Confira abaixo dados da pesquisa sobre empresas familiares da PwC, divulgado no ano passado. Os dados são referentes ao ano de 2016. A pesquisa fez 2.802 entrevistas semiestruturadas realizadas com os principais tomadores de decisão em empresas familiares com faturamento de US$ 5 milhões a US$ 1 bilhão, em 50 países, incluindo o Brasil.
=====
Apesar das condições econômicas difíceis, a pesquisa deste ano mostra que o segmento das empresas familiares continua vibrante e ambicioso. Livres das pressões de resultados trimestrais que caracterizam as empresas listadas em bolsa, essas organizações podem investir no longo prazo e esperar o tempo necessário para que as boas ideias gerem valor. Elas são um exemplo clássico de “capital paciente” e proporcionam um valioso contrapeso à visão de curto prazo das empresas de capital aberto.
E as empresas familiares se orgulham dessas características: 67% dos participantes da nossa pesquisa no Brasil e 77% no mundo acreditam que ajudam a estabilizar a economia, 62% dizem que cuidam melhor de seus funcionários do que as outras empresas (74% na média global) e 73% (72% no mundo) acham que o sucesso significa mais do que simplesmente lucro e crescimento.
Talvez como reflexo das incertezas no cenário brasileiro, apenas 28% dos entrevistados locais dizem tomar decisões pensando no longo prazo, contra 55% da média global, enquanto 72% (71% no mundo) afirmam que decidem de forma mais rápida que outros tipos de empresas. Muitos entrevistados também citaram como vantagens do modelo familiar a comunicação direta e o espírito empreendedor persistente.
Boa parte desses aspectos é extremamente positiva e permanece relativamente inalterada ao longo das várias edições da nossa pesquisa, confirmando em parte a resiliência das empresas familiares. Mas a falta de mudanças significativas em áreas como sucessão, globalização e tecnologia digital é motivo de preocupação. Apesar da longevidade extraordinária de algumas empresas familiares, a vida média no segmento é de três gerações.
Em geral, apenas 12% vão além disso, e as empresas que passam de quatro gerações representam apenas 3% do total. Em alguns casos, vender o negócio é uma escolha consciente e um sinal de sucesso. Da mesma forma, não sobreviver à transição de gerações pode indicar que a empresa familiar falhou na realização de suas ambições de longo prazo.
Sucessão: falta de planejamento é receita de fracasso
O processo de sucessão é um provável “fator de fracasso” para a empresa familiar. A transição entre gerações é a zona de ruptura nesse modelo de negócios. Não há sentido em uma empresa manter planos detalhados de continuidade de negócios se ela não aborda o risco mais importante relacionado a esse tema.
Cada empresa familiar precisa encontrar uma maneira de conciliar questões pessoais e profissionais, e o processo de sucessão pode colocar essas duas dimensões em conflito direto, com riscos tanto para a família quanto para a empresa. Por outro lado, um processo de sucessão bem administrado pode ser um ponto de convergência para a empresa familiar e permitir que ela se reinvente como resposta a novas circunstâncias, encontrando energias para crescer, se diversificar e se profissionalizar. Para fazer isso de forma efetiva, as empresas familiares precisam desenvolver, implementar e comunicar um plano de sucessão sólido, o mais cedo possível, antes da transferência de fato.
Essa é uma questão ainda mais importante nos dias atuais, considerando que as pessoas estão tendo filhos mais tarde e que a próxima geração talvez não esteja pronta para assumir o comando da empresa quando os atuais proprietários quiserem
se aposentar.
Mas, mesmo nesse cenário, apenas 19% das empresas familiares brasileiras (15% no mundo) têm um plano de sucessão. Um dado positivo para Brasil é que, enquanto a média global nesse quesito ficou praticamente estável desde a pesquisa de 2014, a taxa brasileira quase dobrou no período – o percentual era de
11% antes.
Na nossa experiência, substituir o conceito de “sucessão” pelo de “continuidade de negócios” pode ser uma forma mais confortável de avançar nessa área: encarando a sucessão nesses termos, a geração atual talvez consiga abordá-la de maneira mais objetiva e evitar os estresses emocionais que a outra abordagem poderia acarretar.
Como observa Simon Le Maistre, sócio da prática de Empresas Familiares da PwC Austrália, “o planejamento da sucessão é mais importante ainda quando alguns membros da família trabalham no negócio e outros não. Em muitos desses casos, questões como propriedade e direitos talvez nem mesmo tenham sido discutidas ou avaliadas. Isso significa que pessoas diferentes estão formulando cenários diferentes sobre o futuro. Nessas circunstâncias, passamos muito tempo reunidos com os membros da família para encontrar uma forma viável de prosseguir. Isso pode evitar conflitos e ajudar a família a se unir pelo futuro”.
