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Nutrição e imunidade em bovinos- parte 2

Por Maria Sílvia Furquim de Azevedo Morgulis1

Vimos anteriormente que a imunidade de bovinos é um tópico importante, dada a crescente exigência pela qualidade da carne e da necessidade de aumento da produtividade com redução do uso de substâncias químicas. Para o bom funcionamento da imunidade é necessária nutrição equilibrada e fornecimento, em níveis adequados, de diversos nutrientes. Para facilitar o entendimento, discutiremos separadamente a função de cada nutriente na imunidade de bovinos.

Diversos minerais têm atividade sobre a imunidade de bovinos. Falaremos hoje sobre alguns que despertam maior interesse como o Zinco e o Selênio. Também falaremos um pouco de minerais potencialmente tóxicos.

Zinco

O zinco é muito importante na fisiologia animal e a deficiência de zinco causa severa perda de apetite, o retardo no crescimento, piora o desempenho reprodutivo e leva ao aparecimento de lesões de pele. Esse mineral faz parte de diversas enzimas importantes na imunologia do animal. Entre elas, a superóxido dismutase (SOD), que destrói o radical livre ânion superóxido.

Radicais livres são substâncias altamente reativas. Durante a reação imunológica algumas células conhecidas como fagócitos (que fagocitam ou “englobam” as bactérias) liberam radicais livres para matar as bactérias englobadas. Mas essas substâncias podem ser perigosas para o próprio organismo do animal. Para sua proteção, o organismo produz enzimas para rapidamente destruir essas moléculas reativas para que elas não causem muitos danos. Durante a inflamação muito intensa há, por exemplo, produção de muito ânion superóxido e se não houver SOD em quantidade suficiente esse ânion é capaz de causar lesão nos tecidos do próprio animal. Não apenas o zinco, mas o selênio e outros minerais e a vitamina E agem de maneira semelhante, interferindo no controle dos radicais livres (agentes anti-oxidantes).

Muito tem sido falado recentemente sobre a importância do zinco para os bovinos, especialmente na desmama, ocasião em que os animais são submetidos a situações de estresse. Durante a desmama, o bezerro passa por diversas situações estressantes, como separação da mãe, mudança do grupo social, marcação a ferro, colocação de brinco e, durante esse período, recebe diversas vacinas. Já dissemos anteriormente que durante períodos de estresse são liberadas substâncias no organismo do animal que, dependendo da intensidade e duração do estímulo estressor, interferem negativamente sobre a imunidade, ou seja, o estresse é capaz de reduzir a eficiência do organismo no combate às infecções. A desmama é, portanto, um período crítico da vida do bovino. Conseqüentemente, seu sistema imune pode estar comprometido nesse período. A liberação de glicocorticóides (hormônios liberados em situações de estresse) diminui a concentração de Zinco no plasma e aumenta a concentração desse mineral no fígado.

Durante a infecção, as células do sistema imunológico liberam substâncias chamadas citocinas que alteram a distribuição de zinco no organismo. Na infecção por Escherichia coli, os níveis deste mineral diminuem no sangue e aumentam no fígado e no baço. Essa alteração no perfil de distribuição do zinco ainda é observada 7 dias após o início da infecção. Isso indica que esse mineral é importante na resposta imunológica apesar de não se saber ao certo de que forma. Na deficiência de zinco, ocorre o mau funcionamento do sistema imunológico com a atrofia do timo (órgão responsável pela produção de células imunes chamadas linfócitos T) e a diminuição na produção de anticorpos (resposta imunológica humoral).

Mas será que numa situação de deficiência de zinco a sensibilidade do sistema imunológico é maior que a de outros sistemas?

Animais alimentados com dietas deficientes em zinco ingerem menos alimento. Alguns autores acreditam que, na deficiência de zinco, o mau funcionamento do sistema imunológico seja secundário à perda de apetite. Ou melhor, quando falta zinco na dieta do animal, os primeiros sintomas observados são a perda de apetite, o retardo no crescimento e o aparecimento de lesões de pele. Só depois é que os animais mostram maior susceptibilidade às infecções. Apenas um único trabalho verificou que uma resposta imunológica (no caso dependente de linfócitos T) mostrou-se alterada antes do aparecimento da redução do apetite.

Outra pergunta importante a ser respondida é se em condições normais, ou seja, na ausência de deficiência, o sistema imunológico dos bovinos necessitaria de uma dose mais elevada do que as recomendadas pelas tabelas nutricionais desse mineral.

