15 de julho será um dia decisivo para a pecuária de corte brasileira, ou não?
O governo federal apertou o cerco em torno da rastreabilidade bovina, comunicando que a partir dessa data somente poderá ser exportada para a União Européia (UE) carne proveniente de animais que estiveram por ao menos 40 dias cadastrados no SISBOV, o Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina.
Não vamos discutir aqui a coerência dessa cobrança. Assim como a maioria dos agentes do setor, empresários, compradores e produtores, também concordo que, uma identificação individual de todo o rebanho brasileiro (próximo a 170 milhões de cabeças), seja ele de corte ou leite, “tucura” ou padrão, é um “complicômetro” desnecessário para um país classificado como de Risco 1 (praticamente inexistente) para EEB (encefalopatia espongiforme bovina) e cujo rebanho, reconhecidamente, se alimenta exclusivamente de capim.
Acontece que esta foi uma imposição do mercado. Um cliente, no caso a UE, fez uma exigência, e cabe ao Brasil decidir se a atende, ou se deixa para um concorrente atender. A escolha é nossa, é simples assim.
Vamos aos números. As exportações brasileiras de carne bovina, em 2002, geraram um faturamento de US$1,096 bilhão, referentes a um montante exportado de 966 mil toneladas em equivalente carcaça.
Aproximadamente 4 milhões de animais foram abatidos para atender a demanda externa. Como a UE absorve cerca de 45 a 50% das exportações brasileiras, podemos dizer que algo próximo a 2 milhões de animais morreram para abastecer o mercado europeu.
Pois bem. Segundo estimativas da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), o número de animais rastreados no Brasil é de 2,5 milhões de cabeças, apenas 1,5% do rebanho nacional, e não dá para saber qual o volume que estaria disponível para abate, pois nem todos os animais cadastrados são animais em terminação.
Conclui-se então que não temos, de imediato, animais rastreados para atender a demanda a partir do próximo dia 15. O fato é extremamente preocupante.
É fato que as exportações têm exercido papel fundamental na formação dos preços da arroba no Brasil. Basta analisar os dados.
A cotação da arroba do boi gordo vem caindo ao longo dos últimos vinte anos, conforme exposto na figura 1, tendência observada para a maioria das commodities agrícolas. Porém, nos últimos 7 anos (círculo vermelho), o mercado físico do boi gordo passou a operar em ambiente mais firme.
Como exposto em meu texto Considerações sobre o mercado de couro bovino, veiculado neste site, o mercado interno, tanto para a carne, como para o couro e o sebo, é frouxo. Hoje a defasagem do Equivalente Scot (87,94% equivalente físico + 10,39% couro + 1,77% sebo) para a cotação da arroba do boi gordo paulista é de 4%, porém já chegou a superar 8% ao longo do ano, não justificando, para o frigorífico que não atua no mercado externo, pagar “caro” pela matéria prima (boi).
Fica claro que, mesmo respondendo aproximadamente por apenas 15% da produção nacional, as exportações contribuem, e muito, para a firmeza dos preços praticados internamente.
O crescimento das exportações, e consequentemente a implantação de um programa de rastreabilidade que atenda às exigências de quem compra a carne brasileira, é de extrema importância para a manutenção da saúde financeira de produtores e compradores do país. Essa é a primeira conclusão.
Muito se especula também a respeito dos custos de implantação de um programa nos moldes em que foi definido pelo governo, pois os produtores salientam, e com razão, que já arcam com um custo de produção elevado.
A Scot Consultoria estima que, num sistema de engorda a pasto, os custos de produção em São Paulo e Estados vizinhos varia de R$40,00/@ a R$45,00/@, dependendo principalmente da praça e do grau de intensificação.
Um adicional de R$4,00 por cabeça, mais uma taxa anual de R$75,00, que é o valor médio pago hoje por quem rastreia seus animais, influem muito pouco no custo final de produção.
O boi gordo produzido em São Paulo é cotado, enquanto redijo este texto, em R$55,00/@, portanto, para quem trabalha com profissionalismo, existe uma boa margem para atender as exigências do SISBOV. Essa é a segunda conclusão.
O ônus financeiro é pequeno, o maior problema é o trâmite burocrático, num país já esculhambado pelo excesso de papelada. Porém, com animal rastreado, não perdemos espaço no mercado internacional, e o retorno está aí: firmeza dos preços do boi.
Além do mais, o poder de barganha de quem já tem seus animais cadastrados no SISBOV é maior, uma vez que a oferta dessa mercadoria, pelo menos nesse início de processo de implantação, é menor do que a demanda.
Outra vantagem que o sistema proporciona é a coleta e armazenamento de informações que, bem administradas, possibilitarão melhorar a base de dados para facilitar as decisões técnicas e gerenciais. O retorno econômico obtido neste processo é difícil de ser mensurado, mas é bastante significativo.
Mesmo não concordando com a maneira como foi proposta, a cadeia da carne só tem a perder protelando a implantação da rastreabilidade bovina no país. Isso precisa ficar bastante claro.
Por enquanto, produtores e compradores têm adotado uma postura reticente e, ao que parece, esperam que o governo volte atrás de sua decisão, como aliás já aconteceu em outras oportunidades. É a política do “vamos tocando na galega”.
