Boas previsões para cadeia da carne da Austrália
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30 de agosto de 2004

O maior inimigo

Não é segredo para ninguém. Este ano o Brasil deve consolidar a posição de maior exportador de carne bovina do mundo, conquistada em 2003. Isso, claro, em volume.

Os Estados Unidos, em função dos problemas com a vaca louca, estão praticamente fora do mercado. Não devem exportar mais do que 300 mil toneladas em equivalente carcaça, aproximadamente o que o Brasil negocia em apenas 2 meses.

É a Austrália que mais incomoda. No primeiro semestre deste ano, segundo informações do Meat and Livestock Austrália, os australianos exportaram 428,63 mil toneladas métricas em carne in natura, contra 401,92 mil toneladas do Brasil, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Acontece que, em carne industrializada, o Brasil ganha disparado. Exporta 9 vezes mais: 100,31 mil toneladas contra 11,60 mil toneladas dos australianos, de janeiro a junho desse ano. Quando se analisa o volume em tonelada equivalente carcaça, a vantagem brasileira é ainda maior, já que o fator de conversão da carne industrializada é (grosso modo) 2,5 e da carne in natura é 1,3.

Em síntese, são Brasil e Austrália bem à frente e o restante brigando por uma colocação melhor, como pode ser observado na figura abaixo.


O Brasil sustenta hoje uma posição relativamente confortável, porém algumas considerações precisam ser feitas.

Primeiro, a Austrália só não exporta mais porque não consegue produzir mais, em função dos problemas climáticos (seca) que castigaram o país nos últimos 2 anos. Japão, Coréia do Sul e Taiwan, tradicionais clientes dos Estados Unidos, anunciaram reduções significativas das importações de carne bovina, próximas a 30%, já que os australianos não puderam cobrir, na totalidade, o “buraco” deixado pelos norte-americanos.

Ora, mas aqui tem carne de sobra. É, mas também tem febre aftosa, e os asiáticos adotam um controle sanitário bastante rigoroso. Não aceitam o princípio da regionalização, preconizado pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), e adotado, por exemplo, pela Rússia e boa parte da União Européia (UE). Além do mais, preferem importar carne de países livres de aftosa sem vacinação.

Segundo informações do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) 61% do mercado mundial de carne bovina está fechado para o Brasil em função dos problemas com febre aftosa. Somos os maiores, trabalhando apenas com 39% do mercado!!!

Dentre os maiores importadores de carne bovina, Estados Unidos (1o), Japão (2o), México (4o), Coréia do Sul (5o), Canadá (6o) e Taiwan (entre oitava e nona posição) não compram carne in natura brasileira. Lembrando que o Brasil tem a maior zona livre de aftosa com vacinação do planeta, com 14 Estados mais o Distrito Federal e cerca de 160 milhões de cabeças bovinas.

As questões sanitárias ganham cada vez mais destaque no jogo do mercado internacional. União Européia, Uruguai, Argentina, Brasil, Canadá e, mais recentemente, Estados Unidos, já enfrentaram problemas sérios em função da febre aftosa e/ou da vaca louca.

Muito se fala em subsídios e tarifas, que realmente levam à distorções significativas na comercialização de, principalmente, produtos agrícolas. Mas vejam só, a carne bovina brasileira, fora da cota Hilton, é taxada em mais de 100% para entrar na UE, e ainda assim entra, em volume cada vez maior e a preços mais competitivos do que aqueles praticados lá.

Agora… a carne brasileira não entra no Japão, em Taiwan e em mais um volume considerável de países, em função de problemas sanitários. Não é que sofre uma penalização, um sobre-preço ou tem de arcar com uma cota extremamente pequena. Simplesmente não entra. Eles podem deixar de importar, mas não pegam carne daqui.

Conquistar o status de zona livre de aftosa para todo o território nacional tem que ser prioridade 1. Adotar políticas conjuntas com os países fronteiriços, como vem acontecendo agora com o Paraguai, é a estratégia correta. Talvez tenhamos que, literalmente, levar alguns dos nossos vizinhos nas costas. Paciência, é o preço que se paga para ser o primeiro.