A conexão que faltava
O que está claro – com base tanto nos resultados da pesquisa quanto no nosso trabalho com donos e executivos de empresas familiares em todo o mundo – é que os desafios do processo de sucessão são apenas um exemplo de uma questão muito mais ampla. As empresas familiares têm orgulho, e com razão, de sua visão de longo prazo – de sua capacidade de pensar em gerações, não em anos ou mesmo meses. Por outro lado, elas também conseguem lidar bem com as pressões do dia a dia, os detalhes práticos da administração de um negócio.
O desafio está entre esses dois extremos: ter um plano estratégico que conecte a situação atual do negócio com a visão de onde ele poderá estar no longo prazo. Como disse um dos participantes da pesquisa nos Estados Unidos, é preciso haver “mais transparência no pensamento de longo prazo e uma garantia razoável de que essa visão será concretizada de forma coerente”. Uma visão precisa abarcar a família, os proprietários e a empresa. Eles são interdependentes: o sucesso de um não pode ser alcançado sem o sucesso do outro.
Mas, como descreveu um participante da Austrália, “não há estratégia nenhuma além do orçamento anual”. Em outras palavras, não há um plano para além dos próximos 12 meses, que alcance um horizonte de cinco a dez anos. É o que chamamos de “elo perdido” – um fenômeno que explica por que muitas empresas familiares não conseguem transformar sua promessa inicial em sucesso sustentável.
O planejamento sucessório é um fator importante na busca da “conexão que falta”. Ele é vital, por si só, para garantir a continuidade dos negócios, mas também tem um impacto mais amplo. O planejamento sucessório é essencial para assegurar que os objetivos dos proprietários, da família e da empresa estejam adequadamente alinhados no médio e no longo prazo. Na pesquisa deste ano, 66% dos participantes no Brasil (69% no mundo) acreditam que as suas estratégias familiares e de negócios estão totalmente alinhadas, mas as evidências e a nossa experiência sugerem que essa percepção pode ser somente do proprietário.
O foco no planejamento estratégico é fundamental para o processo sucessório: sem clareza sobre o que você pretende alcançar no futuro – para o negócio e para a família – é impossível, por exemplo, escolher o líder certo ou saber que qualidades e habilidades ele precisará ter. Em outras palavras, planejamento estratégico e planejamento sucessório são inseparáveis. De fato, o planejamento sucessório é uma parte do processo estratégico, mas, como demonstram os resultados deste ano, um número pequeno de empresas familiares está abordando a sucessão de forma estruturada, e mesmo as que estão o fazem como um exercício isolado focado em “quem”, não em “quê”. Na realidade, essas decisões são parte de um processo e precisam ser constantemente revisadas e ajustadas à medida que as circunstâncias mudam e a estratégia corporativa evolui.
Crescimento e globalização
Apesar do cenário econômico adverso, 79% das empresas brasileiras preveem crescer nos próximos cinco anos, resultado ligeiramente maior que o registrado dois anos atrás (76%). Nesse grupo, 5% dos respondentes estimam crescer de forma rápida e agressiva. No mundo, nas pesquisas realizadas desde 2012, um percentual entre 12% e 15% dos participantes tem dito que pretende crescer agressivamente em cinco anos. Ao longo desse período, alguns realmente conseguiram.
Mas a nossa experiência com essas empresas sugere que são poucas as que cumprem metas de crescimento muito ambiciosas. Grande parte delas tem dificuldades para encontrar ou desenvolver as habilidades de que precisa para isso; outras são prejudicadas pela falta de financiamento. E há ainda as que ficam presas a disputas familiares que absorvem tempo e energias da família e que acabam voltando suas atenções para dentro.
Outro tema comum às várias edições da pesquisa é o crescimento através da diversificação. Muitas empresas se preparam para fazer grandes mudanças, como contratar profissionais de fora da família (64% no Brasil e 61% no mundo) e lançar novos empreendimentos, mas a maioria (57% no Brasil e 72% no mundo) acredita que continuará se apoiando em seus principais produtos/ serviços nos próximos cinco anos.
Isso expõe a empresa familiar a riscos, já que toda a organização fica apoiada em apenas uma dimensão de negócios. No Brasil, as empresas familiares estão menos inclinadas do que a média global a planejar sua expansão para novos mercados (28%, em comparação com 44%).Para 43% das organizações brasileiras (53% da média geral), diversificar não é importante.