Por sua vez, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) assegura que dessa vez não irá ceder. É a política do “ou vai, ou racha”.
Espero que não rache.
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Caro Fabiano,
A meu ver, você tem muita razão em parte de seus comentários. Mais do que discutir a viabilidade da certificação, acredito que hoje deveríamos estar discutindo a IDONEIDADE desta.
Sabe-se que quem dita a regra do mercado, é e sempre será o cliente, neste caso, a UE. Cabe a nós, aceitarmos ou não as exigências deles.
Infelizmente, o que nós temos feito até então, é o verdadeiro “só prá inglês ver”, no caso, para o “europeu” ver, né? Muitos já estão ganhando com a certificação desde o ano passado (principalmente as empresas “parceiras” de frigoríficos).
O que hoje, eu mais gostaria de ver acabar de fato, é a hipocrisia que paira no meio. Aqui no MS, já tem uma “nova moda” para burlar a quarentena exigida pelo MAPA, quarentena esta que quase todos acreditavam ser até que enfim a moralização do processo: existe frigorífico que está dando de presente “brincos” para o produtor, onde a certificadora parceira comunica que tantos animais correspondentes àqueles brincos estão certificados, onde então, o Documento de Identificação Animal (DIA) é emitido daí a quarenta dias.
No entanto, somente no momento do embarque, brincam-se os bois que estiverem subindo no caminhão, como se este tivesse de fato sido incluído no SISBOV a tempo e a hora. Pode? Parece brincadeira!
Tomara que desta vez o Ministério não deixe rachar!
Será que vai, ou será que mais uma vez o pequeno produtor vai acabar pagando a conta.
Cá entre nós, os grandes produtores, que abatem lotes de mais de mil bois não estão nem um pouco preocupados em rastrear seus bois, pois eles sabem que se um frigorífico recusar comprar seus bois, outro vai comprar.
Assim, os frigoríficos vão acabar subsidiando o rastreamento dos lotes dos grandes pecuaristas e desvalorizando os lotes não rastreados dos pequenos pecuaristas. E provavelmente mais uma vez o pequeno paga a conta.
Outro porém é que o mercado interno consome cerca de 85% dos animais abatidos, será que é realmente justo rastrear 100% do lote, quando somente 15% poderá ser exportado? Na minha opinião é desperdício de recursos.
Mais uma novidade que ouvi hoje é a de uma certificadora que não vai mais aceitar marcação a fogo ou brincos que não sejam os indicados por ela. Será que não temos um caso de PROCON, afinal venda casada é proibida e se já sou cadastrado nessa certificadora, como pode a mesma me obrigar a comprar certos brincos de certos fabricantes? Será que o MAPA está de olho também nas certificadoras?
Creio que temos muito a amadurecer ainda para que o SISBOV engrene. É muito bonito na teoria, mas na prática é um projeto de no mínimo 5 a 10 anos, não tem porque forçar as coisas a acontecerem em 2 anos só para inglês ver. Se é para fazer, porque não fazer direito, com calma e sem dúvidas?
Enquanto os frigoríficos não pararem de cadastrar produtores de última hora, dificilmente o SiSBOV será eficiente.
Tenho animais rastreados desde o nascimento e outros tantos que poderiam entrar rapidamente no sistema para abate em tempo próximo.
Mas quando fui fazer minha primeira venda de animais rastreados, nenhum frigorífico se interessou por eles.
O resultado é que viraram carne de consumo no mercado nacional e eu não ganhei nada com isso.
Esperemos que desta vez o MAPA trabalhe com vigor e realmente coloque em prática a regra em questão.
Caro Fabiano,
Existe um ditado que diz que: “quando o homem está com a razão ninguém pode com ele”. Pois bem, penso que o principal motivo pelo qual o governo tem voltado atrás nas datas que impôs como limites é o fato dele não estar com a razão.
Concordo com você, quando é dito que o consumidor é quem manda. Portanto, se os europeus querem carne rastreada, então, quem vende carne para eles tem que atendê-los. Aí é que está, na minha simples e modesta opinião, a falta de razão do governo: porque rastrear 170 milhões de cabeças, se vamos exportar somente 4 milhões. Será, que não seria muito mais razoável, simplesmente deixar o mercado agir. E como consequencia disto rastreariamos a quantidade necessária, que seria remunerada por ser diferenciada.
Gostaria de lembrar para você o program do novilho precoce no MS. Ele não foi compulsório. Apenas foi sinalizado concretamente ao produtor que ele seria remunerado por oferecer aquele produto diferenciado ao mercado. Veja hoje a enormidade do sucesso deste programa em nível NACIONAL. Foi um programa com lógica. Não foi necessário dizer aos produtores que eles teríam melhoras técnico-administrativas nas suas fazendas se eles aderissem ao programa. Tática esta que está sendo utilizada, dizendo que os produtores ao terem seus animais todos cadastrados terão melhorias de manejo e outras coisas mais.
Indiscutivelmente, temos que exportar e a exportação ajuda muito o preço do mercado interno. Penso que se todo este embrólio fosse deixado para o mercado resolver, sem o intervenção do governo, talvez já tivessemos algo substancialmente real acontecendo em termos de rastreabilidade.
Obrigado por sua atenção.
Limão