A Anuga é uma das maiores feiras de alimentação da Europa, e acontece de dois em dois anos em Colônia, na Alemanha. Na última feira em 2003, 6.038 empresas de 90 países expuseram seus produtos a 160.998 visitantes. Este ano, a feira está acontecendo desde sábado passado e termina nesta quarta-feira 12 de outubro.
Além de propiciar o encontro entre exportadores e importadores, a Anuga anuncia tendências do mercado e revela novos produtos no setor.
No ano passado na SIAL (feira semelhante que acontece em Paris) a tendência era deixar de lado os chamados alimentos-remédio e dar ênfase ao sabor. Este ano o foco voltou-se para a promoção de alimentos saudáveis e funcionais, como drinks pró-bióticos e o uso de algas altamente fibrosas para combater a obesidade causada pela ”junk food”.
No setor da carne, ponto para o pessoal do Nelore Natural que estava lá para promover uma carne saudável e produzida na base de capim e sal.
Ainda na carne, o que se observa na feira é um reflexo da batalha que tem acontecido no mercado. Os frigoríficos europeus tentam dar ênfase aos seus produtos elaborados (hambúrguers, almôndegas, tapas, espetinhos, marinados e outros) e na rastreabilidade e segurança de sua carne. Enquanto isso os sul-americanos apelam para o sabor da carne e a criação natural de seus rebanhos.
Escócia e Irlanda especialmente apostaram alto em marketing para combater a invasão da carne brasileira em seus respectivos países, o que revela a força que o lobby dos agricultores ainda têm nestes que são ainda grandes produtores de carne bovina na Europa.
Como expliquei em meu último artigo, a redução dos abates no Brasil fez com que os frigoríficos diminuíssem a quantidade ofertada na Europa. Os preços subiram e, momento raro na história, os preços da carne brasileira chegaram a ser negociados durante os primeiros dias da Anuga em valores acima dos preços de carne argentina!
O balde de água fria veio na segunda-feira com o anúncio do foco de febre aftosa descoberto em Eldorado. A notícia caiu como uma bomba em plena feira. Os frigoríficos pararam de oferecer carne e os importadores imediatamente subiram os preços da carne brasileira (que já estavam em viés de alta) a seus clientes.
Quem ganha com a situação? Primeiro os frigoríficos argentinos, que já subiram os preços aproveitando o mercado e que podem conquistar uma fatia da parte brasileira na Rússia e na Europa principalmente (assim como o inverso aconteceu durante a crise de aftosa na Argentina em 2001).
Um estudo do USDA projeta para 2006 que a Argentina exportará 720.000 toneladas de carne, alcançando um dos maiores níveis dos últimos 25 anos (isso sem o impacto da aftosa no Brasil).
As únicas barreiras a esse crescimento seriam as exportações brasileiras (agora fragilizadas) e a capacidade instalada dos seus frigoríficos, já que não houve muitos investimentos nos últimos anos na infra-estrutura de abate e desossa nesse país.
Em segundo os europeus, irlandeses e escoceses à frente que vão tentar justificar os ataques que têm feitos aos sistemas de sanidade e rastreabilidade no Brasil e que vão querer retomar seus mercados internos.
Vamos aguardar as decisões da Comissão Européia, da Rússia e de outros países para analisar o impacto no Mercado com maior segurança, mas mesmo assim o mal já está feito.
E quem culpar? Como disse o deputado Abelardo Lupion (PFL-PR), trata-se de uma tragédia anunciada.
O Governo Federal desembolsou este ano efetivamente apenas 1,57% do orçamento deste ano destinado à erradicação da aftosa. É ridícula e vergonhosa a lentidão com que recursos federais destinados à Defesa Animal tem sido repassados, e infelizmente atitudes são tomadas somente após o desastre.
Após o surgimento do caso em Eldorado, o ministro da Fazenda Antonio Palocci finalmente anunciou que irá liberar todos os recursos necessários à erradicação e controle da doença.
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Êta ditado verdadeiro: “O Pão do pobre quando cai no chão, cai com a manteiga virada para baixo”!
Quando se diz que só tiramos proveito, das desgraças alheias – tipo soja com a baixa produção americana nos anos anteriores, e com a carne com a EEB e aftosa nos paises vizinhos. Olha aí o que vem atrás da gente.
Existe marketing que resista a tal desgraça? Haja necessidade brava de carnes no consumidor mundial, para que nosso produto a satisfaça.
