EUA: Tyson Foods introduz novos cortes de carne bovina
16 de abril de 2003
Carne de alta qualidade encontra mercado em expansão
22 de abril de 2003

L’affaire Buffalo Grill

À beira das auto estradas francesas é comum vermos os restaurantes da rede Buffalo-Grill, com um grande teto vermelho e a marca Buffalo-Grill escrita em letras brancas. Uma propaganda simples, mas terrivelmente eficaz.

A rede de restaurantes Buffallo-Grill começou em 1980 com a abertura do primeiro deles um pouco ao sul de Paris. Seu criador, um empresário auto-didata chamado Christian Picart importou para a França o conceito dos steak-houses que conheceu nos Estados Unidos. Um restaurante familiar, na beira da estrada, com estacionamento, decoração típica e onde se pode comer um bom bife grelhado sem pagar muito caro.

Em 1983, o gigantesco Grupo Total compra 45% da Buffalo-Grill, o que permite a abertura de quase 15 novos restaurantes por ano. Em 98, Picart compra sua parte de volta à Total por cerca de 45 milhões de euros, uma compra que será financiada um ano mais tarde quando 12% do capital da empresa é posto no mercado de ações.

A rede já conta com 100 restaurantes próprios. Começam então as franquias (os franqueados são próprios funcionários da empresa) que permitem ao grupo atingir a marca de 260 restaurantes, sendo 7 na Espanha, 3 na Bélgica,1 na Suíça e 1 em Luxemburgo. A Itália e a Alemanha já estão nos planos de Buffallo-Grill que quer se tornar a “steak house” número 1 da Europa.

A arma secreta da rede é a empresa Districoupe, criada por Buffalo-Grill em 1994 para comprar, preparar e fornecer carnes aos próprios restaurantes. Districoupe é hoje a maior importadora de carne brasileira na França. A empresa compra também carne argentina e uruguaia e de origem européia.

A encrenca começa com duas mortes, há dois anos atrás. Laurence Duhamel e Arnaud Eboli morreram respectivamente em 2000 e 2001 da nova variante da doença de Creutzfeldt-Jakob, ou a forma humana da encefalopatia espongiforme bovina, também conhecida como o mal da vaca louca.

Uma investigação sobre as formas de contaminação é posta em andamento pelas autoridades sanitárias francesas. Em dezembro passado a surpresa: quatro dirigentes do grupo Buffallo-Grill, incluindo o fundador Christian Picart são postos em prisão preventiva. As acusações: falsidade pela importação de carne britânica durante o embargo francês, por em perigo a vida alheia, pela venda dessa carne britânica, e a mais grave delas, o homicídio involuntário de Laurence Duhamel e Arnaud Eboli.

Logo após a declaração de prisão preventiva, começou uma tempestade da mídia em torno do caso que piorou a crise. Buffallo-Grill perdeu em um mês cerca de 3,5 milhões de euros em vendas, suas ações despencaram em 92% em questão de minutos e a frequência de seus restaurantes baixou em 40%.

Provavelmente o único erro dos dirigentes da empresa foi o de ter afirmado que Districoupe nunca havia importado carne da Grã-Bretanha mesmo antes do embargo francês às carnes dessa origem em 1996, o que descobriu-se depois não era de todo verdade. Vamos no entanto examinar as acusações formuladas:

1 – homicídio involuntário: embora saiba-se que os dois jovens falecidos comiam regularmente em restaurantes Buffallo-Grill, o tempo de incubação da doença, a falta de conhecimento científico sobre a transmissão do príon, e as taxas de contaminação tornam a acusação praticamente impossível a ser provada. Arnaud e Laurent começaram a apresentar sintomas da doença em 98, o que, dado o tempo médio de incubação da Creutzfeldt-Jakobs em seres humanos, indica que a contaminação teria ocorrido em 1988, quando absolutamente ninguém, nenhuma autoridade política, sanitária ou científica no mundo conhecia os riscos da transmissão da ESB ao homem.

2 – Falsidade: o crime aqui é a importação de carne de origem britânica durante o embargo decretado pelo governo francês em 1996. Soube-se que Districoupe teria efetivamente comprado carne inglesa antes de 1996, o que não é crime nenhum. Não há provas de que tenha havido importação após o embargo, apenas vagos testemunhos de ex-funcionários descontentes da empresa.

3 – Por em perigo a vida alheia: esta acusação quer dizer que a comercialização da carne inglesa poria em perigo a vida dos clientes dos restaurantes. A priori não se tem conhecimento de que o músculo bovino possa transmitir o príon da vaca louca. Somado à incertitude sobre as formas de contaminação e à falta de provas sobre a importação de carne britânica também esta acusação cai por terra.

Dada a fragilidade das provas, em janeiro Christian Picart pode sair da prisão para aguardar julgamento em liberdade. Outros dois membros da direção de Districoupe também foram colocados em liberdade enquanto um terceiro ainda aguarda o julgamento na prisão.

Buffallo-Grill é uma empresa conhecida por conseguir se reerguer com certa facilidade de crises. Foi assim durante as crises da vaca louca em 1996 e em 2001, e parece ser o caso agora. Após uma campanha de marketing de emergência estimada em mais de 1 milhão de euros, o consumo e a frequência dos restaurantes está voltando ao normal. Melhor ainda, a empresa continua comprando carne brasileira.

Lições a serem tiradas?

Primeira: A paranóia da segurança alimentar na França e na Europa chegou a tal ponto depois de sucessivas crises que mesmo uma corte de Justiça pode ser levada, pelo sim, pelo não, a condenar toda uma empresa (com 6.700 funcionários) mesmo sem provas coerentes.

Daí vêm as exigências em rastreabilidade para toda a cadeia da carne, mesmo a importada. Se não levarmos a rastreabilidade a sério correremos em breve o risco de vermos nossos embarque para a Europa bloqueados.

Segunda: Clareza e transparência de informações ao consumidor. Buffalo-Grill nunca se preocupou em divulgar seus avanços em rastreabilidade e em segurança alimentar. Na hora da crise, uma mega operação de marketing de imagem e de comunicação teve que ser montada às pressas. Comunicados de imprensa, cartazes, propaganda em jornal e um site internet especial para a crise. A internet passa a ter um papel importante como meio de comunicação. O exemplo já vinha de empresas como Air France (depois do acidente com o Concorde), da Shell (quando em 95 afundou a plataforma Brent Sparr), Total Fina (naufrágio do petroleiro Erika). Artigos de jornais, declarações da direção da empresa e mensagens de apoio são divulgadas no site de crise, que aparece automaticamente quando se acessa o site da empresa www.buffalo-grill.fr

É também com clareza de informações que se combate a leviandade da imprensa, que como se sabe em muitos casos ignora o aval científico para valorizar o sensacionalismo.

Buffalo-Grill é uma empresa de sucesso, que conseguiu um crescimento invejável em poucos anos, e que agora se encontra no furacão de uma crise sem motivos.

Seus diretores são também grandes admiradores do Brasil e da carne brasileira. Em um país tradicionalista e protecionista como a França, um restaurante de estilo americano que serve carne importada (o que é anunciado já na porta dos restaurantes) chama a atenção, mais do que o normal e até gera inimigos. Este último mês de abril, três de seus restaurantes sofreram incêndios criminais, ainda não esclarecidos.

Nos resta esperar que a crise passe e que a empresa se recupere, afinal é uma grande oportunidade de mostrarmos aos europeus o sabor da nossa carne.

Os comentários estão encerrados.