Análise Semanal – 07/01/04
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9 de janeiro de 2004

Por quem os sinos dobram?

Este é o singelo título (que tomo emprestado), do romance escrito pelo norte-americano Ernest Hemingway, onde retratou a Guerra Civil Espanhola na década de 30. Hemingway, que lutou do lado dos legalistas republicanos, foi derrotado – dando vaza à ditadura do Marechal Francisco Franco y Bahamonde1 que governou a Espanha por décadas, com mão de ferro.

Assim como Hemingway, o nosso personagem de hoje – o citricultor brasileiro – também está saindo derrotado. Parecerá estranho que eu esteja falando sobre laranja em um site dedicado à pecuária de corte. Explico-me: (I) Se o prezado leitor, assim como eu, tiver a desventura de ter citricultura entre suas atividades rurais, este artigo deve interessá-lo. (II) Caso não, também talvez seja pertinente, pois este é o primeiro artigo de uma série que pretendo escrever para o BeefPoint, onde tentarei analisar as mudanças basais pelas quais está passando o agronegócio brasileiro, e, até onde minha cansada visão alcança, quais as conseqüências a advir.

Peço, portanto, permissão ao BeefPoint para dissertar sobre tema que lhe é estranho, prometendo porém, que este artigo é apenas uma peça dentro de um grande quebra-cabeça. À medida que outras peças forem se encaixando, acredito que a visão do todo se tornará mais cristalina. A cadeia de eventos que hoje analiso em relação à citricultura, não difere muito, como sistemática de análise, de outros setores agropastoris, inclusive carne bovina.

Sem maiores delongas, vou dar logo o meu recado:

A citricultura brasileira, tal como a conhecemos hoje, está condenada à extinção. Afirmação bombástica? Talvez. Mas nem por isso menos verdadeira. Vamos aos fatos:

– Na década de 50, boa parte das plantações de laranja no Brasil situava-se no estado do Rio de Janeiro, e, principalmente, no sul do estado de São. Paulo. Uma doença chamada “tristeza” dizimou estes pomares, e o replantio foi feito mais ao norte, na região de Araraquara. Como a terra ali era muito valorizada, os plantios subseqüentes da grande expansão das décadas de 70 e 80, foram realizados no norte de São Paulo e no Triângulo Mineiro. É daí que vêm mais de 60% da produção brasileira de citros.

– Hoje se constata que esta decisão foi um terrível equívoco agronômico. Não estou atribuindo culpa a quem quer que seja, apenas constatando uma infelicidade. Fato é que todas as pragas terminais que infestam a citricultura brasileira, começam em Minas e proliferam na região norte de São Paulo. Primeiro foi a CVC (amarelinho), depois um “soluço” de cancro cítrico, e agora a MSC (morte súbita), que parece ser a mais virulenta e fatal delas todas.

– O regime hídrico irregular, e principalmente, a constante elevação de temperaturas, têm efeito devastador sobre as floradas, que são abortadas inclusive quando o botão, em tamanho de azeitona, já deveria estar “garantido”.

– A combinação destes fatores com custos crescentes, preços e produtividade cadentes, podem levar – em poucos anos – a uma drástica alteração da citricultura brasileira, como a conhecemos hoje.

– A transferência dos pomares de Minas e norte de São Paulo para regiões de clima mais temperado, como o sul do estado de São Paulo, e parcelas do norte do Paraná, parece-me imperativo, para a sobrevivência do setor. Esta migração seria acompanhada pelas fábricas de suco, quase todas estabelecidas em regiões onde a cultura está se tornando inviável. Improvável? Nem tanto, do ponto de vista meramente técnico. Foi o que fizeram os citricultores da Flórida, cansados de serem castigados por sucessivas geadas. Hoje não se vê um pé de laranja em Orlando, ou Tampa – regiões citrícolas tradicionais. Foi tudo para o sul da Flórida, onde o custo de implantação de pomares é altíssimo, a começar pela drenagem de terreno pantanoso.

OK, então se transferem pomares e fábricas, e, apesar do prazo e custo para tal, ao menos o problema fica resolvido, e o Brasil volta a ser o maior produtor de laranja do mundo, título que, após mais de duas décadas invictos, perdemos para os EUA em 2003 (e em 2004, ao que tudo indica, idem). Certo? Infelizmente, não. Novamente, vamos aos fatos:

– Para que investimentos deste vulto sejam exeqüíveis, é necessário que a atividade seja potencialmente lucrativa. Exceto em casos pontuais, não o é. E nem o será tão breve.

– Como o mercado americano (o maior do mundo, e o único verdadeiramente fiel ao consumo de suco de laranja), hoje é basicamente auto-suficiente, as cotações de FCOJ (suco de laranja concentrado) na Bolsa de Nova York (NYCE – New York Cotton Exchange) têm pouco efeito sobre os valores de fruta e suco produzidos nos EUA. Mas têm enorme influência nos preços internacionais de suco de laranja. É aí que nós “dançamos”.

– Exemplo? O USDA (Ministério da Agricultura americano) anunciou recentemente safra recorde de laranja na Flórida, informando ao mesmo tempo, que a safra brasileira 2004/2005 deverá ser de 450 milhões de caixas, ou seja, o dobro da colheita de 2003/2004. Isto fez com que a cotação de suco de laranja na NYCE caísse, no final de dezembro de 2003, para US$ 0,65 por libra-peso, seu menor valor em 27 anos.

– Não foram divulgados de forma cristalina, os critérios que o USDA utilizou para superestimar a futura safra brasileira, mas ela é totalmente absurda, já que nenhum indicador sanciona esta conclusão: quantidade crescente de pés em produção; aumento de uso de fertilizantes e defensivos agrícolas diretamente destinados para a citricultura; condições climáticas mais favoráveis. Muito ao contrário, nada disto ocorreu.

Parece-me óbvia a intenção de nos prejudicar, através de manipulação de dados. Manipulação esta, aliás, que não se restringe à citricultura. Nos últimos dois a três anos o mesmo tem ocorrido em relação à soja, e, em menor grau, ao milho.

Esta prática desleal será tão mais intensa, e tão mais usada por nossos concorrentes internacionais, quanto mais ágeis e competitivos nós formos. E este tipo de atitude não se restringirá a um ou dois produtos, e sim a todos em que estivermos “incomodando”.

E o arsenal de armas que serão utilizadas contra nós será o mais variado: manipulação de dados de colheitas para influenciar cotações internacionais de “commodities”; obstáculos crescentes junto à OMC e ALCA; Manutenção de subsídios internos; Exportações a preço de “dumping”; Novas barreiras “não financeiras”, como ambientais, trabalhistas, e até bio-terrorismo. Escolha a sua.

Ah, ia-me esquecendo. O título do romance de Hemingway (e deste artigo), refere-se à pergunta de quem havia acabado de morrer na guerra civil espanhola, razão pela qual os sinos da igreja tocavam.

E o livro termina, com a seguinte resposta: “Não perguntes por quem os sinos dobram. Eles dobram por ti.”

1O Marechal Franco era, admita-se, assumido como ditador, intitulando-se “Caudilho da Espanha, pela Graça de Deus”.

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