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O Brasil real e Copenhague

Alguém disse certa vez, com muita propriedade, que a guerra é um assunto sério demais para ficar a cargo apenas dos militares. O que isso certamente significa: a guerra é um processo não só complexo, mas abrangente, gerando consequências que afetam a vida econômica, social e política das nações. Querer reduzi-la aos aspectos militares é uma perigosa simplificação. Penso que o mesmo raciocínio se aplicaria hoje às tormentosas e polêmicas questões da defesa do meio ambiente. Também aqui me parece justo dizer que essas questões são sérias demais para serem deixadas a cargo apenas dos ambientalistas e suas organizações particulares ou governamentais.

Alguém disse certa vez, com muita propriedade, que a guerra é um assunto sério demais para ficar a cargo apenas dos militares. O que isso certamente significa: a guerra é um processo não só complexo, mas abrangente, gerando consequências que afetam a vida econômica, social e política das nações. Querer reduzi-la aos aspectos militares é uma perigosa simplificação.

Penso que o mesmo raciocínio se aplicaria hoje às tormentosas e polêmicas questões da defesa do meio ambiente. Também aqui me parece justo dizer que essas questões são sérias demais para serem deixadas a cargo apenas dos ambientalistas e suas organizações particulares ou governamentais.

Todos temos consciência de que o crescimento demográfico e o aumento generalizado da renda e do consumo das populações dos países pobres e dos emergentes, além dos hábitos de consumo extravagantes das classes afluentes em todo o mundo, estão a exercer pressão perigosa ou até crítica sobre os recursos naturais. Há também consciência de que é preciso abrandar essa pressão e reverter as tendências destrutivas das últimas décadas.

O Protocolo de Kyoto foi até agora pouco mais que um conjunto de generosas intenções e a nova Conferência de Copenhague parece prestes a ser vítima dos mesmos erros. A decisão de cortar ou reduzir emissões de carbono não é escolha trivial. Ao contrário, trata-se de dolorosa opção econômica que implica a substituição de energia abundante e barata por fontes alternativas muito mais caras e tecnologicamente ainda inseguras e incipientes.

Embora injusta, não queremos desobedecer à lei, mas mudá-la.

É inegável que uma forma de funcionamento da economia está sendo posta em questão e o preço da mudança recairá sobre todos, ricos, pobres e miseráveis. Trata-se, ainda, em alguns dos arranjos aventados, da contenção da expansão da produção de alimentos, justamente no momento em que a maior parte da população do mundo começa a ter pela primeira vez, desde o aparecimento do homem sobre a Terra, a oportunidade de se alimentar mais, melhor e com mais prazer.

São questões que precisam do equilíbrio, da abrangência de perspectivas e da capacidade de compromisso que só a política e as instituições da democracia representativa podem fornecer. Acontece que no âmbito do governo, sem nenhuma participação do Congresso, ou de outras instâncias, o Ministério do Meio Ambiente anuncia a redução de 40% de nossas emissões de carbono, afastando-se das cautelosas posições de nossos pares emergentes, como China e Índia, e ganhando em audácia até dos países ricos mais ecologicamente corretos.

É na esteira dessa frivolidade, pois é frivolidade ignorar o que isso significa em termos do interesse nacional, que o ministro, com os olhos voltados para Copenhague e desviados de nossa terra e de nosso povo, quer resolver a seu modo a grave questão que ameaça a nossa agricultura: a recomposição de cobertura original em parte substancial das áreas hoje em exploração produtiva.

Trata-se de exigência legal que não tem similar em nenhum país relevante do mundo e poderá causar redução de 20% a 30% da produção no campo. Além de injusta, uma vez que onera apenas um segmento econômico, em nome de um benefício que é coletivo, a lei é irrealista por lançar na ilegalidade milhões de produtores de alimentos, tornando-os criminosos ambientais.

Não queremos, no entanto, desobedecer à lei. Queremos, pelos processos previstos na nossa ordem constitucional, mudar a lei. Propomos abertamente a mudança do Código Florestal para dispensar os produtores da obrigação de recompor as áreas que exploram, com a exceção das áreas de proteção permanente – geralmente margens de cursos d”água – e outras áreas sensíveis.

