Cai preço médio dos animais vendidos na Expozebu deste ano
9 de maio de 2002
Coréia do Sul abate mais 40 mil suínos devido à febre aftosa
13 de maio de 2002

O mercado de carne orgânica na Europa (1/2)

Se a revolução verde do pós-guerra contribuiu a um aumento sem precedentes da produtividade agrícola no planeta, outros problemas surgiram e podem surgir em consequência do uso indiscriminado de defensivos, fertilizantes, sementes transgênicas, hormônios e outros produtos utilizados para intensificar a produção de alimentos.

Tivemos a vaca louca, lençóis freáticos poluídos, áreas desertificadas, traços de DDT foram encontrados até na gordura de focas do Ártico, e quem sabe mais que outros problemas poderão surgir?

Tudo isso é usado como argumento hoje por uma grande massa de consumidores que deseja em sua mesa alimentos produzidos de um modo mais natural, sem “gosto de isopor”, e com mais respeito ao meio ambiente e ao bem-estar animal. O que não significa um regresso aos meios de produção do século passado, mas simplesmente um desejo de repensar os excessos da agricultura atual.

Essa tendência é crescente na Europa, onde em certas regiões rurais a poluição atinge níveis alarmantes e onde os consumidores perdem sua confiança nos produtos tradicionais atravessando uma crise atrás da outra.

A “onda verde” européia não passou desapercebida pelos produtores de carne brasileiros, principalmente depois de um ano extremamente favorável às exportações.

A primeira parte deste artigo tem o objetivo de apresentar por tópicos, um rápido retrato da situação atual na Europa em relação ao consumo de alimentos orgânicos.

O mercado apesar de marginal é crescente

O mercado de orgânicos, embora crescente, ainda é marginal na Europa, e muito heterogêneo de um país à outro. Na tabela 1 há uma estimação do International Trade Centre sobre o mercado de produtos orgânicos em diferentes países europeus.

Estes números baseiam-se em estimativas de vendas, pois não há estatísticas oficiais sobre o comércio de produtos orgânicos. Mas analisando este quadro, e também outras fontes, percebemos a heterogeneidade do mercado. Na Espanha por exemplo, a demanda é tão fraca que 80% da produção orgânica é exportada.

Alemanha, Reino Unido e Itália representam em volume total os mercados mais importantes para orgânicos, em compensação é na Dinamarca que estes produtos tem a maior participação no consumo total de alimentos, contando com 2,5 a 3% do mercado (ou 4% segundo os mais otimistas).

A França apresenta uma modesta média de 1% do mercado para produtos orgânicos, mas o mercado vai de vento em popa. O crescimento verificado nos últimos anos tem sido de 20 a 30% ao ano. E a estimativa, principalmente da grande distribuição é que os orgânicos atinjam de 2 a 5% do mercado nos próximos dez anos.

Tabela 1 – estimação do International Trade Centre sobre o mercado de produtos orgânicos em diferentes países europeus

Em relação à produção, a Itália está em primeiro lugar representando cerca de um terço da superfície cultivada em agricultura orgânica na Europa.

A falta de informações com dados concretos de consumo e de estudos econômicos sobre o potencial do mercado de produtos orgânicos é um problema até para os profissionais do setor. Jean-Marc Levêque, diretor da Setrab, um organismo francês que reúne produtores e distribuidores franceses de produtos orgânicos reconhece: “Nós não temos nenhuma visibilidade. Ninguém sabe o número exato de pontos de venda, nem quantos produtos orgânicos são oferecidos hoje. A motivação do consumidor é nossa única certeza, tudo que se põe no mercado se vende”.

No Reino Unido, uma pesquisa feita pela agência Datamonitor mostra que mais da metade dos ingleses está disposta a pagar mais por uma comida mais saudável. A pesquisa mostra ainda que a maior parte dos consumidores compram orgânicos por acreditarem que são alimentos mais saudáveis, mas também pela preservação do meio ambiente e geração de empregos (admite-se de modo geral que a agricultura orgânica usa mais mão de obra que a tradicional).

A estimativa é de que os gastos dos consumidores com produtos orgânicos dobrem nos próximos 5 anos passando a aproximadamente 10 bilhões de euros. Até lá cerca de 58% dos europeus irão consumir produtos orgânicos, ainda que ocasionalmente.

Uma boa notícia aos produtores de carne, o relatório da Datamonitor também assinala uma queda no aumento do vegetarianismo. De 2000 a 2001, somente 100.000 consumidores passaram a ser vegetarianos, a menor taxa de crescimento desde 96. Inglaterra e Alemanha são os países onde mais pessoas decidiram reduzir a quantidade de carne na dieta, uma conseqüência direta da crise da vaca louca.