Quando o tema são as vendas internacionais, a história é parecida. Muitas empresas familiares conseguem construir um negócio de exportação bem-sucedido, mas, de forma geral, o resultado não é encorajador. No Brasil, as exportações respondem por apenas 8% do volume de vendas das empresas familiares e elas estimam dobrar esse percentual nos próximos cinco anos.
No mundo, as participantes obtêm cerca de um quarto de suas vendas do exterior e preveem um aumento para cerca de um terço nos próximos cinco anos. Em 2014, 38% das empresas globais vendiam para o exterior e 55% pretendiam fazê-lo em cinco anos. Dois anos depois, o percentual aumentou para 44%. Para atingir sua meta, elas precisarão lidar com vários fatores, como a falta de habilidades e experiência, preocupações com riscos políticos no exterior, os impactos do Brexit e a mudança de governo nos Estados Unidos.
Seja em relação ao crescimento, à diversificação ou à internacionalização, uma mensagem fica clara: as empresas familiares têm grandes ambições e precisam de um planejamento estratégico sólido para realizá-las plenamente.
Tecnologia digital e inovação
Para 81% dos participantes brasileiros (75% no mundo), inovar é uma meta considerada importante ou muito importante, e a necessidade de inovar continuamente representa o terceiro maior desafio nos próximos cinco anos, na opinião de 72% dos entrevistados (64% no mundo), atrás apenas de aspectos mais relacionados à conjuntura atual brasileira: a contenção de custos (84% no Brasil e 36% no mundo) e situação econômica geral (75% no Brasil e 54% no mundo).
As empresas familiares acreditam estar bem posicionadas para inovar. Nas últimas edições da pesquisa, elas disseram que são capazes de se reinventar a cada nova geração: este ano, foram 59% dos participantes brasileiros (57% na média global), um percentual estável em relação aos 60% de 2014 (56% na média) e acima dos 50% (47%) da pesquisa de 2012. A questão é saber quanto isso condiz com a realidade.
Algumas empresas, de fato, conseguem se reinventar – o JBM Group, na Índia, e o Mane Group, na França,2 são importantes modelos de como fazer isso na prática – mas encontramos muitos outros exemplos no nosso trabalho de empresas familiares que têm dificuldades para mudar e inovar. Essa também é uma observação muito comum entre CEOs e altos executivos de fora da família. E a próxima geração também vê essa questão como um verdadeiro desafio para o sucesso futuro da empresa familiar, afirmando que muitas vezes luta para defender a necessidade de mudança.
Mas o que torna a inovação um desafio para a empresa familiar? Uma resposta pode estar nas competências. Em todas as edições da nossa Pesquisa sobre Empresas Familiares, os participantes citam as competências como uma questão-chave, e muitos dizem que têm dificuldades para atrair e reter as pessoas certas. Este ano, no Brasil, talvez em consequência da crise prolongada que levou as empresas a demitir um grande contingente de profissionais, o tema caiu na lista de prioridades. No mundo, no entanto, ele ficou em primeiro lugar entre os desafios para os próximos 12 meses, e em segundo lugar para os próximos cinco anos.
É difícil identificar as pessoas e habilidades “certas” sem um plano estratégico claro. É ele que define o rumo futuro do negócio – o que, por sua vez, determina o leque de competências e experiências necessárias para chegar lá. Em outras palavras, definir o desafio unicamente em termos de escassez de competências pode estar mascarando o problema real. Isto é especialmente relevante quando se trata de inovação.
Inovar do jeito certo
Atualmente, com o ritmo acelerado de mudanças, novas tecnologias e modelos disruptivos de negócios, todas as empresas precisam pensar além das demandas imediatas do dia a dia e elaborar uma visão bem fundamentada sobre como será o cenário de negócios em dois, cinco ou dez anos. Isso significa entender as tendências que impulsionam a mudança, avaliar quais produtos são vulneráveis a novas tecnologias e como as tendências globais – as mudanças demográficas, por exemplo – afetam o mercado. Essa avaliação impulsionará o desenvolvimento do plano estratégico e ajudará a identificar as competências que a empresa precisará desenvolver ou contratar. Sem isso, as empresas terão dificuldade para saber como, onde e em que devem inovar.
Algumas grandes empresas de capital aberto se saem bem nesse tipo de exercício sobre o futuro (e têm recursos dedicados só a isso); as empresas familiares geralmente não se saem (e não têm esses recursos). Mas o setor precisa desenvolver rapidamente essa “mentalidade de médio prazo”, sobretudo em relação a questões como o desafio da digitização, porque isso talvez exija um investimento alto, além das competências certas para garantir que esse investimento gere retorno.
