viável ou interessante para eles?
No fornecimento de bois gordos oriundos de confinamentos próprios, talvez isso fosse possível. Mas, e na cria e recria?
Enfim, certamente existe um preço mínimo para a arroba do boi resultante de custo de produção, a partir do qual o elo intermediário estará matando a “galinha dos ovos de ouro”, no caso, o elo fraco, pecuaristas.
Como nos últimos anos a produção de carnes superou e muito o aumento da demanda, razão porque temos tido os preços mais baixos dos últimos 50 anos, e isso independente da aftosa, o que da aos frigoríficos enorme poder de pressionar o elo fraco, torna-se imprescindível que este repense sua atuação.
O elo fraco, seria menos fraco, menos sujeito a pressões baixistas de preços se repensasse o problema que é o enfraquecimento do seu poder de barganha junto ao elo intermediário, derivado da premência em vender de qualquer forma, a qualquer preço, no mínimo prazo possível, uma imensa quantidade de bois por eles confinados, quando os mesmos atingem o peso ideal, a partir do que continuar alimentando é prejuízo certo e grande a cada dia que passa.
Isso praticamente coloca os pecuaristas confinadores no colo dos donos dos frigoríficos o que não é nada bom.
Um abraço a você Fabiano e a equipe do BeefPoint e feliz 2006 para todos nó