Com o Brasil ainda vulnerável a uma nova crise que prejudique mais a credibilidade do sistema de inspeção sanitária e as exportações de carnes do país, o governo deverá editar nos próximos meses uma Medida Provisória para tentar blindar o segmento de novas barreiras comerciais.
As mudanças previstas não são mais tão amplas como o Ministério da Agricultura sinalizou depois da Operação Carne Fraca, deflagrada no ano passado pela Polícia Federal com foco em casos de corrupção entre fiscais agropecuários e funcionários de frigoríficos. Mas um dos problemas identificados posteriormente, envolvendo a remuneração dos fiscais, tende a ser minimizado.
Para evitar os “mensalinhos” pagos por frigoríficos a fiscais para compensar a proibição de pagamento de horas-extras definida pelo governo na década de 1990 – revelados na delação premiada de Wesley Batista, um dos controladores da JBS -, a MP determina a volta oficial da complementação para quem extrapolar a carga de 40 horas semanais.
Segundo o texto da MP, ao qual o Valor teve acesso, o Ministério da Agricultura pagará, com orçamento próprio, R$ 280 para cada fiscal que fizer quatro horas adicionais (44 horas semanais no total) e R$ 600 ao que trabalhar oito horas a mais (48 horas semanais), o máximo permitido. Atualmente, o salário dos auditores varia de R$ 14.584,71 a R$ 20.346,24, conforme dados do Ministério do Planejamento.
Pela MP, o valor da indenização que será paga aos fiscais agropecuários será isento de Imposto de Renda e contribuição previdenciária, não será incorporado à remuneração do servidor e não poderá ser utilizado como base de cálculo para outras vantagens (aposentadoria ou pensão por morte).
O pagamento só será feito aos auditores que atuam em indústrias de alimentos de origem animal, como os frigoríficos. Segundo a delação de Wesley, a JBS reforçou durante anos os vencimentos de mais de 200 fiscais que atuavam em unidades de produção do grupo para que eles dobrassem turnos ou trabalhassem em feriados e fins de semana. O empresário garantiu, em sua delação, que a qualidades dos produtos não era comprometida pela prática.
Considerada necessária, tendo em vista o crescimento da produção e das exportações brasileiras de carne bovina neste milênio, a volta das horas- extras nem de longe é considerada suficiente para evitar problemas, como já criticam especialistas que esperavam uma reestruturação profunda da Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA) do ministério.
Apresentada pelo ministro Blairo Maggi, a reestruturação planejada previa que a SDA fosse transformada em uma “superagência” com autonomia administrativa e financeira, nos moldes do que acontece com a Receita Federal. O projeto esbarrou na resistência dos fiscais, que temiam uma terceirização em massa de seus serviços, e o governo, com isso, tornou-se menos ambicioso.
Com receio de que a lista de fiscais que recebiam “mensalinhos” da JBS seja revelada, o Ministério da Agricultura decidiu atacar com a MP o problema emergencial da falta de fiscais, já que eles provavelmente teriam que ser afastados de suas funções para explicar o que acontecia, afirma uma fonte.
O Valor apurou que o governo acredita que a lista de Wesley, entregue à Procuradoria-Geral da República (PGR) no início deste ano – e já nas mãos do Ministério Público -, poderá desencadear uma avalanche de embargos comerciais às carnes brasileiras.
Se para o curto prazo a MP buscará resolver o problema das horas-extras, no médio tentará efetivamente fortalecer a fiscalização. Nesse horizonte, o texto prevê a cobrança de duas taxas – uma de fiscalização, a ser cobrada anualmente, e outra sobre serviços — e uma contribuição sobre a produção que seriam voltados para abastecer o Fundo de Desenvolvimento da Defesa Agropecuária.
Com os recursos obtidos das companhias fiscalizadas, o fundo financiará a contratação de empresas responsáveis por fornecer médicos veterinários da iniciativa privada para exercer a função de auxiliares de inspeção. A terceirização não valeria para atividades como abate de animais ou o fechamento de estabelecimentos irregulares, que continuariam sob a responsabilidade dos fiscais.
Fonte: Valor Econômico.