Há quem chame isso de anistia. E nos acusa e condena por isso. Não há mal em que se chame essa providência tão razoável de anistia, porquanto nela estão incluídos uma grande maioria que agiu ao amparo da lei e outros que agiram com a condescendência geral do Estado. A anistia, o esquecimento ou o perdão por atos contrários à lei positiva, é praticada pelas sociedades desde os tempos mais remotos. Recorre-se à anistia sempre que o perdão é mais útil ou conveniente do que a punição.

As anistias quase nunca são um erro. São privilégio de sociedades maduras, civilizadas e que têm consciência de seus verdadeiros interesses. Portanto, se uma nova lei legalizar as áreas de produção rural, o que se deve perguntar é se essa é a melhor solução do ponto de vista do interesse coletivo. Ou se, ao contrário, seria melhor punir produtores de alimentos que se encontram desenquadrados em face da norma em vigor, mas que, de resto, são cidadãos corretos, produtivos e cumpridores da lei. Bons brasileiros, em suma.

O que estamos propondo não é um perdão puro e simples ou uma licença para desmatar. O que propomos é a consolidação das áreas de produção há longo tempo exploradas e incorporadas ao capital produtivo da Nação e, ao mesmo tempo, a reafirmação das normas de conservação e proteção florestal que vigorarão plenamente daqui para a frente, com o apoio de todos os agentes interessados. Isso é conservação com os olhos voltados para o futuro. O contrário disso é voltar o relógio da História e tentar recriar um ambiente natural que já não existe. O Brasil real não é uma paisagem cenográfica.

Usar o pretexto de Copenhague para evitar uma solução correta e razoável para esse contencioso é mais do que um erro. É uma triste demonstração de complexo de inferioridade, próprio de culturas colonizadas. Temos de resolver nossos conflitos com base em nossos interesses e nossas condições próprias, não para fazer boa figura em Copenhague. Acordos internacionais, infelizmente, por mais vistosos que sejam, não resolvem problemas. Políticas internas adequadas e que gozem do necessário consenso em cada país é que podem fazê-lo.

O artigo foi publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 09 de novembro de 2009

0 Comments

  1. Sérgio Marchió disse:

    Que lucidez, que mulher corajosa. Precisamos de mais politicos(as) deste naipe.
    Parabéns Sra. Katia, parabesns beefpoint.

  2. Enaldo Oliveira Carvalho disse:

    Parabéns à Senadora pelo brilhante artigo.
    Estamos passando por um momento histórico e delicado. Atualmente a nossa guerra está se passando nos gabinetes dos burocratas, nos foruns e conferências internacionais, esses tem sido nossos campos de batalha. Surpreendentemete nossos adversários têm conseguido através da luta ideológica minar nosso próprio terreno. A presença de ONG´s estrangeiras atuando livremente em nosso País, com a conivência dos governantes; a atitude de Ministros de Estado desmoralizando a classe produtora e acusando-a de vilã e responsável pelos problemas ambientais; a manipulação da opinião pública por parte dos meios de comunicações, que chega ao cúmulo de dizer que uma vaca polui mais que um automóvel, e lançam campanhas contra o consumo de carne e leite com a participação de artistas pop star. Sabemos que a luta é longa e desigual, mas só com organização do setor conseguiremos resistir e vencer esta guerra.

  3. Kenhiti Ikeda disse:

    Meus parabéns, Senadora Kátia Abreu. O seu artigo é bem ponderado, Gostaria que o Ministro Minc, também tenha esta postura ponderada, que saiba pesar os
    prós e contras. Os dois lados vão ter de ceder, para conseguir chegar ao consenso.
    A senhora chegou ao cerne da questão. O assunto é de tal importância, que não
    se pode deixar nas mão de apenas um ministro, ou quem quer que seja.
    Agora, o assunto Copenhague vai ser usado como palanque político, visando as
    eleições de 2010, o que é lastimável

  4. Marco Antonio Ribeiro Magalhães disse:

    Parabéns senadora Katia Abreu. Sua racionalidade incontestável, é o que mais incomoda a estes pseudos defensores da natureza. Quero ver eles explicarem um deabastececimento de alimentos no Brasil.
    Continue sempre. Estamos com você.
    Marcão.

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