A inevitável presença dos supermercados

A distribuição de produtos orgânicos também muda de acordo com o país, mas as grandes redes de distribuição se fizeram cada vez mais presentes no mercado apesar do atraso inicial.

Na França, a rede Monoprix foi a precursora na criação de uma seção de venda de orgânicos, sendo seguida por todas as grandes redes. Hoje, segundo uma enquete realizada pela Interbio Bretagne, uma organização interprofissional do setor na França, 46,7% das vendas de produtos orgânicos se faz nos supermercados, 28,3% nas lojas especializadas e 10% em venda direta nas fazendas. A rede Auchan hoje é a que conta com a maior gama de produtos orgânicos. Já o Carrefour promove sua marca de produtos orgânicos com folhetos explicativos que são distribuídos aos seus clientes, revindicando em alto e bom tom a sinceridade de sua iniciativa. Outras redes de supermercado como Intermarché e Cora são mais reticentes aos orgânicos por estarem concentrados em áreas rurais e de menor renda. Um dos responsáveis do Intermarché afirma que “O bio (orgânico) é um nicho de mercado urbano”.

As redes de lojas especializadas em produtos orgânicos não consideram os supermercados como concorrentes diretos. A mesma enquete revela que os supermercados ajudam o consumidor a “iniciar” a compra de produtos orgânicos. O supermercado oferece na maior parte das vezes produtos orgânicos básicos como leite e derivados, pão e biscoitos, frutas e legumes e carnes. Quando o consumidor está “iniciado” ele passa à freqüentar as lojas especializadas que propõem até 5.000 referências diferentes em orgânico.

A rede Auchan estabeleceu uma parceria com produtores na França para promover a carne orgânica em suas lojas. Depois dos primeiros resultados, os criadores só lamentam que a capacidade de produção só permite que 25 lojas sejam fornecidas, das 80 possíveis. Os preços são de 25 a 30% maiores que os preços da carne standard. Auchan indica que as vendas de carne orgânica representam hoje 5% do total da carne vendida.

Produtores e transformadores de carne orgânica criaram uma associação “Animation Viande Bio” especialmente para promover a venda de carne orgânica nos supermercados. Idéia da Associação, agricultores vão regularmente animar as seções de venda de carne nos supermercados nos finais de semana. Hervé Simon, diretor de marketing da AVB estima a demanda por carne orgânica seja 15% superior à oferta.

Na Inglaterra, segundo uma pesquisa solicitada pela Soil Association, o grupo que lidera a campanha pelo orgânico no Reino Unido, revela que hoje 4 de cada 5 libras gastas com produtos orgânicos, são gastas em supermercados, enquanto as pequenas lojas especializadas em orgânicos diminuíram sua participação no mercado. Estas lojas há cinco anos atrás respondiam por uma grande fatia do mercado de orgânicos. Já na Alemanha, as redes de lojas especializadas em produtos orgânicos ainda detêm uma grande parte do mercado.

A mesma Associação denuncia a falta de apoio do governo à conversão de fazendas ao modo de produção orgânico. Hoje, mais de 80% dos produtos orgânicos vendidos em supermercados ingleses são importados. “Uma oportunidade de mercado perdida para agricultores britânicos” segundo Margareth Beckett, secretária de Agricultura, Abastecimento e Meio-Ambiente do Reino Unido, em entrevista ao jornal The Observer.

Na Holanda, uma pesquisa encomendada pelo USDA americano sobre o potencial de mercado de orgânicos no país, revela que os supermercados respondiam por 42% das vendas de orgânicos no país, passando em 1 ponto percentual as vendas das lojas especializadas. Apenas uma rede, a “Albert Heijn” é responsável por 65% das vendas de orgânicos por supermercados, graças à uma campanha publicitária e à criação de um selo orgânico próprio: “AH Bio”.

A confusão dos selos

Desde 1991 a produção orgânica vegetal conta com uma legislação européia (CEE 2092/91) que define as normas de produção e certificação, idêntica para todos os países membros.

A ampliação da norma para produtos animais data no entanto de julho de 1999.

A legislação permite no entanto que cada país possa exigir critérios mais estritos na hora de certificar produções orgânicas. Esse é o caso da França onde o Ministério da Agricultura tem sua própria marca de identificação de orgânicos, o selo AB (Agriculture Biologique), que segue normas bem definidas em um caderno de encargos estabelecido pelo Ministério.