E apesar de todos os avanços que têm sido registrados no âmbito da defesa sanitária, a verdade é que os recursos já não são suficientes e a expectativa de erradicar a aftosa até o final de 2005 já foi por água abaixo. Uns falam em 2007, outros em 2009.

E infelizmente a febre aftosa não é o único grande problema para as exportações brasileiras de carne bovina. Conforme a produção no campo aumenta, a logística deficitária vai se tornando cada vez mais evidente. Faltam estradas decentes, ferrovias, hidrovias, portos, armazéns, contêineres, vontade de trabalhar (excesso de greves)… falta organização.

Alguns especialistas do setor já anunciam um fenômeno denominado de “apagão logístico”, ou “pororoca do agronegócio”. A produção vai bater no porto (ou nem chegar nele) e voltar, não terá como escoar.

No caso específico dos contêineres, existe uma relação intrigante. Por ser predominantemente exportador, a cada 2,8 contêineres que o Brasil envia para o exterior, só 1 volta. Isso na média. Os exportadores de carne enfrentam um problema ainda maior, já que necessitam de um produto especial, os contêineres frigoríficos. Agora, imaginem qual é a relação do vai e volta desse tipo equipamento num país que exporta, só em carne bovina, mais de 1,26 milhão de toneladas em equivalente carcaça e importa apenas 70,4 mil toneladas.

Os problemas logísticos levam a aumento de custos e atraso na entrega de mercadorias. Os frigoríficos sinalizam que alguns clientes já se mostram bastante insatisfeitos com o atraso no cumprimento de contratos. Sorte que a nossa carne é barata e que o mercado mundial está meio enxuto.

Fora questões sanitárias e logísticas, ainda existem problemas com relação à qualidade/padronização da nossa carne e segurança alimentar. Focando nesse segundo item, o SISBOV ainda não conseguiu se estabelecer, não agradou, não conquistou a confiança da cadeia produtiva, quesito fundamental para que funcione de verdade.

Ainda é tempo para arrumar a casa e discussões bem fundamentadas, levando a soluções possíveis de serem implantadas, têm ocorrido com bastante freqüência nos meios de informações especializadas.

O fato é que a segurança alimentar vem ganhando cada vez mais peso no processo decisório dos grandes compradores mundiais. O Brasil, como maior exportador mundial, tem que adotar postura pró-ativa. Correr na frente, e não atrás. Ser copiado, e não copiar.

O fator preço, principal vantagem competitiva da carne brasileira, vale muito para mercados marginais, mas vem perdendo espaço em mercados mais desenvolvidos, que pagam caro, que querem produto de qualidade. Qualidade, sanidade e segurança alimentar são quesitos básicos para se conquistar os grandes importadores e receber mais pela carne exportada.

Por que a cotação da arroba do boi gordo australiano chega a valer o dobro do praticado no Brasil? Primeiro, porque lá a classe produtiva é organizada, faz valer sua força. Depois, porque a carne deles vale o dobro da brasileira.

Alguém duvida que no ano que vem os Estados Unidos voltam com tudo atrás dos mercados perdidos? Que vão investir pesado em segurança alimentar, qualidade, promoção e marketing?

Na posição de primeiro do mundo, o Brasil é o concorrente mais visado no mercado internacional. Precisa fazer a lição de casa, principalmente com relação às questões discutidas ao longo do texto: sanidade, logística, qualidade e segurança alimentar.

O maior inimigo brasileiro não são os Estados Unidos, a Austrália ou a Argentina. É o Brasil, são as questões internas que mais ameaçam a posição alcançada em 2003. Isso por um lado é bom, pois é melhor bater cabeça com quem já se conhece. Com empenho, dedicação e organização aparam-se as arestas, e aí não tem pra ninguém. Clima, extensão territorial, mão-de-obra qualificada, forrageiras e rebanho adaptados, custos de produção relativamente baixo… são muitas as vantagens em se produzir carne bovina aqui.

Não se pode bobear. Qualquer descuido, um passo fora do tablado, pode ser fatal. Vide exemplo na Daiane dos Santos, para despencar de primeiro para quinto basta um segundo.

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