Este ano, os participantes não citaram espontaneamente a tecnologia entre os principais desafios que esperam enfrentar nos próximos 12 meses. Para o período de cinco anos, a opção “Acompanhar a tecnologia digital e as novas tecnologias” figura apenas em 8o lugar na lista de prioridades do Brasil (49%) e em quinto na lista global (47%). É um resultado preocupante, especialmente quando observamos que cerca de um terço dos participantes no Brasil e no mundo acredita que as organizações familiares são menos abertas a novas ideias do que outros tipos de empresas, e também que menos de metade acredita que elas estão dispostas a assumir mais riscos do que as outras empresas. Talvez a informação mais reveladora, no entanto, seja que apenas 30% dos negócios familiares no Brasil (25% dos globais) se sentem vulneráveis à disrupção digital e que somente 50% tenham discutido o tema pelo menos uma vez no conselho de administração (54% na média global).
Segundo Alfred Peguero, líder da prática de Empresas Familiares na PwC EUA, “todas as empresas são vulneráveis de alguma forma à disrupção digital e os que pensam estar imunes descobrirão em breve que isso não é verdade. Vejo isso como uma ameaça para todas as empresas e indivíduos, não importa sua localização geográfica, sua indústria ou seu porte”.
Como abordamos mais adiante, a próxima geração pode ter um papel importante em relação à digitização. Muitos dos seus representantes cresceram com as novas tecnologias e se mostram dispostos a empregá-las quando assumirem as empresas. No Brasil, no entanto, ainda é preciso avançar mais para aproveitar as oportunidades nessa área, pois apenas 40% dos integrantes da nova geração (59% no mundo) dizem entender os benefícios tangíveis da digitização
do negócio.
Como observamos muitas vezes, as empresas mais inovadoras são aquelas abertas a novas ideias e novas formas de trabalhar. Ter uma força de trabalho mais diversificada e inclusiva é uma vantagem considerável em relação a esse tema. Mais importante ainda, porém, é conseguir não só gerenciar a mudança, mas aproveitá-la para gerar sucesso. Como diz Nishant Arya, diretor executivo do JBM Group, na Índia, “na nossa família, dizemos que nada é permanente, exceto a mudança. E gostamos que seja assim”.
Financiando o crescimento
Financiar o crescimento é um desafio recorrente para as empresas familiares, e uma área de preocupação persistente na nossa pesquisa. Nos resultados deste ano, 71% dos entrevistados brasileiros (76% dos globais) que pretendem crescer agressivamente empregarão capital próprio. Alguns optam deliberadamente por esse caminho, pois preferem se financiar a depender de bancos ou investidores externos que talvez possam interferir no controle da empresa.
Segundo María Sanchíz, líder da prática de Empresas Familiares da PwC Espanha, “muitas empresas familiares espanholas preferem usar seus próprios recursos – elas não querem expor a empresa tomando um empréstimo, e acreditam que o melhor lugar para investir seu dinheiro é a própria empresa. Mas isso representa um risco bem real: se algo der errado, toda a riqueza da família está em risco, e também o negócio”.
Obviamente, optar pelo endividamento para financiar as atividades da empresa também representa riscos. O ideal é alcançar um equilíbrio entre investimentos com capital próprio e de terceiros, mantendo um nível de alavancagem aceitável e seguro para o funcionamento da empresa.
Usar os próprios recursos nem sempre é uma escolha deliberada. Muitas empresas familiares são forçadas a fazê-lo porque não têm acesso a outros tipos de financiamento ou porque eles são muito caros. Novamente, um planejamento estratégico robusto ajuda as empresas familiares a viabilizar seu crescimento futuro, pois identifica se a empresa tem a estrutura de capital adequada e acesso ao financiamento necessário para aproveitar as oportunidades futuras.
A importância de alinhar a estratégia do negócio com a do proprietário e a da família não pode ser subestimada. Quando há muitos acionistas dependentes com necessidades e prioridades divergentes, isso pode afetar a disposição e a capacidade da empresa de investir em novos empreendimentos ou impulsionar mudanças essenciais. Recorrer ao mercado de capitais para se financiar ou procurar outros investimentos privados é um processo complexo que tem impactos significativos para os proprietários do negócio, o que exige uma comunicação bastante clara e abrangente no seio da família.
Em um nível mais imediato e tático, as empresas familiares precisam levar em conta a possibilidade de liberar mais recursos para investimento, otimizando seu capital de giro. Além disso, as empresas familiares devem assegurar que as condições de seu financiamento sejam adequadas e que sua fonte seja segura, caso as circunstâncias mudem tanto dentro da empresa quanto no mercado.
