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O mercado de carne orgânica na Europa (2/2)

Na primeira parte deste artigo, mostramos alguns dados e descrevemos algumas das características do mercado de produtos orgânicos na Europa. Resumindo rapidamente:

– o consumo de orgânicos é ainda marginal mas em expansão. Porém, há diferenças importantes de um país à outro na Europa em relação à fatia de mercado dos orgânicos;

– de modo geral supermercados representam uma grande porcentagem das vendas de produtos orgânicos no varejo;

– a legislação muda de um país a outro exigindo diferentes critérios para a certificação de produtos como orgânicos;

– ainda existem poucos produtos industrializados certificados como orgânicos;

– o alto preço e a desconfiança dos consumidores podem frear a expansão do mercado

Tendo isto como base, vamos comentar quais seriam as eventuais oportunidades e principais problemas à colocação no mercado europeu de carne orgânica brasileira.

Países de destino da carne brasileira x países de maior consumo de orgânicos

A carne brasileira tem ganhado mercado na Europa. O ano de 2001 foi excepcional para as nossas exportações de carne, escorado pelo tripé: cambio favorável – aftosa argentina – vaca louca européia.

Veja na tabela 1 o destino por país dos embarques de carne brasileira para a Europa. Os dados são do Secex/Decex.

Tabela 1 – destino por país dos embarques da carne brasileira para a Europa

Ora, quando comparamos a tabela 1, com a tabela 2 do International Trade Center de estimação de mercado para produtos orgânicos em diferentes países europeus, notamos algumas vantajosas coincidências:

Tabela 2 – estimação do International Trade Centre sobre o mercado de produtos orgânicos em diferentes países europeus

Segundo o ITC, Reino Unido, Alemanha e Itália representariam em conjunto um mercado de 4,2 a 4,5 bilhões de dólares em vendas no varejo de produtos orgânicos.

Acontece que estes 3 países também recebem cerca de 63% da carne brasileira enviada à Comunidade Européia e Suíça. Grosso modo, poderíamos concluir que estes seriam os mercados mais receptivos à carne orgânica brasileira.

No caso da Holanda, o segundo lugar na tabela acima, deve-se ao fato de que Rotterdam, o maior porto da Europa, é a porta de entrada de grande parte das carnes e de outros produtos agrícolas no mercado europeu. Aproveitando esta natural aptidão holandesa à importação/distribuição de produtos de fora da comunidade européia, a carne brasileira tem conquistado espaço também dentro do país.

O crescente mercado holandês de orgânicos pode apresentar futuras oportunidades à carne brasileira.

A Espanha, apesar de ser um destino importante das exportações brasileiras não tem um mercado significativo para produtos orgânicos. Mesmo a maior parte dos produtos orgânicos produzidos no país é exportada para outros mercados consumidores.

Já a França é o maior produtor europeu de carne, e o maior produtor europeu de carne orgânica. Mesmo assim, o rebanho de animais orgânicos em 1.999 era de apenas 49.931 matrizes, cerca de 0,6% do rebanho total francês, segundo Dominique Vérot, presidente da FNAB (Fédération Nationale de l’Agriculture Biologique).

O frigorífico Soviba, um dos maiores fornecedores de carne orgânica no mercado francês afirma que apenas 60% dos pedidos de carne orgânica são atendidos, e que é impossível atender à novos clientes. A carne orgânica brasileira teria uma oportunidade se conseguisse driblar a pressão do poderoso lobby agro-industrial francês, o que está longe de acontecer.

Restam mercados como Suíça, Suécia e Dinamarca, onde a carne brasileira ganhou espaço principalmente no ano passado, e onde o mercado de orgânicos está em plena evolução.

O mercado HORECA

A carne embarcada pelos frigoríficos brasileiros é vendida à importadores europeus. Grande parte destes importadores atuam como distribuidores, que passam a carne para a frente, mas a maioria dos exportadores brasileiros de carne desconhece o destino final de sua mercadoria.

A realidade é que a Europa tem carne em excesso, ou seja, produz mais do que consome. O grande mercado da carne brasileira, e da carne importada em geral, na Europa é o que se chama de setor HORECA (Hotéis, restaurantes e cafeterias). Um setor que exige grandes quantidades de peças como filé mignon, contra-filé, ponta de contra-filé, alcatra e as peças do quarto traseiro em geral. Uma demanda que nem os frigoríficos europeus são capazes de suprir.

Neste mercado, o consumidor final não é responsável pela escolha do produto, e geralmente desconhece a origem daquilo que lhe põem no prato.

Existem pouquíssimos hotéis e restaurantes especializados em servir comida orgânica, e quando existem estão ligados à iniciativa de cooperativas e grupos de agricultores locais, como é o caso dos Bio-Hotéis austríacos.

Na França, depois da crise da vaca louca, várias prefeituras passaram a colocar somente carne orgânica nas cozinhas de suas escolas públicas. Um grande mercado, mas intimamente ligado aos interesses políticos dos partidos no poder, que desejam a qualquer preço o voto dos agricultores de suas regiões.

Na Alemanha, a rede de restaurantes McDonald’s anunciou há algumas semanas, na presença da Ministra “verde” Renata Künast, que estaria comprando carne orgânica de agricultores alemães da cooperativa Qualitätsfleisch-Erzeugergemeinschaft. Segundo Michael Gerling, responsável de compras da rede na Alemanha: “McDonald’s é consciente de suas responsabilidades como líder no setor de restauração, e por isso nossos consumidores terão em nossos produtos ingredientes exclusivos de alta-qualidade, que eles confiam até em suas próprias cozinhas”.

