Nos últimos cinco anos, a carne brasileira passou de coadjuvante a peça-chave no mercado dos Estados Unidos. De janeiro a maio de 2025, o país respondeu por 26,6% de toda a carne bovina importada pelos norte-americanos, segundo relatório da Datagro Pecuária, elaborado a partir de dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).
A escalada é considerável se comparada a 2020, quando essa participação era de apenas 0,5% na importação. Hoje, a carne brasileira já representa 5,4% da proteína bovina consumida internamente nos EUA. Os beef trimmings, pedaços remanescentes do desossamento, são os principais produtos importados.
“Essa categoria é a base do famoso ground beef, usado em hambúrgueres, carne moída e alimentos processados. Sem o Brasil, o mercado americano enfrentaria um gargalo importante”, afirma João Figueiredo, analista da Datagro.
Representando cerca de metade do consumo per capita de carne bovina nos EUA, a carne moída consumida no território americano é, na maioria, produzida a partir de fêmeas bovinas de menor padrão de qualidade, uma categoria atualmente escassa, devido ao processo de liquidação do rebanho local.
A escassez de fêmeas no território norte-americano é resultado de um ciclo prolongado de abates, que comprometeu a oferta interna de cortes usados para carne moída. A produção local tende a priorizar carnes de maior valor agregado, o que reduz a disponibilidade de insumos para produtos populares.
“Os Estados Unidos vivenciaram dificuldades em torno dos custos de produção, muito acentuados ao longo dos últimos anos, com perda de margem dos pecuaristas e problemas com sucessão familiar, o que prejudicou significativamente o rebanho”, relembra Fernando Iglesias, do Safras & Mercado.
De acordo com ele, apesar de os Estados Unidos terem condições de recompor seu rebanho e diminuir a dependência das importações, esse processo levará alguns anos, podendo ser concluído apenas no final desta década.
Com a carne brasileira respondendo por uma fatia crescente da base dos alimentos processados, o anúncio das novas medidas do presidente Donald Trump, que preveem uma tarifa adicional de 50% sobre produtos do Brasil, pode provocar um efeito dominó no bolso do consumidor americano.
“O setor mais afetado será o de alimentos processados, e o impacto no consumidor final pode ser expressivo, especialmente nos preços da carne moída e derivados”, analisa Figueiredo.
Neste caso, países como Austrália, Nova Zelândia, Argentina e Uruguai poderiam ocupar o lugar do Brasil e fornecer produto aos Estados Unidos. No entanto, segundo Iglesias, nenhum possui a escala, o custo e a competitividade do Brasil, país com a arroba bovina mais barata em dólares.
“Além disso, ao atender à demanda americana, eles deixam de atender outros mercados, aumentando o leque de possibilidade brasileiro. Ou seja, pode acontecer um rearranjo desta corrente de comércio global”, explica o analista do Safras & Mercado.
Para o Brasil, o impacto de uma possível retração nas exportações aos EUA seria moderado. Hoje, apenas 12,3% da carne bovina exportada pelo Brasil têm como destino os Estados Unidos.
Embora o governo brasileiro ainda não tenha sinalizado retaliações, a medida de Trump pode acabar ampliando a presença brasileira em mercados estratégicos, com possibilidade de avanço para destinos como China, Oriente Médio e Sudeste Asiático.
“O Brasil tem mais alternativas de venda do que os EUA têm de compra”, resume o analista da Datagro.
Fonte: Globo Rural.