A transferência da riqueza entre gerações envolve várias questões familiares. Em nosso contato inicial com a família, costumamos descobrir que não há comunicação regular sobre temas relacionados à melhoria, preservação e proteção da riqueza familiar. Há, de fato, uma “zona proibida” na qual temas como riqueza e propriedade não podem sequer ser levantados. Isso leva invariavelmente a expectativas e noções diferentes sobre direitos – o que, por sua vez, leva a posições intransigentes, ciúmes e possíveis conflitos. Essa “zona proibida” está bem viva, mesmo nas famílias maiores e mais prósperas. Muitas delas promovem eventos sociais e encontros regulares, mas isso não é o mesmo que sentar e discutir os temas complicados.
Não é fácil, contudo, iniciar esse processo: é preciso coragem para dar esse passo, que é essencial para garantir a harmonia e a continuidade familiar, facilitar o planejamento sucessório, proteger os relacionamentos e fazer um trabalho conjunto e eficiente. É um desafio encontrar a fórmula de sucesso familiar, mas talvez seja um desafio ainda maior preservar a riqueza da família.
Segundo um antigo dito popular, “pai trabalha, filho come, neto passa fome” – ou seja, as famílias fazem dinheiro na primeira geração, desfrutam da riqueza na segunda e perdem tudo na terceira. Não por acaso isso se tornou um dito popular: porque, muitas vezes, é a pura verdade. Uma série de fatores explica por que isso acontece, como o excesso de alavancagem para acelerar o crescimento, gastos excessivos com estilo de vida e disputas matrimoniais, além do erro de colocar “todos os ovos na mesma cesta”.
Muitas famílias investem pensando no longo prazo, pois, ao contrário das empresas abertas, não são dominadas pelo imediatismo. Mas, mesmo quando as empresas familiares diversificam seu patrimônio, elas o fazem naquilo onde investem sua riqueza e, assim, se expõe de forma desproporcional a um único ativo.
Sempre haverá forças fora de controle para as quais mesmo o melhor planejamento será incapaz de oferecer proteção. Talvez seja uma mudança na regulação governamental, a obsolescência ou um avanço tecnológico, disrupções de produtos ou mercados ou ainda riscos políticos e soberanos. Por isso, todo gestor de fundos de investimentos dirá que você precisa diversificar o seu risco. Mas muitas empresas familiares não aplicam esse princípio básico aos seus próprios recursos. Algumas agem assim por razões emocionais. Afinal, donos são naturalmente ligados aos negócios que criaram. Se não fossem, não teriam tido sucesso. Mas é importante eliminar a emoção quando se trata da estratégia de preservação da riqueza. Portanto, avalie formas de liberar recursos em benefício da família, como vendas parciais, recapitalizações ou
empréstimos bancários.
Muitas empresas familiares acreditam que terão retornos maiores com o próprio negócio do que com a ajuda de um gestor de fundos, especialmente depois de contabilizados impostos e comissões. E isso talvez seja verdade em muitos casos. Mas a diversificação é tão importante quanto assegurar retornos estáveis e de longo prazo. Não raro encontramos proprietários que adotam esse ponto de vista quando estão perto de se aposentar e começam a estimar a renda necessária para sustentar o estilo de vida que desejam ter. Essa é uma boa hora para avaliar todas as alternativas de um planejamento sucessório eficaz e chegar a uma transferência de riqueza bem-sucedida entre gerações.
Planejamento estratégico
Os resultados da pesquisa, somados à nossa experiência, nos levam a concluir que uma ênfase maior na estratégia e no planejamento de médio prazo é o elemento que falta para que muitas empresas familiares consigam alcançar um sucesso maior e atingir o seu verdadeiro potencial.
Algumas empresas familiares já estão fazendo isso, e fazendo bem, mas outras estão presas entre as exigências do cotidiano e o peso das expectativas intergeracionais. Embora parte dessas organizações esteja plenamente consciente de que isso é um problema (por exemplo, 34% dos brasileiros acreditam ter uma estratégia adequada à era digital), outra parte carece das competências necessárias para assumir a tarefa e talvez não saiba por onde começar. Há outras ainda que evitam a questão porque temem que ela gere mais problemas do que soluções, especialmente em relação a aspectos pessoais, como a sucessão. E há aquelas que dizem ter um plano de negócios em execução. Mas um plano estratégico não é a mesma coisa que um plano de negócios, e um plano que não é documentado, comunicado, gerenciado e monitorado não é de fato um plano.
