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E falando de efeitos colaterais

Baixar custos de produção de leite e carne parece não ser o foco de quem freqüenta torneios leiteiros e pistas de julgamento, onde estão se utilizando cada vez mais sofisticados e artificiais sistemas de nutrição que comprometem a característica que mais influencia o custo de produção da carne e do leite: adaptabilidade. Precisa-se pensar como aproveitar e combinar melhor os efeitos aditivos a fim de aumentar a lucratividade, sem esquecer as limitações impostas pelos sistemas de produção. Os excessos de peso nas pistas de julgamento são antagônicos duma pecuária eficiente.

Baixar custos de produção de leite e carne parece não ser o foco de quem freqüenta torneios leiteiros e pistas de julgamento, onde estão se utilizando cada vez mais sofisticados e artificiais sistemas de nutrição que comprometem a característica que mais influencia o custo de produção da carne e do leite: adaptabilidade.

O Professor Fernando Madalena escreve no MilkPoint sobre os efeitos colaterais da genética de alta produção e alerta de forma clara sobre os antagonismos entre a seleção artificial e suas conseqüências sobre a adaptabilidade e capacidade reprodutivas dos bovinos em ambientes tropicais com restrições alimentares sazonais. Estes efeitos colaterais também estão presentes no gado de corte.

Gressler (2007) cita conclusões de vários autores sobre a importância de preservar o valor adaptativo e a habilidade do animal sobreviver e reproduzir-se. Hoje as pistas de julgamento estão na contra mão deste princípio. Este valor adaptativo se manifesta através do fenótipo. O fenótipo é afetado pelo genótipo, pelo ambiente e pela interação genótipo ambiente. Assim, animais que possuem composição genética similares não necessariamente terão o mesmo valor adaptativo em todos os ambientes.

Os zebuínos possuem características adaptativas importantes que devem ser preservadas. A resistência a doenças e aos ecto e endo parasitas, maior eficiência na utilização de dietas de baixa energia e alimentos de menor qualidade e menor digestibilidade, maior adaptação ao calor e, em termos reprodutivos os zebuínos possuem atributos que diminuem a incidência de distocia e grande facilidade de parto. Hoje é freqüente ouvir os novos criadores exaltarem os altos pesos de nascimento e pesos adultos descabidos que são a antítese da seleção dum zebu funcional.

Um ponto de reflexão interessante seria analisar touro campeão vs a quantidade e qualidade de sêmen produzido rapidamente após a sua contratação por uma central de inseminação e as conseqüências genéticas sobre o rebanho comercial do pais líder mundial de exportação de carne bovina. Mesmo conquistando mercados de maior valor agregado o grande diferencial da carne brasileira no mercado internacional é baixo custo.

Os campeões que ganham notoriedade e destaque contribuem para que animais aparentados a ele passem a ser também amplamente utilizados. Deve-se ressaltar que independentemente se aquele touro famoso de fato possui ou não atributos adaptativos, seus genes serão disseminados dentro do rebanho comercial. Ou seja, se por acaso o touro famoso possua alguma limitação reprodutiva, como a baixa qualidade seminal, e dessa forma deixem poucos descendentes diretos outros animais aparentados a ele confeririam indiretamente a transmissão para a próxima geração dos seus genes devido à fama conferida aos parentes que motivaria sua maior utilização na reprodução.

Entretanto, cabe advertir para a possibilidade do animal famoso em outro ambiente qualquer vir a ter grande qualidade espermática. Contudo, geralmente animais famosos são criados nas melhores condições ambientes e dificilmente teriam aumentada sua qualidade seminal. Não importa se o touro famoso é de fato melhorador para alguma característica econômica, campeão destacado ou simplesmente adquiriu fama. Nesse caso importa a proporção de seus genes transmitidos para a próxima geração quer seja diretamente ou indiretamente. O objetivo do touro campeão é promover sua performance dentro do rebanho e sua função é multiplicar esta característica através da reprodução. Obviamente se sua função não pode ser otimizada todos os esforços ficaram limitados ao glamour da fotografia de premiação.