Selênio

O selênio é necessário para o crescimento e fertilidade prevenindo diversas doenças. É um dos primeiros minerais que se descobriu estarem envolvidos na resposta imunológica, já que células imunes (leucócitos) apresentam este mineral incorporado numa proteína, a glutationa peroxidase. Além disso, o selênio concentra-se em tecidos dos mamíferos envolvidos na resposta imunológica, como o baço, o fígado e os linfonodos. Mais de 30 proteínas do organismo contêm selênio.

Já dissemos antes que as células imunes produzem radicais livres importantes na destruição de bactérias, mas que, produzidos de forma exagerada e descontrolada, podem causar dano aos próprios tecidos do animal. Os radicais livres reagem com outras moléculas transformando-as em radicais livres, numa reação em cascata. A tabela abaixo mostra algumas das enzimas de controle. Além delas, o organismo utiliza outros removedores que auxiliam no controle dos radicais livres, como a vitamina E.

Existem várias vias de proteção ao dano por radicais livres. Assim, a chance da deficiência de Selênio provocar dano oxidativo depende do funcionamento de outras vias e da taxa de formação de radicais livre. A figura abaixo ilustra o efeito antioxidante de enzimas que contêm minerais e da vitamina E. Cada uma delas age em determinado local da célula, dentro, no citosol ou em organelas, ou então na membrana plasmática.


Figura 1. Formação de radicais livres e algumas enzimas responsáveis pela neutralização, em seus respectivos locais de ação (citosol, organelas, ou membrana plasmática).

A suplementação de selênio mostrou-se capaz de aumentar a expressão de receptores para citocinas importantes, melhorando respostas imunológicas dependentes de linfócitos T. O linfócito T é um componente fundamental no auxílio ao linfócito B na produção de anticorpos, moléculas importantes para neutralizar um determinado agente patogênico. A suplementação desse mineral também melhorou a resposta de células envolvidas no controle do câncer. E a deficiência de selênio aumenta a agregação plaquetária, ou seja, facilita a formação de coágulos, podendo levar a doenças coronarianas.

Observou-se que alguns vírus foram capazes de passar para uma forma mais virulenta quando acometiam animais deficientes em selênio, provavelmente devido a uma resposta do animal inadequada.

A suplementação deste mineral é benéfica no tratamento de inflamações e útil na proteção ao aparecimento do câncer.

Minerais Potencialmente Tóxicos

Alguns minerais não são essenciais ao organismo. Mais do que isso, são conhecidos pois em grandes quantidades causam toxicidade. O interessante é que apesar de não serem essenciais, em baixas concentrações, são capazes de melhorar a resposta imunológica. Como exemplo podemos citar o Chumbo e o Cádmio. Em estudos “in vitro” (tirando as células imunes dos animais e as mantendo em condições de laboratório), a exposição a baixas concentrações desses minerais estimulou a multiplicação de células do sistema imunológico. Teoricamente, a ingestão de suplementos dietéticos com baixas concentrações desses minerais poderia repetir esse efeito “in vivo” (dentro do animal) e se traduzir em melhor resistência dos animais às variadas infecções, melhorando a fertilidade e a longevidade dos animais em estudos de longa duração. Estudos devem ser feitos para comprovar se o que foi observado “in vitro” se repetirá “in vivo”. Afinal, citando o grande pesquisador Hugo Besedovsky, “in vivo” veritas. Uma alusão ao ditado latino: In vino veritas (no vinho, a verdade)

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1Maria Sílvia Furquim de Azevedo Morgulis, médica veterinária, formada pela FMVZ-USP em 1982, doutora em Patologia Experimental e Comparada pelo Departamento de Patologia, da FMVZ-USP. Pós-doutorado no mesmo departamento em Neuroimunomodulação: efeitos do estresse e de drogas de ação central sobre a resposta imune/inflamatória. Professora do mestrado da FACIS-IBEHE, na disciplina “Efeito placebo e neuroimunomodulação”. Pecuarista.

0 Comments

  1. luiz fernando coelho da cunha filho disse:

    Embora não saibamos exatamente como o zinco auxilia no aumento da resposta imunológicqa (provavelmente diminuindo a morte de neutrofilos por radicais livres), sobretudo na glândula mamária, o fato é que a adição de 5 g/vaca/dia diminui a CCS consideravelmente após 90 dias, além de proporcinar uma melhora nas lesões podais, tornando casco um pouco mais rígido (observação prática).

  2. Ronaldo Mendonça dos Santos disse:

    Com base nos comentários acima, é interessante na prática a adição de Zn no tratamento de algumas enfermidades, por exemplo, as dermatoses, pododermatites e surte efeitos benéficos na cura do animal tratado. Porém, há poucos trabalhos sobre esse mineral, Zn.