Uma cisma arraigada entre analistas brasileiros é a de que a agricultura pesa pouco na economia do Brasil e, por isso, é irrelevante na criação de empregos.
Num ano como este, em que as safras agrícolas batem recordes e crescem mais de 20% em relação às do ano anterior, conforme as últimas estimativas do IBGE, não é para comemorar demais, pensam esses analistas, porque a capacidade do agronegócio de distribuir renda por meio de salários é baixa. A renda obtida, concluem eles, vai quase toda ela para a conta bancária de um punhado de aristocratas do agronegócio. Há 20 anos, o rei da soja era o também empreiteiro Olacyr de Moraes (do então grupo Constran); hoje é o pecuarista Blairo Maggi, por coincidência, atual ministro da Agricultura.
Mesmo se houvesse alguma verdade nessa avaliação, ela teria de ser devidamente dimensionada. O mais recente estudo sobre as proporções da mão de obra empregada no agronegócio é de julho de 2016 e foi realizado pela Confederação Nacional da Agricultura, com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) de 2014. A conclusão é a de que o agronegócio proporciona 32,7% dos postos de trabalho no Brasil, portanto emprega quase um terço da mão de obra, o que não é pouca coisa.
O conceito agronegócio é mais amplo do que o de agropecuária. Abrange também a indústria e os serviços mais diretamente ligados ao setor, incluídos aí, por exemplo, o sistema de produção de alimentos industrializados e o de celulose. Nesse sentido, nada menos que 14,5% das atividades de transporte e do comércio são diretamente dependentes do agronegócio.
O gráfico acima mostra que dos 13,9 milhões de trabalhadores da agropecuária (em 2014), 61,2% dedicam-se diretamente à agricultura. Outros 38,8%, à pecuária.
Por aí já dá para ter uma ideia da pulverização da renda do setor. Embora a agropecuária não pese mais do que 5% do PIB, a cadeia inteira do agronegócio se estende a 22%, como o consultor José Carlos Hausknecht, da MB Associados, adiantou ao Estado na última sexta-feira. Num ano bom de determinada cultura, o dinheiro da safra circula mais solto pela região e para fora dela. Não são apenas os grandes produtores e os fornecedores de insumos que prosperam. Os negócios aumentam em toda a extensão, das concessionárias de veículos até as vendas à beira das estradas. É o que ficou consagrado na voz da cantora Gal Costa como Festa do Interior.
Não se pode perder de vista que o atual boom das commodities se deve ao desenvolvimento dos países asiáticos, especialmente da China. A desaceleração da atividade econômica nessa área nos últimos dez anos vem produzindo certa redução dos preços das matérias-primas, especialmente os das metálicas. Mas, apenas na Ásia, foram mais de 400 milhões de pessoas que emergiram da linha de subsistência nos últimos 20 anos e passaram à condição de trabalhadores e consumidores. Já não se alimentam apenas das coisas esquisitas que o cinema mostrou há alguns anos. Já não dispensam uma dieta bem mais rica em proteínas que, em última análise, é proporcionada pelos grãos fornecidos pelos grandes países agrícolas, inclusive pelo Brasil. Como a alimentação é o último item de consumo a sofrer com as crises, as condições de expansão do mercado de alimentos continuarão muito fortes.
Longa vida para o produtor agropecuário do Brasil, não importando aí se é ligado a uma grande empresa ou se faz parte de um empreendimento de família.
Por Celso Ming, colunista de Economia do Estadão, publicado na edição de 12/02/17.