Paul Hennessy, líder da prática de Empresas Familiares da PwC Irlanda, afirma: “As empresas familiares executam bem um plano, quando o têm – elas podem seguir um “roteiro” e geralmente fazem isso muito bem. Elaborar esse roteiro é o primeiro desafio. Eu vi isso acontecer muitas vezes, tanto em relação a questões específicas, como a implementação de tecnologia digital, e mais amplamente em relação ao planejamento estratégico. Na verdade, muitas vezes é possível encontrar empresas familiares com planos que abrangem questões específicas – como a tecnologia –, mas nenhuma estratégia geral que conecte todas as questões. É preciso haver um plano estratégico claro, que abranja todos os aspectos do negócio e que esteja explicitamente alinhado aos objetivos e planos de longo prazo da família. Isso deve começar com a visão e os valores: você precisa de uma visão compartilhada dos objetivos e valores acordados para orientar o processo de tomada de decisão necessário. Sem essas duas coisas, os processos de planejamento invariavelmente tropeçam.”
Peter Bartels, líder da prática global de Empresas Familiares, da PwC Alemanha, concorda: “Muitas vezes, trabalhamos em empresas cujos proprietários têm um plano na cabeça, mas não o compartilham de forma mais ampla. Como o resto da empresa confia neles, isso funciona. Pelo menos por um tempo. No longo prazo, no entanto, essa pode ser uma receita para o desastre, e será quase impossível contratar gestores profissionais ou obter financiamento externo para o crescimento ou a reestruturação. É preciso ter um plano claro, escrito, acordado e comunicado”.
Profissionalização 2.0
Em 2014, o tema principal da nossa pesquisa foi a profissionalização da empresa familiar. Os resultados deste ano mostram progressos reais nessa área, mas fica claro que ainda é preciso fazer mais.
Todas as empresas, inevitavelmente, acabam chegando ao ponto em que precisam profissionalizar sua operação, instituindo processos mais rigorosos, estabelecendo uma governança clara e recrutando competências de fora. Com as empresas familiares não é diferente. A pesquisa deste ano prova – mais uma vez – a importância dessas prioridades. Por exemplo, 54% dos brasileiros (43% na média global) dizem que a necessidade de profissionalizar o negócio é uma prioridade-chave nos próximos cinco anos. Assim como em 2014, apenas um terço das empresas familiares brasileiras planeja passar o controle total (gestão e propriedade) para a próxima geração. Duas em cinco planejam passar a propriedade, mas trazer um gestor profissional externo.
Mas a empresa familiar tem uma dimensão diferente que outras empresas nunca tiveram de enfrentar: a própria família. As questões aqui são muito mais difíceis de resolver. São mais pessoais, mais complexas, e os riscos de dar errado podem ser fatais: como dissemos muitas vezes, “as empresas familiares falham por razões familiares”. Não surpreende, portanto, que o progresso nessa área seja mais lento, ou que algumas empresas gostem de pensar que fizeram avanços quando, na verdade, pouca coisa realmente mudou.
A pesquisa deste ano mostra que as empresas familiares continuam a estabelecer processos para “profissionalizar a família”, inclusive mecanismos como acordos de acionistas, conselhos de família e acordos por incapacidade.
Trazer gestores externos é outra maneira de profissionalizar o negócio. Isso assume importância e urgência maiores considerando o contexto do gap estratégico.
No nível mais básico, processos melhores e uma divisão mais clara de papéis e responsabilidades liberam tempo e espaço para a alta administração pensar e planejar mais estrategicamente.
O papel do CEO profissional
Analisamos em publicações anteriores as vantagens de contratar um CEO externo e os desafios que isso acarreta tanto para a família quanto para o profissional contratado. Alguns deles claramente gostam da oportunidade de tomar decisões de forma rápida e da autonomia que o modelo de negócio familiar pode oferecer. Mas muitos CEOs entrevistados para a pesquisa deste ano citaram algumas dificuldades que continuam encontrando.
As famílias podem relutar em abrir mão do controle, e os CEOs externos correm o risco de ter seus julgamentos profissionais ignorados pelas decisões da família e do proprietário, talvez muito mais por influência das emoções do que de argumentos racionais.
Considerando o tema geral em destaque este ano, é especialmente relevante o número de CEOs externos que se dizem excluídos do processo de tomada de decisões estratégicas – descrito por muitos como decisões tomadas pela família “ao redor da mesa de jantar” (ou, no caso de uma empresa australiana, durante o churrasco). Um CEO de uma empresa australiana na terceira geração familiar disse: “Não faço parte do círculo íntimo de tomada de decisões, o que não me preocupa, mas pode preocupar algumas pessoas.”
