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Implicações da interação genótipo x ambiente

Por Ana Carolina Espasandin1

Introdução

No artigo publicado por Martín Neto e Rosa (2003) foram descritos os mecanismos genéticos e ambientais que desencadeiam a interação genótipo x ambiente. Neste trabalho, apresentam-se as possíveis conseqüências que podem ocorrer na melhora genética dos nossos rebanhos quando estamos na presença destas interações.

Como visualizamos a interação?

É importante lembrar que a interação existe quando avaliamos no mínimo, 2 genótipos e 2 ambientes, entendendo por genótipos as raças, linhagens ou cruzamentos diferentes de uma espécie, e por ambiente a variações em qualquer nível nos fatores de origem não genética (clima, topografía, manejo, etc.). Quando a diferença entre 2 ou mais genótipos num ambiente dado, não se mantém constante em outro, existe interação. Na figura 1 (a e b) podemos visualizar os gráficos que geralmente são usados para explicar a interação.


Figura: 1a. Interação Genotipo x Ambiente

Figura 1b. Ausência de Interação

Neste exemplo teórico, os genótipos estão representados pelas raças Angus (azul) como taurina e a Guzerá (vermelho) como zebuínas, produzidas em ambientes tropical e temperado. A performance de ambas raças muda com o ambiente, conforme mostrado na Figura 1a, mas em sentido inverso. Na figura 1b, se bem os desempenhos de ambas raças variam com o ambiente, a diferença entre elas se manteve constante. Vale ressaltar, que não necessariamente tem que ser trocadas as performances das raças nos ambientes para considerar a interação, basta apenas que as linhas não sejam paralelas, e consequentemente a diferença entre elas nao será constante.

Outra forma de visualizar estes comportamentos diferenciais é estudando as classificações dos reprodutores quando utilizados em ambientes diferentes, conforme se apresenta na Tabela 1.

Tabela 1. Classificação de reprodutores avaliados em diferentes ambientes de produção


A ordenação dos animais segundo o seu mérito genético muda de um ambiente para outro, podendo um mesmo touro gerar resultados produtivos diferentes nas suas progênies.

O que causa a interação?

São inúmeros os fatores que podem causar a interação dos genótipos com os ambientes. Do ponto de vista ambiental é fácil visualizar as mudanças: maior ou menor temperatura, forragem de melhor ou pior qualidade, etc., mas do ponto de vista genético é difícil determinar os mecanismos responsáveis das respostas diferentes.

Alguns caracteres são codificados por genes diferentes segundo o ambiente em que são criados, enquanto em outros o único que varia é o grau de expressão deles. Por exemplo, se Aa, Bb, Cc, Dd e Ee são os genes responsáveis do peso à desmama em bezerros; pode acontecer que em ambientes tropicais agem apenas Aa e CC, e em ambientes temperados Bb e Ee serão os protagonistas.

Em outros casos, quem manda na defiinição do caráter são os mesmos genes (AaBbCcDdEe), mas se expressando com diferentes intensidades segundo o ambiente em que estão sendo produzidos.

Quais são as consequências da interação?

Quando selecionamos reprodutores, o fazemos em favor daqueles genes mais favoráveis para as características que desejamos melhorar. Paralelo à seleção praticada pelo homem existe a seleção natural, que opera em favor das características adaptativas: sobrevivência e reprodução. E assim que dentro de um ambiente específico, seja uma região, um estado ou até um país, os rebanhos vão se adaptando a essa situação de produção.

Nos sistemas intensivos onde a alimentação não é limitante serão favorecidos os genes que promovem maiores consumos dos animais e portanto maiores ganhos em peso. Já nos ambientes extensivos, onde a oferta de forragem flutua com as variações climáticas, prevalecerão os genes que melhorem a eficiência de uso dos alimentos e diminuam os requerimentos de manutenção. Porém, a genética adaptada aos ambientes intensivos não necessariamente tem que ser eficiente em condições de produção extensivas.

O que significa isto? Que devemos prestar atenção ao ambiente em que foi selecionada a genética que estamos comprando.

Muitas fazendas, especialmente as criadoras de raças taurinas (de origem européia) realizam a melhora genética mediante a compra de sêmen ou reprodutores provenientes de outros países (especialmente dos Estados Unidos e Canadá para Hereford e Angus). Na maioria das vezes, esta compra é decidida combinando DEP e preços, dentro dos animais destacados.

No entanto, quando esses reprodutores são avaliados no Brasil, nem sempre são os que geram as progênies superiores, conseqüência esta da interação entre os genótipos e os ambientes.

Cardellino et al. (1997) estudaram a relação entre as DEP provenientes das avaliações genéticas nos seus países de origem e as obtidas no Brasil, em touros das raças Hereford e Angus comprados nos Estados Unidos. Sendo que apenas um 2 a 3% dos touros apresentavam DEP negativas para características pré e pós desmama nos Estados Unidos, quase 20% dos touros Angus e 30% dos Hereford geraram resultados negativos no Brasil. Neste caso, uma porção significativa dos animais importados produziu descendência geneticamente inferior à referência utilizada no Brasil.

Situações como esta, não só resultam em menores avanços na melhora genética, senão em investimentos econômicos sem sucesso, considerando os preços que são vendidos as doses de sêmen importado.

