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Nutrição e Imunidade: balanço energético

Por Maria Sílvia Furquim de Azevedo Morgulis1

Há um antigo ditado em inglês que diz: “feed a cold; starve a fever” ou “alimente o resfriado, emagreça a febre”, mostrando a ligação entre nutrição e a função imune, ou a susceptibilidade a doenças. A imunidade, como qualquer outro processo fisiológico, necessita de energia em níveis adequados para sustentar seu funcionamento. Continuando o tema nutrição e imunidade, abordaremos a relação entre energia e resposta imune.

Os animais necessitam de quantidades relativamente fixas de energia para manter funções fisiológicas, no entanto, a energia não é fonte inesgotável. Reservas energéticas limitadas devem servir todos os processos fisiológicos e, assim, a energia deve ser direcionada para diversas funções. No entanto, existem variações sazonais e mesmo diárias tanto na disponibilidade como no gasto de energia.

Durante períodos de menor disponibilidade (p.ex. inverno), a energia precisa ser desviada de funções fisiológicas menos importantes no momento, como a reprodução, para outras mais envolvidas com a sobrevivência imediata, como a termorregulação, a manutenção da temperatura corporal. Assim, o organismo redireciona a energia para os processos mais importantes naquele determinado momento.


Uma questão importante é saber o quanto a resposta imune é energeticamente dispendiosa. Sabe-se que, para cada grau de aumento na temperatura corporal durante a febre, há aumento de 7 a 13% no consumo de oxigênio. Também se sabe que animais imunizados tiveram aumento de 20 a 30% no consumo de oxigênio e na produção de calor metabólico, quando comparados ao seu estado anterior à imunização. Ou seja, a resposta imunológica consome energia de forma significativa. Por isso os animais precisam estar em bom estado nutricional para responderem bem à vacinação.

O desvio de energia para a resposta imune pode ser uma faca de dois gumes, pois apesar de essencial para a manutenção da saúde e de aumentar a resistência às doenças, pode custar diminuição do desempenho, pois haverá menos energia disponível para, por exemplo, crescimento e reprodução. Isso pode ser ainda mais importante se a ativação do sistema imune for prolongada ou exagerada, como é o caso de doenças crônicas como a tuberculose. Devemos ressaltar, no entanto, que a energia gasta para desenvolver a resposta vacinal é menor do que aquela gasta para debelar uma infecção.

Quando não há energia suficiente para sustentar a resposta imune “ótima”, há maior risco de infecção e morte. Portanto, é necessário nível adequado de energia direcionado para a imunidade para manter o desempenho dos animais. Prefira gastar a energia dos animais para responder à vacina do que à doença. É mais econômico.

O organismo lança mão de diversos recursos para administrar o fluxo de energia entre os vários sistemas fisiológicos. A leptina, uma proteína com funções de hormônio e de citocina, é sintetizada pelas células de gordura (adipócitos). Está intimamente relacionada ao controle do fluxo de energia no organismo. Caindo na corrente circulatória, vai até o sistema nervoso central e controla a ingestão de alimento. Assim, se o animal está gordo, terá muitos adipócitos e conseqüentemente alta produção de leptina. A leptina, por sua vez, reduzirá a ingestão de alimentos e haverá controle da massa adiposa. Quando o animal emagrece, há diminuição na concentração plasmática de leptina e aumento na ingestão de alimentos.

No entanto, a leptina também é muito importante para o sistema imune (daí sua classificação como citocina). Ou seja, esse hormônio aumenta a ativação de neutrófilos, facilita a liberação de citocinas por macrófagos, e é importante na homeostasia do timo, entre outras funções, como pode ser visto na figura abaixo. Em termos práticos, quer dizer que o emagrecimento agudo pode resultar em diminuição nos níveis de leptina, supressão da resposta imune e aumento da susceptibilidade a infecções.


O fluxo de energia é particularmente importante para vacas leiteiras no período pós-parto, quando há balanço energético negativo. Ao iniciar a produção de leite, as vacas precisam de grande quantidade de energia. A ingestão de energia pelo alimento não é suficiente e, entre o parto e a terceira semana de lactação, aproximadamente 33% dela é mobilizada do tecido adiposo.

Para mostrar a importância da produção de leite no balanço energético negativo de vacas leiteiras, Block et al. (2001) avaliaram o efeito de ordenhar ou não as vacas mostrando que, na ausência da ordenha, o balanço energético é positivo e que os níveis plasmáticos de leptina dobram.

TABELA 1. Alterações em variáveis relacionadas à energia e nível de leptina após o parto em vacas leiteiras, ordenhadas (3 vezes ao dia) ou não.


Após o parto, as vacas foram ordenhadas 3 vezes ao dia (n=7), ou não ordenhadas (n=7). A diferença no escore corporal foi avaliada entre a 1ª semana e a 3ª semana pós-parto.

Os níveis de leptina após o parto são 50% daqueles observados durante a gestação. A queda nos níveis de leptina induz aumento da ingestão de alimento. No entanto, outros mecanismos devem estar envolvidos no aumento da ingestão de alimento, pois os níveis de leptina pós-parto continuam baixos mesmo após o re-estabelecimento do balanço energético positivo.

Sabendo da importância da leptina na resposta imune, podemos entender porque no início da lactação a imunidade está diminuída. É preciso que se re-estabeleçam os estoques de tecido adiposo novamente e que os níveis de leptina voltem ao normal, para evitar doenças infecciosas como mastites. Assim, o controle do escore corporal das vacas não apenas é importante para que estas voltem a entrar em cio. Também é necessário para controlar o estado imunológico dos animais.

Referências bibliográficas

DEMAS, G.E. The energetics of immunity: a neuroendocrine link between energy balance and immune function. Hormones and Behavior, v.45, p.173-180, 2004.

La CAVA, A.; MATARESE, G. The weight of leptin in immunity. Nature Reviews Immunology, v. 4, p.371-379, 2004.

BLOCK, S.S.; BUTLER, W.R.; EHRHARDT, R.A.; BELL, A.W.; VAN AMBURGH, M.E.; BOISCLAIR, Y.R. Decreased concentration of plasma leptin in periparturient dairy cows is caused by energy balance. Journal of Endocrinology, v. 171, p.339-348, 2001.

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1Maria Sílvia Furquim de Azevedo Morgulis, médica veterinária, formada pela FMVZ-USP em 1982, doutora em Patologia Experimental e Comparada pelo Departamento de Patologia, da FMVZ-USP. Pós-doutorado no mesmo departamento em Neuroimunomodulação: efeitos do estresse e de drogas de ação central sobre a resposta imune/inflamatória. Professora do mestrado da FACIS-IBEHE, na disciplina “Efeito placebo e neuroimunomodulação”. Pecuarista.

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