Como se vê, as poucas iniciativas do setor HORECA em oferecer produtos orgânicos a seus consumidores estão ligadas às iniciativas e pressões de agricultores orgânicos europeus, em geral grupos extremamente dinâmicos e empreendedores.

As lojas especializadas

A mesma situação se repete em relação às redes de lojas especializadas em produtos orgânicos, geralmente estas lojas são criadas e mantidas por cooperativas e grupos de agricultores orgânicos europeus. Este é o caso da rede de supermercados Biocoop francesa, a primeira rede especializada em orgânicos na França. Perguntado sobre a possibilidade de se oferecer carne orgânica importada em suas lojas, o responsável de compras de Biocoop foi seco: “é fora de questão” (mesma resposta do responsável de compras dos Bio-Hotéis, na Áustria).

A França é obviamente o exemplo mais radical no assunto, pois é o país europeu onde a agricultura tem o maior peso político e econômico.

É possível que na Alemanha, Reino Unido e Itália, existam redes de lojas onde seja possível colocar o produto brasileiro com mais facilidade pela simples razão de que há mais demanda do que oferta.

Supermercados

A questão dos supermercados seria o tema de um longo estudo, sobre como a carne brasileira, não só orgânica, poderia chegar às prateleiras dos supermercados europeus. Até agora, a quantidade de carne brasileira que tem chegado aos supermercados na Europa é ínfima.

Os problemas

1 A qualidade da carne em si. É inegável que a carne brasileira tenha boa qualidade, mas o fato é que consumidor europeu, embora provavelmente já tenha comido carne brasileira em algum restaurante, nunca comprou e não está acostumado a comprar a nossa carne. Comparada com a carne européia e argentina (que já chegou a ser colocada em supermercados europeus), a nossa carne perde por ter:

– muita gordura em cobertura e pouca marmorizada (raças zebuínas x raças européias);

– maciez inferior (idade de abate, raça, gordura marmorizada, maturação);

– sabor mais forte (idade de abate, raça);

– menos propaganda…

2 Um problema logístico. Supermercados necessitam muita agilidade na entrega de mercadorias e uma alta qualidade do produto fresco. As coisas são mais difíceis quando um embarque de carne fresca leva de 15 a 25 dias entre a saída de Santos e chegada na Europa. Argentinos chegaram a enviar carne de alta qualidade via áerea para supermercados na Europa.

3 Apresentação. Frigoríficos europeus enviam carnes para os supermercados já fatiadas em bandejas com atmosfera modificada, com as etiquetas dos preços, marcas e promoções dos supermercados. Como fazer isso a partir do Brasil?

Se nem a carne produzida de forma convencional no Brasil está chegando aos supermercados europeus, cabe perguntar se seria viável iniciar este mercado já com a carne orgânica.

E eis aqui o verdadeiro problema, pois como discutido anteriormente grande parte das vendas de orgânicos na Europa passa pelos supermercados, e este é um mercado onde se deve entrar com muito planejamento e cuidado, pois não são permitidos erros.

Indústria

A setor industrial pode ser um grande mercado potencial para a carne orgânica, mas que ainda está em desenvolvimento. Existe ainda uma oferta muito pequena de produtos industrializados certificados como orgânicos, mas é mais que provável que a indústria alimentar siga a tendência de aumento de consumo de orgânicos e diversifique a gama de produtos oferecida hoje ao consumidor. As possibilidades são grandes, a começar pelos alimentos infantis, sopas, enlatados e pratos prontos.

O problema aqui reside no fato de que as carnes utilizadas pela indústria são geralmente as de baixo valor comercial, onde as barreiras tarifárias de importação podem representar um alto custo adicional. A não ser que a oferta de carne industrial orgânica de origem comunitária seja insuficiente, é improvável que o setor queira pagar este custo a mais pela carne importada.

Aos produtores brasileiros interessados em carne orgânica

O mercado existe, há mais demanda do que oferta. Até por este motivo, frigoríficos europeus estão negociando a carne orgânica por quartos completos, e não por peças. Existem no entanto países onde a receptividade à este produto pode ser maior.

O mercado que se quer atingir deve ser estudado em relação às formas como este tipo de produto é distribuído, por quem é distribuído e qual é a legislação local para a aceitação do produto como orgânico.

Sigam seu produto até o final, não só até o porto de Santos. Parcerias importantes podem ser conseguidas com distribuidores europeus, só depende da nossa iniciativa.

Não se esqueçam:

– da qualidade da carne (desde a criação até o abate e processo de fabricação)

– da cadeia de frio

– da rastreabilidade

– da propaganda

Como citado pela coluna do jornal inglês The Guardian, o que representa a opinião de muitos europeus desconfiados de produtos orgânicos, a qualidade é essencial para se conquistar o mercado. Ninguém desejará pagar mais por um produto com menos qualidade, nem com uma justificativa ecológica.

Existem poucas informações, estudos ou estatísticas sobre o mercado de carne orgânica na Europa. Este artigo foi escrito baseado em experiências pessoais no mercado e em opiniões próprias, e é portanto passível de discussão. Por este motivo estamos abertos às críticas e opiniões dos leitores.

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