Adaptação fisiológica refere-se à capacidade de um único individuo de realizar ajustes, durante o transcorrer de sua vida, às mudanças ambientes. Esta adaptação fisiológica é um processo complexo que envolve uma série de características que atuam em conjunto para regular e manter as funções fisiológicas em determinado ambiente e é sempre limitada pela adaptação genética. Freqüentemente, a adaptação fisiológica está associada negativamente com o aumento da produção em animais bovinos e é afetada pela capacidade do animal de se manter sob stress alimentar, calórico, parasitário e enfermidades. O animal mais adaptado em uma população é aquele que exibe uma combinação harmoniosa de todas as características e maior adaptabilidade. A luta pela sobrevivência em ambiente estressante pode refletir-se na redução da ingestão de alimentos, no atraso do parto, na redução do período de lactação e em anestro pós-parto. Dessa forma, o processo adaptativo envolve vários mecanismos para a manutenção do equilíbrio fisiológico. Newman & Coffey, 1999, citados por Gressler (2007) ressaltam que a adaptação genética se efetiva através da seleção paciente e criteriosa, o que implica mudanças bioquímicas, morfológicas e comportamentais que são transmitidas dos pais para suas progênies.

O antagonismo entre a procura incessante pelo ganho médio diário e adaptabilidade tem sustentação ampla na literatura com evidências de que a seleção artificial intensa e prolongada pode criar antagonismos e desequilíbrios biológicos. Após longos períodos de intensa seleção artificial, o desempenho de características reprodutivas e o valor adaptativo tendem a se reduzir. O melhoramento genético da produtividade dos bovinos de corte nas regiões tropicais deve ser baseado no reconhecimento de que a produtividade observada é conseqüência de dois grupos de fatores genéticos, um relacionado com o potencial de produção e o outro à resistência do stress ambiente. A alta produtividade esta associada negativamente com a sobrevivência, tolerância ao calor e parasitas nos ambientes tropicais. Cabe a nós criadores, ter o bom senso de encontrar e entender este equilíbrio, pois nem sempre maiores performances representam maior lucro no empreendimento pecuário.

Quando a criação é feita em condições pouco modificadas, em regime de pastagens, por exemplo, o meio ambiente esboça os limites até os quais as modificações genéticas poderão ter sucesso. No entanto, em sistemas de criação intensiva, com práticas artificiais sofisticadas de manejo alimentar, reprodutivo e sanitário, podem ser grandes os perigos de se extrapolar os limites que a biologia animal poderá suportar com equilíbrio, comprometendo-se o bem estar, o conforto e, por conseqüência, os níveis de produção, reprodução e longevidade (Rosa, 1999).

Portanto, a estratégia que procura o aumento da produção, em valor absoluto, pode provocar respostas correlacionadas indesejáveis. O aumento dos custos de mantença, diminuição da taxa de maturidade, redução da eficiência reprodutiva e aumento da ocorrência de distocias. Outros prejuízos também poderão ocorrer na harmonia e funcionalidade do organismo, em termos de capacidade de trocas de calor, mobilidade e equilíbrio, importantes para a adaptabilidade dos zebuínos ao ambiente.

Precisa-se pensar como aproveitar e combinar melhor os efeitos aditivos a fim de aumentar a lucratividade, sem esquecer as limitações impostas pelos sistemas de produção e a necessidade de produzir, a baixo custo, de forma ecologicamente correta, a carne exigida pelos mercados consumidores e qualquer alternativa que se vislumbre para o Brasil passa inevitavelmente por sistemas de produção a pasto com limitações nutricionais sazonais. Os excessos de peso nas pistas de julgamento são antagônicos duma pecuária eficiente.

Referências bibliográficas:

GRESSLER, S. L. Dicotomia da seleção natural versus seleção artificial no melhoramento da fertilidade de bovinos. In II Seminário de Revisão dos Critérios de Seleção das Raças Zebuínas. Anais pg.19-34. Uberaba. MG. 2007.

NEWMAN, S.; COFFEY, S.G. Genetic aspects of cattle adaptation in the tropics in: FRIES, R.; RUVINSKY, A. The genetics of cattle. 1999. Disponível em: http://www.cabi-publishing.org/Bookshop/ Readingroom/0851992587/2587ch22.pdf . Acesso em: 17 mar. 2003.

ROSA, A. N. Variabilidade fenotípica e genética do peso adulto e da produtividade acumulada de matrizes em rebanhos de seleção da Raça Nelore no Brasil. 1999. Tese (Doutorado) – Departamento de Genética e Matemática Aplicada à Biologia, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto.

0 Comments

  1. Fernando Costabeber disse:

    Caro Nelson, que lúcido artigo!

    Chegam a ser risíveis as características propagandeadas em leilões zebuínos. Quando vamos nos preocupar realmente com as características genéticas dos reprodutores e não apenas do seu aspecto externo, como fazem nossos concorrentes australianos?