Outra observação comum é que os gestores profissionais muitas vezes são chamados a atuar como mediadores não oficiais entre diferentes partes da família. Isso pode ser difícil e prejudicial para as relações de trabalho, mas também é um papel que nenhum gestor profissional deve ser convidado a desempenhar: eles precisam concentrar suas competências e sua energia em gerenciar o negócio. Muitos gestores talentosos são, na verdade, dissuadidos de assumir papéis em empresas familiares precisamente por essa razão.
A julgar por esse feedback, muitas empresas familiares ainda têm bastante trabalho a fazer para entender o valor de um CEO externo e para dar a eles a liberdade de que precisam para fazer seu trabalho corretamente. Caso contrário, o risco é que eles desistam da empresa e que o negócio deixe de gerar valor.
O papel do conselho de administração
Não surpreende que as empresas familiares maiores e mais antigas tendam, na média global, a ter mais cargos não executivos preenchidos por profissionais de fora da família: 79% das empresas com faturamento superior a US$ 100 milhões têm conselheiros de fora da família, assim como 75% das empresas que chegaram, pelo menos, à quarta geração.
Muitas empresas familiares começam sem nenhum cargo não executivo, embora a maioria tenha conselheiros formais ou informais que podem atuar como um grupo de discussão. Com a criação de um conselho adequado, essas pessoas geralmente são convidadas a participar como primeiras integrantes não executivas. Mas, por serem amigas ou conselheiras da família, muitas vezes elas são encaradas como internas à empresa, especialmente porque costumam exercer a função há muito tempo e correm o risco de se tornarem “nativas” (daí a importância da renovação periódica do conselho). Esses profissionais podem desempenhar um papel útil, mas a nossa experiência sugere que dificilmente oferecerão a independência ou o “diferencial” de que a empresa familiar realmente precisa para manter uma vantagem competitiva. É improvável, com certeza, que eles questionem um fundador ou um CEO fortes de alguma maneira importante.
Como observa Siew Quan Ng, líder da prática de Empresas Familiares da PwC Ásia-Pacífico, “esse é o grau de questionamento necessário a todas as empresas familiares. Para alcançar a plena maturidade, uma empresa familiar precisa de um conselho forte de indivíduos com experiência relevante, e uma perspectiva mais ampla, complementada por algumas opiniões independentes e objetivas”. Um conselho que funcione bem pode gerar enorme valor para uma empresa familiar, por exemplo, avaliando como os ativos e lucros da organização estão sendo usados, e moderando discussões sobre o nível de dividendos. Isso pode ajudar a garantir que a empresa preserve recursos suficientes para sobreviver e crescer.
É interessante nesse contexto que 73% das empresas familiares globais que procuram crescer agressivamente tenham conselheiros de fora da família. As empresas familiares precisam de um conselho capaz de opinar e questionar as decisões, mas que também compartilhe a visão e os valores da empresa. Segundo afirma Andy Berliner, da fabricante de alimentos orgânicos Amy’s Kitchen, nos Estados Unidos, “estamos formando um conselho consultivo, mas não é fácil encontrar pessoas que compartilhem nossos valores e tenham a experiência certa para ajudar. Queremos pessoas que não só tenham as competências que buscamos, mas que apreciem o que estamos fazendo e consigam colocar seu coração nisso”.
As empresas familiares querem conselheiros “adaptados”, mas cada uma delas tem necessidades diferentes na seleção do seu conselho. Em muitos casos, trabalhamos com proprietários tensos com a possibilidade de abrir mão do controle ou compartilhar informações confidenciais com “estranhos”, mesmo que essas pessoas sejam integrantes do conselho. Outros se preocupam com as despesas ou têm dificuldades para perceber o valor gerado pelas reuniões do conselho, por não aguardarem tempo suficiente para obter o melhor retorno delas. O processo de seleção e contratação dos membros externos do conselho também levanta preocupações quanto a possíveis erros, especialmente para os proprietários que não têm processos estabelecidos para esse fim e que não estão cientes de que existem formas de se proteger casos as coisas não funcionem. Da mesma forma, atrair os indivíduos certos e garantir uma boa adaptação pode ser um desafio, já que os membros não executivos precisam entender a dinâmica do negócio e a complexidade das relações familiares.
