Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) identificaram no genoma do bovino Nelore (Bos taurus indicus) um conjunto robusto de marcadores genéticos associado à qualidade da carne. Os resultados abrem caminho para avanços significativos no melhoramento genético da raça zebuína, que corresponde a cerca de 80% do rebanho brasileiro de corte. A pesquisa tem implicações diretas na produtividade e na qualidade do produto brasileiro, reforçando a posição do país como um dos maiores exportadores mundiais de carne bovina. Os resultados foram divulgados na revista Scientific Reports.
Em trabalhos anteriores, o grupo havia identificado genes e proteínas, utilizando diferentes técnicas e estudando separadamente as características de carne e carcaça. No trabalho atual, no entanto, os pesquisadores realizaram uma análise integrando essas técnicas e envolvendo múltiplas características, utilizando dados de 6.910 touros jovens da raça Nelore, provenientes de quatro programas comerciais de melhoramento genético.
O material biológico foi coletado logo após o abate, permitindo uma avaliação abrangente e detalhada das características que influenciam diretamente a qualidade da carne.
“O grupo já havia obtido avanços importantes utilizando as diferentes abordagens ‘ômicas’ [genômica, transcriptômica e proteômica], mas ficou cada vez mais claro que nenhuma técnica isolada é suficiente para compreender a complexidade dos sistemas biológicos que controlam a variação na qualidade da carne e carcaça”, afirma Gabriela Frezarim, primeira autora do estudo, realizado durante doutorado na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da Unesp, em Jaboticabal.
“Ao integrar essas técnicas ômicas, conseguimos elucidar não apenas os genes isolados, mas as redes biológicas envolvidas na variação de certos fenótipos do animal”, completa a pesquisadora, que foi orientada por Lucia Galvão de Albuquerque, professora da FCAV-Unesp.
Albuquerque coordena o projeto “Aspectos genéticos da qualidade, eficiência e sustentabilidade da produção de carne em animais da raça Nelore”, apoiado pela FAPESP. Parte do trabalho foi conduzida durante projeto anterior, também financiado pela Fundação.
Com os resultados obtidos no estudo atual, os pesquisadores possuem agora uma série de informações moleculares acuradas, que poderão ser utilizadas futuramente pelo setor produtivo para selecionar animais que produzam tanto uma carne de melhor qualidade quanto uma carcaça com maior rendimento comercial.
Ainda que o Brasil lidere as exportações de carne no mundo, com 2,89 milhões de toneladas em 2024, o zebuíno Nelore é conhecido por não ter uma carne tão macia quanto a de raças taurinas, como a europeia Angus (Bos taurus taurus), por exemplo.
Nos últimos anos, outros grupos de pesquisadores avançaram no desenvolvimento de chips capazes de identificar variações no genoma associadas a características de interesse para a seleção de bovinos nelore.
O presente estudo vai além ao investigar não apenas genes isolados, mas redes moleculares complexas relacionadas ao desempenho extremo (alto e baixo) em características de qualidade da carne, com destaque para genes e vias metabólicas que explicam as diferenças entre os indivíduos. Esses achados ampliam as possibilidades de seleção genética.
“Quando se trabalha em nível de DNA, não há garantias de que uma determinada variação no genoma resulte necessariamente na produção de um RNA ou de uma proteína específica, pois há processos biológicos complexos ainda não totalmente conhecidos envolvidos nessas etapas. Nosso estudo busca justamente compreender esses caminhos e apontar as bases moleculares envolvidas na expressão das características de carne e carcaça”, explica Larissa Fonseca, coorientadora do trabalho, pós-doutoranda na FCAV-Unesp e bolsista da FAPESP.
“A compreensão dos mecanismos moleculares que influenciam a qualidade da carne e da carcaça é fundamental para explicar a variabilidade fenotípica observada em bovinos Nelore. O estudo oferece uma visão integrada das vias biológicas envolvidas nessas características, identificando genes e proteínas que atuam diretamente na maciez, no marmoreio e na espessura da gordura subcutânea”, diz Lúcio Mota, outro coautor do trabalho, que realiza pós-doutorado na FCAV-Unesp com bolsa da FAPESP.
O pesquisador explica que, dessa forma, as diferenças fenotípicas observadas entre os animais passam a ter bases moleculares claras, o que permite direcionar estratégias de seleção mais precisas no melhoramento genético.
Por exemplo, os pesquisadores observaram que genes ligados ao crescimento, à regulação do ciclo celular e às proteínas de choque térmico estão diretamente associados à maciez da carne.
Essas proteínas atuam na manutenção da estrutura muscular e no controle da degradação das fibras após o abate, impactando diretamente a maciez da carne. As diferenças na expressão desses genes e proteínas ajudam a explicar por que alguns bovinos Nelore apresentam carne mais macia, ao favorecerem uma quebra mais eficiente das fibras musculares no pós-abate.
Outra conclusão foi que genes, transcritos e proteínas envolvidos na organização do citoesqueleto (estrutura que mantém a forma da célula) e nos processos de morte celular programada (apoptose) influenciam diretamente no desenvolvimento muscular e, por consequência, na área do olho de lombo (AOL). A AOL é uma medida internacional que indica a musculosidade e o rendimento da carcaça.
Para o marmoreio, que é a gordura intramuscular responsável pelo sabor e suculência da carne, foram encontradas proteínas relacionadas à síntese e composição de ácidos graxos, além de proteínas envolvidas na ligação da actina e formação de microtúbulos, essenciais para diversas funções celulares. Esses achados sugerem que a regulação dessas proteínas pode impactar diretamente a deposição de gordura intramuscular, influenciando a qualidade sensorial da carne.
Por fim, genes associados à regulação do metabolismo energético e ao remodelamento do tecido muscular foram identificados como importantes para a espessura da gordura subcutânea, uma medida relevante para a qualidade da carcaça.
“Este é um estudo inicial, mas que fornece diretrizes importantes para programas de melhoramento genético e o desenvolvimento de estratégias mais eficazes de seleção em bovinos Nelore para características de carne e carcaça”, afirma Albuquerque.
A intenção dos pesquisadores agora é ampliar as análises e alcançar um nível ainda maior de precisão, o que poderá permitir a seleção mais acurada de animais que contribuam diretamente para a melhoria da qualidade da carne brasileira.
O artigo Multi-omics integration identifies molecular markers and biological pathways for carcass and meat quality traits in Nellore cattle pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41598-025-93714-x.
Fonte: Agência Fapesp.