  2. Helio Cabral Junior disse:

    Parabéns Nelson!

    Você, o Fernando Penteado, o Fernando Madalena e outros poucos, porém representativos homens de visão, têm que participar mais deste e outros fóruns além de outras mídias, para alertar aos companheiros pecuaristas sobre os perigos do excesso de artificialismo.

    Afinal, é o animal de 1.000kg de PV que vai ao abate ou o de 540/560 kg de PV?

    Ninguém é contra maiores eficiências de conversão alimentar, melhores frames de carcaça, melhores conformações frigorícas, eficiências reprodutivas, etc, desde que estas características se expressem no ambiente ao qual a esmagadora maioria dos animais será exposta em regime de produção, que no Brasil continental e tropical significa dizer basicamente à pasto.

    Claro que falamos em pastos manejados como uma permacultura comercial e com uma suplementação estratégica no período de menor produção de MS (estacionalidade forrageira). Por que lutar contra a sazonalidade produtiva das pastagens, se sabedores de sua ocorrência podemos trabalhar com ela e não contra ela?

    Há muito venho batalhando para que não almejemos a produtividade máxima, e sim a lucratividade máxima, claro que dentro de parâmetros socio-econômico-ambientais corretos.

    Suas afirmações são de uma correção cristalina, mas infelizmente muitos teimam em enxergar trajes suntuosos onde nada há, até que alguém de visão e com simplicidade faz a chocante afirmação: o rei está nú!

    O principio da navalha de Ocham reza que se há dois meios de se atingir um objetivo, com certeza o mais simples deve ser o correto. A natureza ao longo da evolução sempre privilegiou soluções simples, que visavam basicamente a adaptabilidade ao meio como estratégia de sobrevivência; será que isto é correto para todo o resto dos seres vivos com excessão de rebanhos pecuários?

    Cordialmente,

    Helio Cabral Jr

  3. Nelson Pineda disse:

    Prezado Helio,

    Muito obrigado de me comparar com dois icônes da pecuária que são os dois Fernandos.

    Minhas colocações são simplesmente o que tenho aprendido com pessoas como o Dr Cardoso e o Prf. Madalena e o que o dia a dia do curral tem me mostrado. Suas palavras: “Há muito venho batalhando para que não almejemos a produtividade máxima, e sim a lucratividade máxima, claro que dentro de parâmetros socio-econômico-ambientais corretos.” São a conclusão mais importante deste processo.

    Muito Obrigado,

    Nelson Pineda

  4. Nelson Pineda disse:

    Caro Fernando,

    Tive uma oportunidade de acompanhar um grupo de australianos durante uma visita a uma central de inseminação aqui no Brasil, eles ficaram perplexos do tamanho dos nossos animais.

    Hoje temos que admitir que existe uma pecuária de show e uma pecuária extremamente produtiva que transformou o Brasil em primer exportador mundial.

    Falta definir o que chamamos de elite, mas seguramente não se encontra nos extremos como falava o saudoso Luiz Fries.

    Muito obrigado pelas suas palavras,

    Nelson Pineda

  5. Roberto Antonio Pinto de Melo Carvalho disse:

    Sr. Nelson Pineda: parabéns pelo artigo, na essência e na forma.

    Sou criador de Girolando, em Cássia -MG, com foco em produção de leite e de genética (ou, quem sabe, “fenética”, já que priorizo a funcionalidade da interação genética – ambiente).

    Concordo e exemplifico: acho que tem mais valor econômico uma vaca que em 3 anos, em 3 lactações, produz 15.000 kg, do que a que produz 8.000 kg numa lactação (provavelmente com atraso na próxima prenhez e à custa de alimentação forçada, com reflexos negativos na futura vida reprodutiva e produtiva).

    O que interessa para o país, e para a grande maioria dos produtores, é o bom desempenho ao longo de uma vida produtiva normal, em ambiente natural; e não a elevadíssima produção em vida curta e ambiente artificial.

    Abraço.

  6. Nelson Pineda disse:

    Prezado Sr. Roberto Antonio,

    Esta última carta mostra o que o Prof. Fernando Madalena vem demostrando faz tempo.

    Sua explicação Sr. Roberto é a visão de quem vive de pecuária e não dos pseudo especialistas que aparecem todas as noite na TV nos falando da pecuária brasileira, espero um dia poder estreitar a sua mão e aprender mais com o senhor.

    Muito Obrigado,
    Nelson Pineda

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