Em nenhuma outra área o conselho é mais importante do que no planejamento estratégico. Um conselho eficaz deve demandar que a empresa desenvolva esse plano, caso ainda não tenha feito isso. Por exemplo, o conselho deve fazer perguntas sobre o impacto das novas tecnologias e solicitar informações sobre as tendências do mercado. Um conselheiro adequado também terá como oferecer sua experiência em relação a detalhes do processo de planejamento, o que pode incluir ajudar a empresa a avaliar as questões de forma objetiva, analisar cenários, formular um plano realista e eficaz e monitorar seu progresso regularmente. Um plano estratégico robusto também será essencial no recrutamento de novos conselheiros, identificando áreas para futura expansão ou diversificação, nas quais diferentes habilidades e insumos possam ser necessários no conselho.
O papel da nova geração
Nos próximos cinco anos, é provável que aconteça a maior transferência de riqueza entre gerações já vista na história da economia moderna. Grande parte dessa riqueza assumirá a forma de ações em empresas familiares. Por essa razão, uma abordagem mais sólida de planejamento sucessório é uma prioridade-chave para todo o segmento de empresas familiares – e para as economias que elas ajudam a sustentar. Uma mudança dessa magnitude representa enormes riscos, mas também abre oportunidades imensas, com uma nova geração que é mais ambiciosa, mais aberta e, indiscutivelmente, mais bem preparada do que qualquer outra antes.
No início de 2016, realizamos um levantamento detalhado sobre essa nova geração de líderes de empresas familiares para descobrir quais são suas prioridades e como eles encaram o futuro. Algumas das conclusões não surpreenderam – a nova geração3 é ambiciosa, dinâmica e aberta à mudança. Esses profissionais desejam transformar os negócios que herdarão e passar adiante algo muito diferente para a geração futura: eles querem explorar novos produtos e serviços e novos mercados, mas também estão interessados em novos locais e até mesmo novos modelos de negócios.
Nessa pesquisa, 92% dos brasileiros (e 88% no mundo) disseram que querem fazer algo especial e realmente deixar uma marca, e 73% (79% no mundo) têm muitas ideias sobre como impulsionar o negócio. Além disso, 52% (59% no mundo) gostariam de diversificar seu portfólio de produtos, mas 65% (68% no mundo) acham improvável que suas empresas façam essa mudança na próxima década (o que coincide com os resultados da Pesquisa sobre Empresas Familiares). Isso talvez explique por que 48% dos integrantes da próxima geração pensam em lançar um novo empreendimento em paralelo às atividades da empresa principal. É uma estratégia que aparece como forma de apoiar a mudança de forma gradual e sistemática, sem perder o que já deu certo.
E eles têm muito mais chance do que qualquer geração anterior de ter sucesso nisso: muitos desses profissionais integram a geração do milênio, que chega ao universo do trabalho com diferentes expectativas, prioridades e mais familiaridade com a tecnologia digital – aspectos que certamente influenciarão o rumo futuro das empresas familiares. Muitos foram educados em escolas de negócios, nas quais obtiveram as ferramentas analíticas de que precisam para executar o planejamento estratégico e de médio prazo.
Na verdade, acreditamos que as próximas transições geracionais talvez sejam as mais importantes da história da maioria das empresas familiares atuais. O tipo de executivo que dirigirá um negócio familiar em um prazo de cinco a dez anos pensará e agirá de forma muito diferente da maior parte dos líderes atuais.
Conclusão
A pesquisa deste ano nos levou a cinco conclusões principais, que exigem ações coordenadas e determinadas:
• As empresas familiares devem redobrar seus esforços para lidar efetivamente com a sucessão e adotar planos sólidos em relação a esse tema.
• A jornada de profissionalização ainda não foi concluída e exigirá mais tempo e recursos. Isso vale especialmente para a governança familiar e o papel do conselho.
• Há uma necessidade igualmente urgente de dedicar o tempo e o espaço necessários para realizar um rigoroso processo de planejamento estratégico. Isso inclui planejar o futuro da família e da empresa. Há muito a ser aprendido com as empresas familiares que já executam bem essa tarefa.
• É essencial pensar de forma positiva nas oportunidades que a disrupção digital apresenta. E isso pode significar que talvez seja preciso enfrentar concepções rígidas sobre o futuro de algumas áreas do negócio a longo prazo. É nisso que as empresas familiares podem demonstrar sua capacidade de se reinventar sem perder o espírito empreendedor com o qual
foram criadas.
• A nova geração tem um papel cada vez mais importante a desempenhar, tanto na resposta à disrupção digital como no processo de definição de estratégias. Ela precisa ser capacitada e apoiada para cumprir seu papel.
Essa agenda não é fácil, mas é necessária. E, se executada de forma correta e rápida, ela oferece às empresas familiares a oportunidade de alçar novos voos e realizar seu enorme potencial de forma ainda mais eficaz do que hoje.
Clique aqui para acessar o relatório original.
Fonte: PwC Brasil.