Parte da opinião pública considera que a pecuária deve desaparecer da Amazônia, por associar a atividade ao desmatamento. Mas essa avaliação deixa de levar em conta que a produção de bovinos pode, sim, ser parte da solução para a manutenção da floresta em pé no bioma. Precisamos assumir a necessidade de fomentar uma pecuária diferente, que seja conduzida sem derrubar uma árvore (ao contrário, que os pastos possam ser consorciados com florestas) e que seja mais produtiva, gerando mais retorno ao produtor, sobretudo ao pequeno, a partir de práticas regenerativas, armazenando mais carbono e enriquecendo a terra. Isso não é um sonho.
A pecuária não vai sumir da Amazônia Legal repentinamente, dado que 42% do rebanho brasileiro está na região, ou seja, é uma questão de escala. Existem praticamente 60 milhões de hectares com pastos, segundo o MapBiomas, e 15% do PIB dos Estados da Amazônia Legal é representado por essa atividade. Além disso, há uma questão cultural – uma vez que uma parte significativa das famílias que emigraram para ocupar a região ao longo do século 20 e no início do 21 se dedicaram à produção de carne e leite. Esses pontos nos indicam que o desenvolvimento da pecuária na Amazonia não requer que a retiremos da região, dada sua escala, mas, sim, que haja a necessidade de mudança no processo de produção e nas políticas públicas em vigor.
O Brasil já tem diversas tecnologias avançadas desenvolvidas para o setor, que refletem uma produtividade maior e que são aplicadas por aproximadamente 22% dos produtores, abrangendo 31,8% da produção de bovinos (análise Athenagro a partir dos dados do IBGE). Além disso, sistemas integrados de lavoura-pecuária-floresta com biotecnologia e agricultura de precisão são um exemplo de tecnologias que ajudam a diminuir a emissão de gases de efeito estufa, com dados mostrando uma redução de 36% em consórcios de forragens com oleaginosas e leguminosas, como descreve a Embrapa. Mas e o que ocorre com os outros 80%?
Segundo o Censo Agropecuário do IBGE (2017), quase 500 mil propriedades na Amazônia estão nas mãos de pequenos produtores da agricultura familiar (83% das propriedades da região), sendo que 78% das propriedades geridas por agricultores ou agricultoras familiares têm pecuária. Isso representa 30% do total da área ocupada por propriedades rurais e mais de 200 mil famílias dependendo da atividade para sobreviver. Diante desse cenário, existe uma urgência em desenvolver alternativas que fomentem a adoção de práticas produtivas regenerativas e de baixo carbono na pecuária capazes de superar as barreiras socioeconômicas que acabam estimulando o desmatamento.
De acordo com dados do MapBiomas, existem hoje aproximadamente 10 milhões de hectares de áreas degradadas em propriedades de até 200 hectares na Amazônia (1/3 da área total de pastos com algum nível de degradação na Amazônia). Por aí seria um caminho para ampliar a produção rural no bioma e promover a inclusão produtiva e de renda. Entretanto, a maioria dos produtores pequenos e médios enfrentam três desafios principais na transição para uma pecuária mais regenerativa e sustentável: em primeiro lugar, falta de acesso a crédito de investimento com prazos e taxas de juros compatíveis ao retorno esperado para a recuperação de pastagem, dado que esse é um financiamento de mais longo prazo e mais difícil de conseguir.
Segundo aspecto: a dificuldade para acessar uma assistência técnica eficiente que promova efetivamente a melhoria da produtividade, via tecnologias, por exemplo, relacionadas à genética, ao manejo de pastagem e à suplementação alimentar. De acordo com o IBGE (2017), somente 9% da agricultura familiar da região Norte recebe alguma assistência técnica pública. Em terceiro lugar, e não menos importante, falta acesso a insumos com preços competitivos, por causa da pequena escala.
Podemos acrescentar ainda um quarto desafio: a conformidade na regularização ambiental e fundiária, presente em muitos casos e que inviabiliza a permanência na cadeia formal de negócios.
Tanto a fiscalização do poder público sobre o desmatamento ilegal como as políticas de rastreabilidade bovina realizadas hoje por empresas privadas que atuam na região são instrumentos essenciais para baixar o risco ligado à produção pecuária na Amazônia. Contudo, sozinhos, eles não conseguem endereçar esses desafios essencialmente econômicos e dos quais derivam problemas ambientais e sociais que assolam a Amazônia rural. Prova disso é que o desmatamento desde 2008 tem se mantido na faixa de 28% em relação ao desmatamento total no bioma Amazônico (IPAM, 2023).
Considerado esse cenário, é crucial que todos os setores da sociedade, inclusive a filantropia (por meio de capital catalítico), bancos de desenvolvimento (BNDES e outros) e o mercado financeiro (por meio de investimentos em startups de impacto e instrumentos de crédito), fomentem a escala de modelos de negócios que avancem na solução desses desafios, de maneira mais integrada, priorizando a inclusão dos pequenos produtores na cadeia formal da pecuária e a superação dos desafios estruturantes apontados.
O negócio de impacto Rio Capim Agrossilvipastoril, iniciado em 2023, é um exemplo que inova na cadeia da pecuária, incluindo pequenos produtores como parceiros comerciais, levando assistência técnica e crédito público para recuperação de pastagens, além de acesso ao mercados. Após o início do negócio, a Rio Capim e a gestora de investimentos Vox Capital se uniram para lançar um instrumento financeiro (CRA) de capital híbrido para captar mais R$ 100 milhões para financiar a escala do negócio.
Esse tipo de iniciativa deve ganhar escala, pois é essencial para a regulação do clima e para a inclusão do pequeno produtor de pecuária da Amazônia em uma atividade mais produtiva, com rastreabilidade desde o bezerro e sem desmatamento. Isso significa, no fim do dia, interromper a pressão para abertura de novas áreas, liberando áreas de pastagens degradadas para o plantio de florestas, de agroflorestas ou para regeneração natural, quando for o caso.
Em resumo, advogamos, sobretudo, a favor da inclusão dos pequenos produtores nesse processo. As pessoas não podem ser esquecidas nessa transição para uma economia de baixo carbono, pois elas são a chave para a sustentabilidade dos negócios. Caso fiquem de fora do processo, corremos um sério risco de agravar ainda mais as desigualdades socioeconômicas na Amazônia. A expressão da vez para mudanças climáticas em países como o Brasil é a Nature-based solutions, que significa soluções baseadas na natureza. Estamos propondo a Nature & People based solutions.
Andrea Azevedo é diretora-executiva do Fundo JBS pela Amazônia e integrante do comitê executivo da Uma Concertação pela Amazônia e conselho consultivo da Conservação Internacional- Brasil. Valmir Ortega é CEO da Belterra e da Rio Capim Agrossilvipastoril. Marcello Brito é secretário-executivo do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal (CAL).
Fonte: Valor Econômico.