Antonio Bogás
E tudo isso levando-se em conta o fato de “companheiro” Palocci ser médico. Ora, se este que é da área médica desconhece ou minimiza a importância da prevenção, fazendo ouvidos moucos aos apelos de pessoas do setor e retendo verbas de maneira inconseqüente, daí passa a ser compreensível a explicação de nosso Ministro Roberto Rodrigues, em pífio pronunciamento, iludindo a população ao afirmar que o (DES) Governo tomou todas as medidas de combate e prevenção que dele se esperava…
Realmente, em relação ao (DES) Governo não seria coerente esperar muito mais do que fez ao nosso setor – nada!
Realmente é uma vergonha.
Os culpados são muitos: a burocracia que inviabiliza qualquer tipo de operação; o descaso do próprio governo que apenas se preocupa em distribuir esmolas com seus programas sociais; o Ministro da agricultura que faltou ser mais enfático nas suas colocações; os profissionais formados que não possuem ética profissional; e alguns pecuaristas que nessa ecomicidade desenfreada a todo custo não vacinam seus animais. Todos são culpados.
Hoje aprendemos que temos muito o que melhorar. É bem possível que possamos sair desse problema, mas é improvável, hoje, que isto não se repita de novo, pois todo o sistema é falho. Não temos fiscalização em nossas fronteiras, qualquer gado entra e sai na hora que quiser. O processo só funciona quando o problema está instaurado, mas daí já é tarde demais.
Acorda Brasil, enquanto caímos, outros tomam nosso lugar e talvez para sempre.
Parabéns pelo artigo.
E sugiro outro:
Qualquer semelhança é mera coincidência. O maior grupo frigorífico brasileiro recentemente comprou unidades na Argentina, com dinheiro do BNDEs. Agora que o preço da arroba ia melhorando, se recuperando, de uma bem orquestrada campanha de derrubada de preços, surge esse foco de aftosa no MS que vai inibir a recuperação dos preços aos pecuaristas.
Coincidência ou não, num momento bem inoportuno para os pecuaristas brasileiros. E a exportação via Argentina vai ser um negócio da China.
Um pouco estranho tudo isso.
E o Brasil não tem uma política de preservar a questão estratégica do mercado e da produção nacional.
Merece um artigo.
É, caro Fernando, a situação não é nada fácil.
Crônica de uma morte anunciada, infelizmente, afinal de contas todos nós somos conscientes das imensas limitações na área da Defesa Sanitária. Concordo que os culpados são muitos, mas lamentavelmente, a vítima somos todos nós.
Resta a esperança de que um dia o país acorde de verdade para o seu potencial, e que os cidadãos, os pecuaristas e o Governo não se contentem apenas com lamentações, com explicações sobre o que poderia ter sido.
Precisamos de ações conjuntas e coordenadas. Atitude. Ética, moral e credibilidade. Chega de descaso e irresponsabilidade. O bem de todos depende das ações individuais.
Parabéns pelo teu artigo.
Um grande abraço
Marcia Dutra de Barcellos
WUR/UFRGS/ANGUS
Porque somos tão vulneráveis?
A pecuária brasileira está passando por um momento muito difícil. A partir do aparecimento recente do foco de aftosa no Mato Grosso do Sul, ainda não sabemos se este acontecimento será positivo ou não para a pecuária rio-grandense. Se por um lado o bloqueio da carne deste estado em Santa Catarina nos favorece, por outro a perda de mercados importantes, como o Chile já é uma realidade.
Porque somos tão vulneráveis? A resposta da pergunta requer uma reflexão muito grande de nosso sistema que não cabe mencionarmos neste momento, então vou mudar a pergunta: O que podemos fazer para não sermos tão vulneráveis? Agora sim, podemos tomar algumas atitudes razoáveis que irão amenizar nossos problemas, por que não dizer o principal problema: a ameaça real do surgimento de um foco de aftosa no território nacional ou nos países vizinhos.
A Indicação Geográfica “Pampa Gaúcho da Campanha Meridional” é uma ação que deve ser citada. Com delimitação de área bem definida, rastreabilidade total do rebanho e processos de certificação auditáveis, poderemos nos proteger das adversidades de um país tão grande e de fronteira tão extensa como o nosso, e com dependência evidente do mercado externo.
Devemos nos acostumar a tomar ações que, mesmo de longo prazo, irão nos beneficiar e, quem sabe, serão a única saída para nossa pecuária que possui algumas peculiaridades tão positivas, porém tão pouco exploradas.
Guilherme Sangalli Dias
Médico Veterinário CRMV/RS 8715
Assessoria Agropecuária Marcon S/C Ltda