Outros trabalhos realizados no Brasil, também evidenciam a interação em gado de corte, como os publicados por Mercadante et al. (2000), Mascioli et al. (2000) de Souza et al. (2003) e Espasandin et al. (2004) para as raças Caracu, Canchim, Nelore e Angus, respectivamente.

Não só raças puras sofrem os efeitos da interação, também os animais cruzados. Portanto, a interação não acontece apenas para efeitos genéticos aditivos, também para efeitos genéticos não aditivos como heterose e complementariedade.

Experimentos de campo realizados em outros países demonstram que os rankings de diferentes genótipos variam com os ambientes de produção. Num estudo conduzido por Arthur et al. (1994) na Austrália, observaram-se desempenhos de animais puros e cruzados das raças Brahman (B) e Hereford (H) em regiões que variaram desde tropicais até temperados. Enquanto nas localidades com estresse nutricional, os melhores desempenhos foram para os genótipos BxBH e BxB, nos ambientes sem limitações nutricionais, HxBH e HxH foram superiores.

No Brasil, Cardoso et al. (2004) analisaram os efeitos da latitude (desde regiões tropicais até temperadas) em vários caracteres, para animais com diferentes composições genéticas de Hereford x Nelore. Em termos gerais, enquanto em latitudes tropicais as melhores respostas são para maiores proporções da raça Nelore, em ambientes temperados os animais cruza F1 são os maiores beneficiados.

Considerações finais

Os trabalhos desenvolvidos no Brasil evidenciam a interação genótipo x ambiente em várias raças produtoras de carne: Caracu, Nelore, Canchim, Angus e Hereford, assim como para animais cruzados.

A interação produz conseqüências, entre elas méritos, genéticos dos reprodutores que variam segundo o ambiente de produção.

Sendo o objetivo da melhora, favorecer a reprodução dos animais portadores dos genes mais adaptados a cada situação de produção, estas informações podem ser de grande utilidade para a tomada de decisões na hora de comprar sêmen, touros ou até de se planejar um sistema de cruzamentos.

Literatura consultada

Arthur, P.F, Hearnshau, H., Kohun, P.J., Barlow, R. Evaluation od Bos indicus and Bos Taurus Straightbreds and Crosses. I. Post-weaning Growth of Steers in Different Environments. Australian Journal of Agricultural Research, v. 45, p. 784-793, 1994.

Cardellino, R.A., Campos, L.T., Cardoso, F.F. Interação Genótipo Ambiente nas raças Hereford e Aberdeen Angus: DEPs nos EUA e no Brasil. In: REUNIÃO ANUAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ZOOTECNIA, 34., 1997, Juiz de Fora, MG, Anais… Juiz de Fora: SBZ, 1997. p.190-192.

Cardoso, V., Queiroz, S.A., Fries, L.A. Predições de gerações avançadas da formação do Bradford ½ a partir de estimativas de efeitos genotípicos e de suas interações com latitude sobre características pré e pós desmama. Vsimpósio da Sociedade Brasileira de Melhoramento Animal. Pirassununga, Julho 2004.

Martin Nieto, L., Rosa, A.L. Interação genótipo x ambiente em gado de corte. Radares Técnicos – Melhoramento Genético – BeefPoint, 3/01/2003. beefpoint.com.br.

Mascioli, A. S. Interação genótipo x ambiente sobre o desempenho de animais Canchim e cruzados Canchim x Nelore. 2000. 99p. Tese (Doutorado em Zootecnia) – Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista, Jaboticabal, 2000.

Mercadante, MEZ., Figueiredo, L.A., Cyrillo, J.N.S.G, Packer, I.U., Trovo, J.B., Avaliação de touros da raça Caracu segundo o desempenho aos 378 dias das progênies em 2 sexos/ambientes distintos. Anais da XXXVII Reunião Anual da SBZ. Porto Alegre, Julho 2000.

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1Ana Carolina Espasandin é doutoranda pela FCAV-UNESP/Jaboticabal e professora de Melhoramento Animal do Depto. Prod. An. y Pasturas – Fac. Agronomía – Universidad de la República Oriental del Uruguay

0 Comments

  1. Danilo F. Martins disse:

    Parabéns Ana Carolina, excelente artigo.

    Através do seu maravilhoso artigo podemos concluir que são nos pequenos detalhes do processo de produção, associado aos critérios de seleção condizentes com o nosso sistema de exploração é que podemos identificar os ”verdadeiros” indivíduos melhoradores para produção do boi de capim, indivíduos estes que atendam aos anseios de uma pecuária competitiva que tem como vocação a produção da carne verde.

  2. Miguel da Rocha Cavalcanti disse:

    Danilo,

    Muito obrigada pelos seus comentários. Fico muito satisfeita em saber que a mensagem que pretendemos transmitir chega até você de forma clara.

    A intenção é levar informações geradas na pesquisa, até o produtor e o técnico, que no fim são os consumidores finais das ferramentas geradas.

    Agradeço também pela sua participação, pois a interação entre quem demanda e quem oferece informação nos ajuda a levar até vocês conceitos úteis à prática.

    Atenciosamente,

    Ana Carolina Espasandin

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