Neosporose: emergente causa de perdas reprodutivas em bovinos de corte

Por Alcina Vieira de Carvalho Neta1 e José Ribamar de Sousa Torres Júnior2

A Neosporose é causada pelo protozoário Neospora caninum, um parasito que tem como hospedeiro definitivo o cão, mas com importante atuação na infecção de bovinos, causando perdas embrionárias, abortamentos e, em menor frequência, quadros de alterações nervosas. Os abortos causados após a infecção de vacas gestantes dão a característica ao Neospora caninum de um dos principais agentes causadores de distúrbios da reprodução.

Até a descoberta do Neospora caninum por Dubey et al (1988) muitos abortos bovinos permaneceram sem diagnóstico por não estarem associados a outras causas reprodutivas até então conhecidas. Outro problema que retardou a descoberta foi a semelhança morfológica do agente como outros parasitos como Toxoplasma gondi e Hammondia hammondi, diferenciados ultra-estruturalmente. Após a descrição do primeiro caso, a neosporose vem se disseminando rapidamente nos rebanhos bovinos e atualmente evidências indicam a presença da doença em todos os continentes.

A infecção pelo Neospora caninum se dá através da ingestão de fezes de cães infectados ou por uma via considerada importante, a transmissão vertical. A transmissão vertical ou congênita, por sua vez, assume relevante papel na manutenção da infecção, pois bezerros/novilhas infectados podem ser clinicamente normais, que não abortam ou abortam eventualmente, contudo são portadores persistentes e capazes de passar a infecção para próxima geração por via transplacentária.

A ocorrência da neosporose pode variar com o tipo de exploração, manejo do rebanho e a presença de hospedeiros definitivos (Sartor et al, 2005). No Brasil a prevalência da infecção nos rebanhos de corte tem se tornado equivalente como mostram os levantamentos feitos em Avaré-SP que constataram prevalências de 15,9% (Sartor at al., 2003) e 15,5% (Hasegawa, 2000) nos rebanhos de leite e de corte respectivamente, ou até mesmo, prevalências superiores como as ocorridas no rebanho de corte dos estados do Paraná e Mato Grosso em relação aos bovinos de leite da mesma região (Ragozo et al, 2003).

A importância da identificação e controle da neosporose nos rebanhos é justificada pelos elevados prejuízos por ela causados. Embora o rebanho leiteiro tenha recebido maiores cuidados no que diz respeito ao diagnóstico e controle da neosporose, ela vem ganhando maior destaque na pecuária de corte pelas perdas estimadas entre US$ 15 e US$ 24 milhões por ano (Kasari et al., 1999).

Perdas reprodutivas

A neosporose pode causar abortos esporádicos, endêmicos ou epidêmicos, sendo o risco de aborto maior em animais mais velhos ou ainda após a fase inicial de infecção. Tal risco parece ser mais alto durante a primeira gestação do que nas subseqüentes, mas outros fatores, como doenças concomitantes, estresse e tempo de exposição podem também ser importantes no processo devido à diminuição da resistência à infecção. A soropositividade nos testes diagnósticos como Imunofluorescência indireta e ELISA é outro fator indicativo de risco de aborto. Novilhas que adquiriram a infecção materna, quando soropositivas, apresentam risco de aborto três vezes maior que novilhas soronegativas. Diferentemente das novilhas leiteiras, novilhas de corte podem não manifestar abortos subseqüentes, no entanto, podem apresentar outras manifestações de alterações reprodutivas como infertilidade.

Redução no ganho de peso

Estudos recentes demonstraram que novilhas e bezerros soropositivos para Neospora caninum apresentaram significativa perda no ganho de peso, cerca de 0,05 kg/dia o que resultou em uma perda de peso ao abate em torno de 7,5 kg. Diferenças significativas também foram observadas na conversão alimentar, animais soropositivos precisaram consumir 2,2 kg a mais de matéria seca para o ganho de cada 1,0 kg de peso vivo quando comparados a animais soronegativos, o que demonstra a diminuição da eficiência na conversão alimentar determinada pela neosporose.

Impacto econômico

A importância econômica da neosporose era discutida apenas nos rebanhos leiteiros, no entanto devido às perdas causadas na bovinocultura de corte, tem-se debatido o impacto da presença da doença no rebanho para que possam ser buscadas estratégias de controle.

Como já mencionadas, as principais conseqüências da infecção no rebanho são os abortos; morte embrionária com reabsorção, manifestada pela repetição de cios; aumento do tempo de concepção; infetilidade e diminuição no ganho de peso. Todas estas manifestações determinam uma redução direta da produção além do aumento de custos ao produtor, relacionados com diagnóstico, serviço veterinário e medicação.

