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Exportações recordes, mas e o boi?

De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) o faturamento com as exportações brasileiras de carne bovina alcançou, no acumulado deste ano (janeiro a agosto), US$1,56 bilhão, superando os US$1,52 bilhão conquistados ao longo de 2003, conforme pode ser observado na figura 1.


Fonte: MDIC / Scot Consultoria /* janeiro a agosto

A expectativa é que, ao final do ano, a receita supere os US$2 bilhões. As exportações do complexo carnes tendem a ficar próximas de US$5 bilhões, portanto, 40% disso tudo deve vir somente das vendas de carne bovina.

Os bons resultados que vêm sendo colhidos no mercado internacional podem ser creditados a uma demanda firme e um ambiente enxuto, em função, principalmente, de problemas sanitários enfrentados por outros importantes exportadores, como Canadá e Estados Unidos (vaca louca).

Tal cenário levou à valorização do preço da carne bovina exportada, e um dos maiores beneficiados pelo movimento foi o Brasil.

Novamente recorrendo aos dados do MDIC, o preço médio da tonelada equivalente carcaça da carne bovina brasileira exportada passou de US$1.213,04 em agosto de 2003 para US$1.395,35 em agosto deste ano, alta de 15%. No mesmo período a cotação do boi gordo paulista rastreado passou de US$19,54/@ para US$20,87/@, valorização de apenas 7% (veja resumo na tabela 1), menos da metade do que foi registrado para a carne, ficando abaixo da inflação do período, algo em torno de 10% de acordo com o IGP-DI.

Se analisarmos os preços em reais, teremos as mesmas variações, já que nos 2 períodos a cotação média do dólar ficou em R$3,00.

Tabela 1. Cotação da carne bovina brasileira exportada x cotação do boi gordo paulista


Fonte: MDIC / Scot Consultoria

O frigorífico argumenta que a despadronização da carne brasileira, as oscilações bruscas de oferta entre os períodos de safra e entressafra, as tarifas e as barreiras sanitárias e fiscais impedem que se estabeleça um valor mais elevado para o boi gordo destinado à exportação.

É verdade que todos esses fatores dificultam a valorização da arroba. Contudo, é verdade também que apesar de todas as barreiras existentes, as exportações brasileiras estão evoluindo a galope, graças à competitividade do produto nacional. Além do mais, por meio de acordos comerciais e vitórias via OMC a tendência é que os obstáculos originados pelas barreiras tarifárias e pelos subsídios à produção e comercialização passem a ser transpostos com mais facilidade.

Com relação às questões sanitárias e de qualidade da carne, o produtor vem fazendo a sua parte, investindo em sanidade, genética e nutrição. Vejamos alguns números:

De acordo com dados do Sindicato Nacional da Indústria de Alimentação Animal (Sindirações), as vendas de rações balanceadas prontas, para pecuária de corte, cresceram de 478,5 mil toneladas em 2001 para 630 mil toneladas em 2003, aumento de 31,7%. Não incluindo sal mineral e sal mineral protéico.

A Associação Brasileira das Indústrias de Suplementos Minerais (ASBRAM), que já havia apontado um crescimento de 10% das vendas de 2002 para 2003, totalizando 1,7 milhão de toneladas, espera um novo aumento em 2004, desta vez de 12%.

O confinamento e o semiconfinamento têm avançado significativamente. De 2002 para 2003 a Scot Consultoria apurou um crescimento de 10% em semiconfinamento, totalizando 2,8 milhões de cabeças, e 7% em confinamento, fechando em 1,605 milhão de cabeças. Apesar dos concentrados terem aumentado cerca de 20% ao longo do primeiro semestre de 2003.

Para 2004 as expectativas apontam novos aumentos. Algo em torno de 15% para o confinamento, chegando a 1,84 milhão de cabeças, e também 15% para o semi-confinamento, somando 3,22 milhões de animais.

