A possível transferência da embaixada do Brasil em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém passa ao largo das rodas das conversas e negociações de bastidores entre importadores e representantes dos frigoríficos brasileiros na principal feira de alimentos do Oriente Médio. A ausência da discussão é um alívio para os exportadores de carnes bovina e de frango que participam da Gulfood, evento anual que em 2019 ocorre em Dubai entre 16 e 21 de fevereiro.
Quando, ainda em campanha, o presidente Jair Bolsonaro anunciou a intenção de transferir a embaixada, contrariando a posição história da diplomacia nacional em relação à Palestina, os produtores de carnes ficaram em polvorosa. O risco de perder o acesso ao mercado árabe, responsável por quase 20% das exportações brasileiras de carne bovina e 40% dos embarques de frango, deixou os empresários de cabelo em pé.
Nesse meio tempo, o Egito chegou a cancelar uma visita do chanceler brasileiro na ocasião, Aloysio Nunes Ferreira, o que foi encarado como um sinal dos árabes sobre o que poderia estar em jogo com a possível transferência. Aos poucos, porém, a lógica econômica parece ter se sobreposto, ainda que não se possa descartar o efeito positivo das declarações do vice-presidente Antonio Hamilton Mourão, que negou que a transferência já estivesse decidida.
De qualquer forma, empresários e executivos consultados pelo Valor em Dubai ressaltaram que, durante a feira, até agora sequer foram questionados pelos importadores sobre o caso da embaixada. “Nem perguntaram”, comemorou o vice-presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin. A afirmação foi corroborada pela diretora-executiva da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Liège Nogueira. “Eles precisam da carne”, acrescentou o dono de um frigorífico brasileiro de carne bovina.
Ironicamente, a única pessoa que tocou no assunto junto aos exportadores do Brasil foi o embaixador do país nos Emirados Árabes Unidos, Fernando Igreja. Ainda assim, o fez para se certificar de que o assunto não esteve na pauta da Gulfood, afirmou uma fonte ao Valor.
De passagem pela feira, o embaixador conversou com a reportagem e confirmou a boa impressão sobre os contatos que teve com os brasileiros. “Não é um tema e não é motivo de preocupação”, afirmou Igreja, que está à frente da representação brasileira em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos, há um ano e oito meses. De acordo com ele, parte do clima positivo em relação ao Brasil pode estar relacionado ao ambiente de Dubai, “pró-business”.
“O Brasil é um grande parceiro e a relação com os Emirados tem melhorado nos últimos cinco anos”, acrescentou Igreja, lembrando que o país é o segundo maior parceiro comercial do Brasil no mundo árabe, atrás apenas da Arábia Saudita. Ao Valor, um empresário brasileiro de ascendência saudita reforçou o “pragmatismo” no Oriente Médio e, sobretudo, em Dubai. “Eles vieram fazer negócios”, disse, explicando porque o entra e sai dos estandes das empresas brasileiras na feira teve como pauta comércio, não política.
Apesar da sinalização positiva, nem tudo são flores. Para um empresário brasileiro que conversa frequentemente com os sauditas, a retórica negativa de representantes do governo Bolsonaro em relação ao mundo muçulmano atrapalha as tratativas. “Eles têm uma desculpa”, disse. Na semana passada, uma comitiva de brasileiros esteve na Arábia Saudita para conversas sobre as restrições que o país árabe fez em janeiro, quando proibiu dezenas de frigoríficos brasileiros de carne de frango de exportar. Segundo uma fonte, diferentemente de outras ocasiões, o clima da reunião foi “frio”.
Embora seja consensual que a restrição saudita aos abatedouros de frango tenha motivação estratégia, e não política – os sauditas querem reduzir a dependência as importações de frango e produzir 60% de seu consumo localmente até 2030 -, a avaliação é que o diálogo com os brasileiros poderia ser melhor.
Não à toa, a única esperança entre os exportadores brasileiros é que as autoridades sanitárias da Arábia Saudita permitam que os carregamentos de carne de frango que estão no mar a caminho do país possam entrar. Os lotes foram despachados pelos frigoríficos brasileiros antes das restrições serem anunciadas.
Além disso, a reabertura das unidades recentemente desabilitadas pela Arábia Saudita parece um sonho distante. “Só vão abrir se precisarem da carne”, disse uma fonte.
Fonte: Valor Econômico.