O verão na Europa é normalmente um período de alta no consumo de carne bovina, incluindo-se aí a carne importada. Além do clima favorável ao consumo, principalmente de grelhados, o verão é o período de alta do turismo no continente.
O tipo de carne consumida, seja em “barbecues” familiares ou em restaurantes para turistas são as peças próprias para churrasco e grelha, como o contra-filé, a ponta do contra-filé, a alcatra e o baby-top (picanha aqui infelizmente só é conhecida mesmo em Portugal, ainda assim por causa da influência brasileira).
Assim, todos os importadores de carne sul-americana normalmente preparam-se para o período fazendo compras e contratos a partir de final de abril e durante o mês de maio para estarem com estoques razoáveis durante o período do verão europeu, que corresponde aos meses de junho, julho e agosto.
Acontece que os preços da carne bovina sul americana para a exportação estiveram em baixa contínua nos últimos três meses. Os frigoríficos argentinos que tinham que cumprir sua quota Hilton de 28.000 toneladas até o final de junho embarcaram tudo o que podiam. Os brasileiros, com muita produção e com os dianteiros sendo exportados para a Rússia e Oriente Médio foram obrigados a abaixar os preços das peças do traseiro para a Europa.
O problema é que o consumo não foi como esperado esse ano, e diversos importadores que tinham estoques comprados a preços caros foram obrigados a vender abaixo do preço de custo durante o mês de julho, já que a carne fresca chegaria ao fim do prazo de validade em breve. Muitos deles tiveram prejuízos imensos com a carne fresca sul americana e diminuíram ou suspenderam as compras em julho.
A tensão agora vem de outra fonte. O mercado aguarda ansioso, esperando para ver qual será o resultado da visita de veterinários da União Européia ao Brasil neste final de agosto.
A missão européia tem por objetivo investigar o Sisbov, o sistema de rastreabilidade brasileiro, que segundo os europeus ainda apresenta sérias falhas e não tem a credibilidade que deveria.
No relatório da visita feita de 26/04 a 06/05/2004 pelo FVO (Food en Veterinary Office) da Comissão Européia, consta o seguinte:
“Foi verificado que o sistema para identificação e certificação de origem de bovinos e bubalinos (SISBOV), baseado na identificação individual dos animais, nos documentos de identificação (DIA) e uma Base de Dados Central (CDB) encontra-se num estágio inicial de implementação. Nenhum procedimento próprio foi estabelecido em como as Certificadoras deveriam registrar os dados dos animais individualmente identificados e sérias deficiências foram detectadas em relação à operação e supervisão desta identificação individual.”
“O controle de movimentações é baseado na Guia de Trânsito Animal e no DIA dos animais. Entretanto, no atual nível de implementação do SISBOV (e em particular a ausência de relação entre as informações disponíveis localmente e da Base de Dados Central) e a falta de uma supervisão confiável das movimentações, combinada com inúmeras incoerências identificadas na Base de Dados Central diminui a confiabilidade da certificação dos animais vivos enviados para abate.”
“A implementação plena do sistema prevista até 2007 para todo o rebanho bovino não parece realista.”
A visita dos europeus que chega ao final em agosto ao Brasil é justamente verificar se o Brasil conseguiu corrigir essas deficiências constatadas no Sisbov há um ano atrás.
Bem, o mercado aposta que não, e a procura e os preços da carne brasileira na Europa voltaram a subir novamente.
O que se acredita é que provavelmente a produção de alguns estados, onde forem constatadas as maiores discrepâncias no sistema, não será aprovada para a União Européia. A diminuição da oferta causaria uma alta nos preços para a exportação. Ou seja, a desconfiança em relação ao SISBOV é tanta que a mera possibilidade de uma inspeção faz o mercado acreditar que os europeus irão bloquear pelo menos em parte a exportação brasileira.
O que é fato é que desta vez a inspeção será mais rígida as exigências serão maiores, não só porque os veterinários do FVO vão verificar se suas últimas recomendações foram seguidas, mas porque a Comissão Européia têm sofrido uma pressão enorme de pecuaristas europeus (irlandeses e escoceses ultimamente) que alegam que a carne brasileira que está invadindo o mercado europeu não oferece as mesmas garantias que a carne produzida aqui.
Nosso desafio é provar que sim.
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Caro Fernando,
Fica complicado para o Brasil.
Pelo que entendo, o SISBOV não deve ter melhorado nesse um ano que se passou e muito menos em 2007 terá sido totalmente implementado.
Não se pode forçar o produtor somente porque o Estado quer arrecadar mais ICMS, pois se sabe que muito animal ainda é abatido clandestinamente, sem pagar impostos, mas essa não é a saída.
No entanto, se uma atitude séria for tomada, chamando-se para conversa todos os elos da cadeia produtiva da carne bovina para se discutir sobre a rastreabilidade talvez não corrêssemos o risco de parte de nossas exportações serem embargadas.
Muitos pecuaristas tem feito um trabalho sério demais para que um ato ponha tudo a perder.
Obrigado pelas informações.
Esta matéria muito bem exposta pelo Fernando mostra a fragilidade e a descrença do SISBOV.
Podemos confirmar as práticas errôneas de pecuaristas que simplesmente encaminham os brincos dentro de um envelope quando do abate do gado.
Dependendo da restrição, se houver, com certeza será mais prejuízo para a pecuária.
Pergunto ao Fernando. Quais as conseqüências, no seu ponto de vista se algum estado ou unidades forem impedidas de exportar para a UE?
Obrigado,
Elio Micheloni Jr.
Meu caro amigo Fernando Sampaio,
Muito oportuno seu artigo relatando a conjuntura atual do mercado europeu para a carne bovina brasileira.
Tenho apenas uma dúvida. O fato da produção de alguns estados eventualmente não ser aprovada pela União Européia não coloca em xeque o SISBOV como um todo?
Isso não teria impactos negativos sobre a demanda pela produção brasileira toda, com reflexos negativos sobre os preços?
Forte abraço,
José Stamato