Na Holanda, a certificadora privada Skal, proprietária do selo EKO, é a única aprovada pelo governo holandês para certificar produtos orgânicos.

Na Alemanha, até agora, várias redes varejistas vendiam como “orgânico” de 70 a 300 produtos que iam desde os certificados como “Bio-Wertkost” (produto orgânico de alto valor) e “Füllhorn” até marcas próprias de supermercados e outros produtos assumidos como orgânicos pelos próprios agricultores.

No entanto a nova ministra alemã para Proteção do Consumidor, Alimentação e Agricultura, a “verde” Renata Künast acaba de lançar um selo oficial de identificação de orgânicos, apelidado de “selo Künast”, um denominador comum para todos os orgânicos produzidos no país, obedecendo aos mínimos padrões exigidos pela norma européia. O projeto da ministra é de estimular a produção e o consumo de orgânicos, contrariando seu predecessor Karl Heinz-Funke, um fã da agricultura intensiva.

Mesmo na Inglaterra, onde há muita importação de produtos orgânicos, a legislação não reconheceu como orgânica a carne enviada por um exportador brasileiro (certificada como orgânica pelo IFOAM).

O motivo é que a legislação inglesa exige que a carne orgânica seja oriunda de animais crias de pais certificados também como orgânicos, o que não era verdade neste caso.

Existe um logotipo europeu (apresentado junto com a ampliação da norma em 99), mas que ainda está longe de suplantar o uso dos logotipos nacionais já em uso. O logotipo poderia ser usado exclusivamente por produtos contendo no mínimo 95% de ingredientes orgânicos e produzidos em território europeu.

A transformação de orgânicos ainda é rara

Como já foi citado, a maioria dos produtos orgânicos oferecidos nos supermercados ainda é de produtos primários. Ovos representam cerca de 10% das vendas em orgânicos na França, em seguida vêm legumes, iogurtes, pão e aves. Ainda na França, apesar do crescimento do mercado, somente 5500 empresas estão certificadas para a transformação de produtos orgânicos, das quais cerca de 25% são padarias e 30% são açougues em lojas especializadas ou supermercados. A indústria do leite parece estar mais adiantada no setor, com a produção principalmente de iogurtes orgânicos.

Nos outros países ainda há poucos dados sobre a produção industrial de produtos orgânicos. A maioria dos produtos transformados ainda vêm de usinas artesanais de laticínios, geléias e padarias.

Preço alto e desconfiança

Segundo Dominique Vérot, presidente da Federação Nacional Francesa de Agricultura Orgânica, o consumidor de produtos orgânicos não deve levar em consideração somente o preço: “ele deve repensar completamente seu modo de consumação alimentar agregando parâmetros externos como saúde, meio-ambiente e geração de empregos”.

Na pesquisa efetuada pelo USDA na Holanda, entre as razões mais citadas como motivos para a compra de produtos orgânicos estão:

– amigável ao meio ambiente – 51%
– saúde – 49%
– sabor – 41%
– ausência de produtos químicos – 28%
– apoio à agricultura orgânica – 14%
– qualidade – 12%
– bem estar animal – 10%

Se estes são os fatores que motivam a compra, o preço alto e a desconfiança são os fatores que motivam o consumidor a não comprar orgânicos, o que nos faz pensar se a atual tendência do mercado manterá seu curso de crescimento.

Não existe ainda nenhum estudo que prove que alimentos orgânicos são mais saudáveis ou melhores. Ao contrário, um relatório de InterNutrition, a Associação Suíça para Pesquisa e Nutrição publicou um relatório no final do ano passado concluindo que produtos orgânicos não são nem mais saudáveis e nem mais seguros para a saúde do que alimentos convencionais ou geneticamente modificados.

Matthew Fort, em coluna no jornal inglês The Guardian no último dia 4 de janeiro critica o setor de agricultura orgânica e o governo pela inconformidade de critérios na certificação e afirma: “a continuidade do crescimento do mercado de orgânicos só será assegurada:

– caso outros escândalos de segurança alimentar apareçam (como a vaca louca);
– caso o consumidor perceba um efetivo diferencial de qualidade em relação ao produto convencional, SE isto passar pela tradicional obsessão britânica pelo preço.

Ora, ao que parece estamos há algum tempo sem novos escândalos e em relação à qualidade a diferença entre orgânico e tradicional é raramente óbvia. Pureza ecológica é freqüentemente uma desculpa para incompetência na produção. A diferença de preço não é justificada por uma melhora distinguível na qualidade.

Os comentários estão encerrados.