Nos últimos anos a pecuária de corte brasileira tem se sustentado, principalmente, sobre o bom desempenho das exportações.
De 1997 a 2003 o volume exportado de carne bovina saltou de 287,16 mil toneladas, em equivalente carcaça, para 1.263,51 mil toneladas, aumento de 340%. No mesmo período, o consumo interno, de acordo com estimativas da Scot Consultoria, com base em dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), passou de 37 para 34,5 kg per capita, retração de 7%.
Fácil concluir que os ótimos resultados colhidos no mercado internacional foram os principais responsáveis pela sustentação dos preços domésticos, conforme pode ser observado na figura 1, através dos preços pagos pela arroba do boi gordo.
Figura 1. Cotação da arroba do boi gordo paulista em R$ deflacionados pelo IGP-DI
Preços firmes, porém o produtor poderia colher resultados melhores se houvesse repasse na mesma proporção. Como já foi abordado no artigo “Política cambial e sua influência na formação de preços da arroba bovina“, de autoria do engenheiro agrônomo Alcides Torres, de 1998 a 2003 o faturamento com as exportações aumentou, em reais, 600%, enquanto a cotação média da arroba do boi gordo paulista reagiu apenas 100%.
Na análise semanal do dia 7 deste mês, esse assunto voltou a ser abordado, mas de outra forma.
Em 2004, o preço médio da tonelada equivalente carcaça carne bovina in natura exportada passou de R$3.852,89, em janeiro, para 5.346,79 em junho, alta de 39%, enquanto a cotação da arroba do boi gordo paulista rastreado subiu somente 15%.
Alguns fatores explicam essa desproporção. Primeiro, os frigoríficos trabalham com matérias-primas despadronizadas (tem boi inteiro, capão, cruzado, nelore, mestiço, novo, velho…) e sem uma constância de fornecimento (safra e entressafra). Não têm segurança no que compram, portanto, procuram trabalhar com os preços mais baixos possíveis.
Depois, arcam com custos elevados de transporte, em função dos conhecidos problemas de logística, além das taxas e barreiras fiscais que têm de transpor para entrar com a carne brasileira em alguns países.
Outro fator importante é a concentração das exportações, que dificulta muito a distribuição dos ganhos pela cadeia. Estima-se que existam cerca de 1.000 frigoríficos no país, dos quais 350 possuem o aval da inspeção federal (SIF). Contudo, apenas 17 respondem por cerca de 98% do faturamento obtido com as exportações. Ainda tem mais. Aproximadamente 60% disso tudo está nas mãos de 5 grandes grupos.
Agora, o gargalo mesmo ainda é esse: mais de 80% da carne bovina aqui produzida se destina a abastecer o mercado interno. Então, não tem muito para onde correr. Apesar dos avanços e das conquistas internacionais, é aqui dentro que “a coisa pega”.
O Brasil é hoje o terceiro maior mercado mundial para a carne bovina. Consumiu, em 2003, segundo estimativas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), cerca de 6,54 milhões de toneladas em equivalente carcaça. Ficou atrás apenas dos Estados Unidos, com 12,47 milhões de toneladas, e União Européia, com 7,41 milhões de toneladas.
Em termos de consumo per capita perde para poucos, como Estados Unidos (41,9kg), Uruguai (56kg), Argentina (61,8kg), e Austrália (37,5kg). Segundo a FAO, órgão das Nações Unidas responsável pela alimentação e agricultura, o consumo médio mundial de carne bovina é 9,7 kg per capita, portanto, os 34,5 kg brasileiros estão 256% acima da média mundial.
Ainda assim, o mercado doméstico tem potencial para crescer mais. O problema é que esse crescimento está intrinsecamente relacionado a uma melhor distribuição de renda.
O fato fica claro quando se observa que em algumas regiões pobres do Nordeste, o consumo per capita de carne bovina não chega a 10 kg, mas supera os 50 kg em alguns pontos das regiões Sul e Sudeste.
Em 2003, o PIB negativo, o aumento do desemprego e a queda do rendimento médio da população brasileira afastaram o consumidor das gôndolas dos supermercados. Nem a carne de frango, que vinha ganhando espaço a galope, escapou dos problemas gerados pelo orçamento apertado.
Mas os primeiros sinais de mudança estão aí. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o PIB brasileiro cresceu 1,6% ao longo do primeiro trimestre de 2004. De acordo com a fundação Seade/Dieese, na região metropolitana de São Paulo o número de postos de trabalho com carteira assinada no setor industrial aumentou 3,6% em maio.
Na grande São Paulo, a taxa de desemprego caiu para 19,7%, ante os 20,6% de abril de 2003, mês considerado o fundo do poço. Entre janeiro e maio deste ano o salário real médio cresceu 7,6% quando comprado ao mesmo período de 2003.
São conquistas ainda tímidas, porém que já vêm alcançando resultados positivos. Segundo dados da consultoria ACNielsen, publicados no jornal Valor, o mercado brasileiro de carnes preparadas, por exemplo, aumentou 18,2% no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2003, alcançando 52 mil toneladas.
No caso de industrializados de carnes, para os quais há dados disponíveis até abril, o aumento foi de 8,6% em relação aos quatro primeiros meses do ano passado, chegando a 216 mil toneladas.
Conta rápida: um aumento de apenas 2% no consumo per capita brasileiro, algo próximo a 0,7 kg, geraria uma demanda anual de 120 mil toneladas. Diante do avanço das exportações, os frigoríficos teriam de suar a camisa para atender mercado interno e externo.
Se os pedidos aumentam, a procura por matéria-prima também aumenta, favorecendo a valorização da arroba. Agora, é torcer para que a economia brasileira realmente esteja atravessando um período de crescimento sustentado.
Esse negócio de melhorar num ano e piorar no outro de nada adianta. De “efeito sanfona”, já chega aquele que o produtor tem de enfrentar no campo.