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Mas, afinal, quanto pesa a alta dos adubos na inflação dos alimentos?

A forte alta dos preços dos adubos, sobretudo após o início da guerra na Ucrânia, no fim de fevereiro, aumentou a popularidade dos insumos agrícolas nos centros urbanos. Desde então, tornou-se comum conversar sobre fertilizantes em bares, restaurantes ou corredores de supermercados. E essa maior curiosidade sobre um insumo que é aplicado em larga escala na agricultura – em grãos, legumes ou frutas – inspirou especialistas a refletir a respeito do impacto do aumento de preços desses nutrientes na forte inflação dos alimentos neste ano.

O reflexo direto, lembram, é no campo, já que os preços dos alimentos na ponta da cadeia carregam consigo a influência de muitos outros elementos. Ou seja: o “efeito adubo” nas gôndolas é desconhecido, ao menos por ora. “Há um efeito diluído [da alta do adubo] ao longo das cadeias do agro, mas o produtor já absorveu o aumento de preços em seu custo”, afirma Tatiana Nogueira, economista da XP. Outros fatores são determinantes na formação dos preços agrícolas, como o clima e os quadros nacionais e internacional de oferta e demanda, que envolvem questões como a guerra ou as travas indianas às exportações.

Nas fazendas, a valorização dos adubos apertou margens, mas ainda não parece ter afetado a produtividade, palavra-chave para os ganhos no agro. Mesmo que mais cara, a atual safra de grãos (2022/23) deverá superar 300 milhões de toneladas pela primeira vez, com bons indicativos para soja, milho e algodão, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Os preços de macronutrientes usados em fórmulas de adubos chegaram a quintuplicar desde 2020, e, entre março e abril deste ano, alcançaram picos históricos, ultrapassando US$ 1 mil a tonelada (preço no porto no Brasil). Mesmo com recuos desde então, o patamar atual ainda é elevado se comparado ao dos anos anteriores à pandemia.

Com isso, o gasto com adubo para produzir soja na safra 2022/23, cujo cultivo começou neste mês, poderá chegar a R$ 2,5 mil por hectare, em média, no importante polo agrícola de Sorriso (MT), quase duas vezes mais que no ciclo passado. O valor equivale a 53% do custo operacional total, segundo uma projeção da consultoria Markestrat apresentada por Valter Casarin, coordenador científico da Nutrientes para a Vida (NPV), em um evento realizado em São Paulo na semana passada – a influência dos fertilizantes na economia brasileira norteou parte do debate.

Na safrinha de milho, que será semeada na esteira da soja a partir do início de 2023, a projeção de gastos com adubo aponta para R$ 1,4 mil também em Sorriso, ou 41% do custo operacional. Em 2021/22, foram R$ 763 (ver infográfico). “O milho cultivado após a soja utiliza parte dos resíduos da oleaginosa que foi colhida. Ainda assim, o patamar de custos é também elevado para o cereal”, afirmou Casarin.

Com o arrefecimento dos preços dos fertilizantes, a relação de troca vem melhorando desde meados do ano para as principais culturas, segundo dados da consultoria MacroSector, mas ainda está desfavorável na comparação com 2021. Na soja, o produtor “desembolsa” 26,8 sacas de 60 quilos para comprar uma tonelada de adubo. Em abril, eram 28,7 sacas, mas há um ano, 22,4.

O efeito dessas oscilações no prato do brasileiro muitas vezes é um mistério, e a curiosidade cresce em anos de forte alta dos alimentos, como 2022. Os preços desse grupo estão em baixa neste mês pela primeira vez desde julho de 2020. O IPCA-15 indica recuo de 0,47% em setembro, conforme divulgou o Instituto Brasileiro de Economia e Estatística (IBGE). No ano, a alta dos alimentos é de quase 13%.

Para a XP, a inflação dos alimentos em 2022 deve se aproximar de 10%, e a previsão é de alta de 3,5% em 2023, diz Tatiana – com quebra “heterogênea” entre as cadeias. “Vemos proteínas animais recuando, incluindo lácteos, enquanto os grãos podem seguir com variação positiva”.

Carlos Herédia, consultor de negócios em suprimentos e fertilizantes, assim como outros participantes do encontro da NPV, desconhece um estudo especifico sobre o impacto da alta do adubo nas gôndolas do varejo, mas afirma que, “conceitualmente”, a relação não é direta. “Estamos dentro de cadeias de commodities, e cada uma tem os seus fatores para determinar preços”, reforça.

Outros especialistas consultados pelo Valor concordam. “É que o agronegócio não forma preços como a cadeia de serviços”, resume Felippe Serigati, professor do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getulio Vargas (FGV Agro). “Se o dono de uma escola reajusta o salário dos professores, há reflexo no boleto seguinte [para o tomador do serviço]. No agro não é assim”.

O setor opera com base em oferta e demanda, e cada cadeia – de grãos e de proteínas – é influenciada por variáveis diferentes, observa o pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), Mauro Osaki. A guerra na Ucrânia, cita, envolve importantes fornecedores de trigo para o mundo, e o risco de escassez foi um fator que afetou os preços dos grãos em geral em 2022. “O agro não é um universo onde os produtores simplesmente repassam a alta [dos custos] para a ponta”, continua.

Segundo Serigati, haveria um efeito direto se os adubos continuassem caros a ponto de o agricultor reduzir a aplicação de forma a prejudicar o rendimento da lavoura. “Mas, ainda assim, há outras variáveis: ele poderia aplicar menos adubo porque está caro, mas chover na hora certa ajuda muito a produtividade”.

E, na prática, o produtor rural brasileiro não deixou de usar fertilizantes em 2022 – pelo menos não o suficiente para afetar a produtividade geral. A demanda por adubos deve cair, como projetaram consultorias, entre 2% e 10%, realça Herédia, que é consultor da Anda, associação que reúne indústrias fornecedoras de adubos. Recentemente, a StoneX indicou queda de 7% nas entregas neste ano em relação ao volume de 2021, de 46 milhões de toneladas.

Fonte: Valor Econômico.

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