As vendas de sêmen também avançam com solidez. De acordo com números da Associação Brasileira de Inseminação Artificial (Asbia), em 1983 foram negociadas cerca de 1,17 milhão de doses, contra 7,473 milhões em 2003 (considerando produtos nacionais e importados), crescimento de 536%.

Em 1997, de acordo com os números do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sindan), o mercado veterinário brasileiro movimentou cerca de US$856,77 milhões, ou R$923,60 milhões. Em 2003 movimentou US$614,12 milhões, ou R$1,89 bilhão, crescimento de 104,6%, em reais.

São números que demonstram que o produtor está investindo, e o reflexo vem no aumento do volume e na melhoria da qualidade da matéria-prima (boi) ofertada aos frigoríficos. Ainda há muito que melhorar é verdade, mas não dá para negar que houve melhorias consistentes ao longo dos últimos anos.

Os preços pagos ao produtor é que não acompanharam esses avanços. Nos últimos anos, evoluíram ao sabor da inflação, sendo que em 2004 (janeiro a setembro) a cotação da arroba do boi gordo paulista rastreado (portanto, destinado a atender as exportações) acumulou baixa de 8%, levando em consideração os preços deflacionados pelo IGP-DI.

O grande problema é a concentração de forças nas mãos de poucas indústrias. Os números são mais ou menos estes: existem mais de 1.000 frigoríficos inspecionados no país, sendo que cerca de 350 atendem aos requisitos do Serviço de Inspeção Federal (SIF).

Contudo, somente 17 respondem por quase 100% do faturamento gerado pelas exportações de carne bovina. Ainda, os 5 maiores grupos concentram mais de 80% de todo esse montante, sendo que os 2 principais retêm mais ou menos 50%.

É principalmente por mérito e competência deles, claro, que alcançaram tal posição. Porém, tamanho poder dificulta a distribuição dos ganhos ao longo da cadeia. Vide exemplo do mercado de laranja.

Se no caso do mercado externo, quem dita o ritmo é o frigorífico, internamente é o varejo que pressiona. Observe na tabela 2 como estão distribuídas as vendas de carne no Brasil.

Tabela 2. Distribuição das vendas de carne no Brasil


Fonte: Sindicato dos Varejistas do Estado de São Paulo / Scot Consultoria

As grandes redes de varejo ganharam espaço com a entrada da mulher no mercado de trabalho, oferecendo praticidade e economia de tempo. Concentrando as vendas, aumentaram o poder de barganha, garantindo margem elevada sobre os demais seguimentos, conforme pode ser observado na figura abaixo.

Figura 2. Preços recebidos pelo traseiro do boi gordo, em São Paulo, em setembro de 2003


Fonte: Scot Consultoria

Quando o consumo está fraco, o preço da carne no varejo cai, mas é normalmente no atacado que se observa os recuos mais significativos. O varejo trabalha sempre com uma margem relativamente elevada, variando de 30 a 60% sobre o atacado.

Nos 2 casos, mercado interno e externo, o produtor é sempre o elo mais fraco da cadeia, apesar de ser a peça fundamental para que ela funcione, pois é o dono da matéria-prima. Como já foi descrito acima, tem investido em nutrição, genética, sanidade e, mais recentemente, em rastreabilidade (já são mais de 32 milhões de cabeças rastreadas no país), mas não tem colhido os bons frutos de todo esse processo, principalmente quando analisamos o bom desempenho das vendas externas.

Tanto é que o abate de matrizes está elevado e a agricultura avança sobre as áreas de pastagem, sinal de que os resultados obtidos no campo não têm animado os produtores.

Agora, é preciso ficar claro que não tem “bonzinho” no mundo dos negócios. Em outras palavras, o frigorífico não vai pagar R$65,00 por arroba se estiver conseguindo boi a R$60,00, independente do desempenho das exportações e do preço da carne. Negócio é negócio, quanto maior o retorno, melhor.

