Brigou-se muito e no final não deu em nada. Será?
A briga foi feia mesmo em Cancún, balneário mexicano palco da 5a Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio. Aliás duas brigas. A primeira dentro da Conferência entre o Norte rico (EUA, Japão e Europa) e o Sul pobre (América Latina, Africa, Sudeste Asiático). A segunda briga foi entre a OMC e os militantes anti-globalização, acampados do lado de fora do Centro de Convenções onde se desenrolavam as negociações.
A reunião de Cancún fazia parte da Agenda decidida na reunião da OMC em Doha no ano passado. O nó da Conferência eram as negociações do espinhoso dossier agrícola, o principal motivo de discórdia entre os países do Norte e do Sul.
Para simplificar: Europa, Estados Unidos e Japão querem preservar seus mecanismos de ajudas diretas à produção, protecionismo à importação e subsídios à exportação. Diplomatas europeus e americanos chegaram a elaborar uma proposta conjunta a ser apresentada a OMC onde se comprometiam a reduzir barreiras à importação e subsídios à exportação para uma certa lista de produtos (não todos) sem no entanto estabelecerem prazos ou metas de redução.
Os países em desenvolvimento, liderados pelo Brasil, contra atacaram e se uniram no chamado G21 para barrar a frente Norte. Deu certo. O texto apresentado pela OMC, que segundo críticos era um “copiar-colar” do texto euro-americano foi rejeitado na reunião que deveria trabalhar outra proposta. No final não foi resolvido nada, também por outros motivos que não a agricultura, e outra reunião deverá ser marcada para continuarem as discussões.
No entanto é preciso ver o lado bom. Algumas lições muito interessantes podem ser tiradas do fiasco de Cancún:
1. Os países em desenvolvimento podem sim ser um grupo de pressão muito mais poderoso do que se imagina. Mesmo costurada às pressas, a aliança elaborada e liderada por Brasil, Índia, África do Sul e China foi suficientemente forte para rejeitar a proposta de Estados Unidos e Europa para a agricultura. Estes países em desenvolvimento deixaram de ser vítimas para se tornarem gigantes econômicos. Não duvidem, eles precisam tanto de nós como precisamos deles. Pequenos países em desenvolvimento acabaram aderindo à aliança, pois além de defenderem as mesmas causas obviamente ganham um poder de negociação muito maior. Espera-se agora, com essa “pausa” pós-Cancún que negociações bilaterais entre países ou blocos ganhem força e sejam privilegiadas em detrimento do multilateralismo. Esperamos que a diplomacia brasileira continue com a mesma disposição e habilidade para que possamos negociar de igual para igual com os EUA em relação à ALCA.
2. Enquanto James Wolfensohn, presidente do Banco Mundial afirma que um acordo sobre a redução de barreiras comerciais poderia tirar 140 milhões de pessoas da miséria, EUA, Europa e Japão continuam batendo o pé em uma atitude ignorante e egoísta que atrasa o desenvolvimento do planeta. Você acha que eles não sabem disso? Vários intelectuais, ativistas e políticos nesses países têm se pronunciado em favor da causa dos países em desenvolvimento. Até a própria imprensa européia e americana está reconhecendo que a causa dos pobres é também a deles. O editorial do New York Times de 10/09, por exemplo, diz que os EUA deveriam se juntar à nossa causa, e não à dos europeus. Eles estão descobrindo afinal que a pobreza é o verdadeiro berço do terrorismo.
3. Os militantes anti-globalização apesar de seus motivos mais que justos erram de solução ao combaterem a OMC. Apesar do revés sofrido em Cancún, a OMC não deve ser abandonada. A Organização continua sendo o fórum mais apropriado para se negociações multilaterais, muito mais vantajosas para os países em desenvolvimento. Sem ela, países como o Equador ou Mali estariam negociando seus direitos alfandegários diretamente com gigantes como Estados Unidos e Europa, e obviamente fadados ao fracasso. É claro que reformas que tornem o consenso nas negociações mais fácil são necessárias, mas não há nenhuma razão para desejarmos o fracasso da OMC.
A grande lição mesmo de Cancún é que mesmo esperneando os países desenvolvidos terão que ceder um dia. Primeiro porque descobrimos que temos força suficiente para enfrentá-los, e segundo porque eles já estão percebendo que o comércio é a melhor ferramenta para acabar com o abismo que separa pobres de ricos.
Afinal as alternativas que teremos são: uma, a ajuda humanitária (que ajuda, mas não resolve), e a outra a pior de todas: guerra (para os ricos) e terrorismo (para os pobres).