Um mundo muito mais preocupado com as condições sanitárias e a rastreabilidade dos alimentos, com novos hábitos de consumo, foco em redução de custos e protecionista do ponto de vista comercial. Para Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e um dos cardeais do setor no Brasil, é mais ou menos esse cenário que aguardará produtores rurais e agroindústrias do país quando a pandemia do novo coronavírus se dissipar, o que ainda é cado para prever.
Segundo Rodrigues, que atualmente coordena o Centro de Estudos em Agronegócios da Fundação Getulio Vargas (FGV Agro), é conselheiro de empresas como a BRF e faz palestras em eventos por todo o país, o Brasil tem todas as condições de vencer os desafios que virão e ampliar sua participação no comércio global — as exportações nacionais do agronegócio já são da ordem de US$ 100 bilhões por ano —, mas é preciso, desde já, estudar profundamente as mudanças em curso e preparar respostas rápidas.
“Vejo que a questão sanitária será muito mais demandada, uma vez que a mensagem passada pela pandemia é de fragilidade nessa frente. Mas não é só o novo coronavírus. Temos os problemas causados pela peste suína africana na Ásia e em outras regiões e mesmo a gripe aviária, que continua dando trabalho mesmo em países desenvolvidos como a Alemanha”, disse Rodrigues em entrevista ao Valor por telefone — o ex-ministro, que completará 78 anos em agosto, está confinado em sua fazenda no interior paulista para se resguardar da covid-19.
De carona com a preocupação sanitária, acredita Rodrigues, virá uma atenção mais efetiva dos consumidores com a rastreabilidade dos alimentos, que até a pandemia, embora crescente, ainda era restrita. “Essa questão terá que ser encarada realmente com seriedade. As pessoas têm que saber de onde vem o produto que estão consumindo”, afirmou.
Mudanças de comportamento social também exigirão atenção rodobrada de produtores rurais e empresas de alimentos. Ainda é impossível saber hábitos e rotinas que prevalecerá quando a população estiver novamente livre para ir e vir, mas Rodrigues aposta que algumas lições da crise vão vingar, como a valorização da alimentação nos lares, com qualidade e custos menores. “Muita gente está entendendo que a vida pode ser mais simples e mais barata”, disse ele.
Também terá influência nessa mudança a redução de custos que muitas empresas entendem que poderão ter com a mudança da maneira de trabalhar. É claro que o home office intensivo não terá mais razão de ser, mas há claros sinais de que o modelo ganhará força em muitos setores — inclusive no agronegócio. “No meio rural, os empresários já entenderam que o olho do dongo, que engorda o boi, pode ser digital”.
Mas também as lições da crise vão gerar transformações em diversas cadeias. É notório, por exemplo, o esforço de produtores de frutas e hortaliças em ampliar seus serviços online e entregas diretas aos consumidores dos grandes centros nestes dias de confinamento. Ocorre que, para muitos deles, o desafio está comprovando que de fato é possível crescer dessa forma. O mesmo deverá acontecer no mercado de flores, um dos mais afetados pela crise.
No comércio internacional, finalmente, Roberto Rodrigues alerta para a perspectiva de o mundo sair da crise do coronavírus mais protecionista do que entrou. Ele vê com preocupação a perda de protagonismo da Organização Mundial do Comércio (OMC) como intermediadora das relações entre os países e prevê que os acordos bilaterais vão continuar ganhando importância em detrimento dos grandes pactos multilaterais. “Daí porque, neste momento, já temos que ficar atentos ao acordo entre Mercosul e União Europeia.
Fonte: Valor Econômico.