Dizer que todos os elos da cadeia têm um interesse comum, e que, portanto, deveriam adotar posturas comerciais que beneficiassem a todos, não funciona enquanto houver tamanha desproporção de forças. Se fosse o produtor a ponta forte, iria vender boi mais barato com “pena” do frigorífico que está apertado?

Os frigoríficos exportadores trabalham de forma organizada. Adotam estratégias planejadas de compra e venda, negociam em bloco (por meio de uma associação bem estruturada), trabalham com o mercado futuro, com informações de mercado e investem em produção própria, promoção e marketing. O resultado está aí, exportações crescendo, com preço da carne exportada em alta e da matéria-prima em baixa.

Em recente matéria na revista Exame, sobre as mudanças na administração de uma empresa de adubos, foi citada a frase de um consultor do setor de agronegócios: “Nesse negócio de commodities, o diferencial está na gestão”. Acertou na mosca.

Além da gestão de custos, é preciso gerir com a máxima eficiência a parte comercial, e talvez aí esteja o grande entrave do setor produtivo. Falta organização representativa, elaboração de estratégias de comercialização, estabelecimento de parcerias, investimentos em promoção e marketing, que é o que não falta aos outros elos da cadeia.

Argumenta-se que a própria estrutura da cadeia, com 17 frigoríficos exportadores, meia dúzia de gigantes do varejo e milhares de produtores, favorece a adoção dessas práticas pelos 2 primeiros elos citados, dificultando que o mesmo ocorra com o setor produtivo.

Ora, problemas existem para serem resolvidos. Vale dar uma olhada no trabalho desenvolvido pela Aliança Mercadológica de Guarapuava, no Paraná. Um grupo de pecuaristas se reuniu, arquitetou parcerias com algumas redes de varejo, ofertando produtos (carne) com qualidade, padrão e constância garantidos. O abate foi terceirizado, ou seja, frigorífico presta apenas serviço ao grupo. Também foi desenvolvido um trabalho de marketing junto às gôndolas dos supermercados. Resultado: vendas garantidas, sem falha nos recebimentos, com um preço médio anual, pago ao produtor, 10% acima da média de mercado.

Outro exemplo, esse mais longe: a arroba do boi gordo australiano está acima de US$42,00. Além da carne cara, o setor produtivo é bem organizado, unido, sofrendo menos com as pressões da indústria.

O ambiente de negócios está ficando cada vez mais competitivo. Estimativas apontam que em 30 anos apenas 15 a 20% do total atual de agropecuaristas continuem na atividade. Quem não se profissionalizar, acompanhar as mudanças e tendências de mercado, de administração e de comercialização, vai ser expulso da atividade.

São os novos tempos. É bom estar preparado.

0 Comments

  1. Walter José Verdi disse:

    O artigo relata muito bem, uma característica corrente na atual conjuntura, onde a remuneração aos produtores, não reflete o ambiente de sucesso dos frigoríficos exportadores, que nivelam a produção de escala, de produtos padronizados, bem acabados, à predominância de pecuaristas extensivos, e que da maneira como está, serão eles os sobreviventes deste mercado, pois quem produz com qualidade, e não é satisfatóriamente remunerado, migra as suas atividades para outro setor, como é o caso de extensas áreas de pecuária sendo transformadas em lavouras, onde o setor produtivo é muito mais bem organizado, e não admite improvisos.

  2. Vigilato da Silva Fernandes disse:

    Parabéns pelo artigo, me chamou a atenção o último parágrafo onde você menciona que talvez daqui a 30 anos somente 15 a 20 % dos pecuaristas se manteriam na atividade.

    Isso é de fato preocupante, seria um retrocesso tamanha concentração de renda, das terras, de um setor tão importante.

    Temos que agir rápido, ter inteligência suficiente para adequar o setor diante de todas essas mudanças permitindo que a atividade pecuária que faz parte da cultura do país continue sendo acessível a pequenos e médios empresários.