Um estudo realizado no Canadá estimou um custo aproximado de US$ 2.304 por ano por animal. Outro estudo semelhante realizado na Califórnia (EUA), que considerou apenas custos relacionados a possíveis abortos, estimou a perda de US$ 35 milhões no estado. No Texas (EUA), após a introdução da neosporose, as perdas estimadas da indústria de carne aumentaram de 15 para 24 milhões de dólares nos rebanhos infectados.

Todos estes exemplos evidenciam a necessidade de não se negligenciar a neosporose, uma doença que, embora emergente e ainda pouco conhecida, já figura com relevante impacto econômico para a pecuária de corte.

Prevenção e controle

Uma das melhores formas de controlar a introdução da infecção no rebanho é realização de testes diagnósticos e atestados negativo da doença em animais provenientes de outras propriedades. Também como alternativas de controle são sugeridas algumas práticas de manejo relacionadas à interrupção do ciclo de transmissão.

Uma delas é evitar a interação de cães com o rebanho, a fim de prevenir a contaminação fecal de água, pastagem, recomenda-se o isolamento dos galpões de armazenagem de sal mineral, ração e/ou silagem, pois, muitos relatos demonstram elevadas correlações de abortos, causados pelo Neospora caninum, com contaminação destes produtos.

Outra alternativa de controle baseia-se na prevenção da aquisição da infecção pelos cães. Existem fortes evidências de que cães tornam-se infectados através do consumo de carcaças bovinas infectadas pelo Neospora caninum, portanto o acesso de cães a produtos de secreção, fetos abortados ou bovinos mortos por quaisquer causas, não deve ser permitido.

O estabelecimento de um programa de monitoramento efetivo para confirmação da ausência do Neospora caninum é recomendado. Este programa deve incluir testes sorológicos, de todas as vacas que abortaram e exames histopatológico e imunoistoquímico de tecidos fetais e placentários para confirmação da presença do parasito.

Nas propriedades onde já foi diagnosticada a infecção o monitoramento deve ser realizado no sentido de prevenir abortos e minimizar os riscos de transmissão vertical e horizontal. Com estas medidas a prevalência da infecção pode ser reduzida em longo prazo.

Outro método a ser considerado como importante para preservar a exploração genética de animais infectados é a transferência de embriões, visto que a infecção vertical é a via mais comum de transmissão.

Como profilaxia já são disponíveis vacinas comerciais em muitos países inclusive no Brasil que garantem conferir proteção contra abortos causados por Neospora caninum. Estas vacinas embora tragam discussões sobre sua eficácia e custo-benefício devem ser mencionadas como estratégia de controle.

Referências bibliográficas

DUBEY J.P., CARPENTER, J.L., SPEER, C.A., TOPPER, M.J., UGGLA, A. Newly recognized fatal protozoan disease of dogs. J. Am Vet. Med. Assoc. v. 192, p. 1269-1285, 1988.

HASEGAWA, M.Y. Soroprevalência de anticorpos contra Neospora caninum em bovinos de corte e em cães rurais da região de Avaré-SP. Dissertação de mestrado- Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, 2000.

KASARI, T.R., BARLING, K., McGRANN, J.M. Estimated production and economic losses from Neospora caninum infection in Texas beef herds. Bovine Pract., v. 33, p. 113-120, 1999.

RAGOZO, A.M.A, PAULA, V.S.O.,SOUZA, S.L.P., BERGAMASCHI, D.P., GENNARI, S.M. Ocorrência de anticorpos anti-Neospora caninum em soros bovinos procedentes de seis estados brasileiros. Rev. Bras. Parasitol. Vet., v.12, n. 1, p.33-37, 2003.

SARTOR, L.F., GARCIA FILHO, A., VIANNA, L.C., PITUCO, E.M., DAL PAI, V., SARTOR, R. Ocorrência de anticorpos anti-Neospora caninum em bovinos leiteiros e de corte da região de Presidente Prudente, SP. Arq. Inst. Biol, São Paulo, v. 72, n.4, p. 413-418, 2005.

(SARTOR, I.F., HASEGAWA, M.Y., CANAVESSI, A.M.O., PINCKNEY, R.D. Ocorrência de anticorpos de Neospora caninum em vacas leiteiras avaliados pelos métodos de ELISA e RIFI no município de Avaré, SP. Semina Ciências Agrárias, v. 24, p. 3-10, 2003.

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1Alcina Vieira de Carvalho Neta, médica veterinária, mestre em medicina veterinária preventiva, doutoranda em patologia animal com área de concentração em patologia das doenças infecciosas

2José Ribamar de Sousa Torres Júnior, médico veterinário, mestre em reprodução pela UFMG e doutorando da Reprodução Animal na USP.

1 Comment

  1. Murilo Vieira da Silva disse:

    Achei o artigo bastante interessante, principalmente a parte sobre redução no ganho de peso. Gostaria que saber a referência sobre este aspecto questionado no trabalho.

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