Xico Graziano
A sociedade brasileira, infelizmente, enxerga sua agricultura com preconceito. Em decorrência, menospreza a importância da agropecuária na geração do emprego e da renda nacional. Pior, atribui ao setor rural uma pecha negativa: o moderno está na cidade, o atraso na roça.
Razões variadas explicam esse terrível preconceito. Suas origens remontam ao sistema latifundiário. Com a acelerada urbanização, o violento êxodo rural subverteu, em uma geração, os valores sociais: quem restou no campo virou passado. As distâncias geográficas do interior, a defesa ecológica, a confusão da reforma agrária, o endividamento rural, todos esses fatores explicam a prevenção contra o ruralismo. Pouco importa. A verdade é que a industrialização brasileira, principalmente pós-70, deixou o campo esquecido, entregue à própria sorte. Acabou isolado. Quase desolado.
Na linguagem popular, o apelido depreciativo é sempre rural. Fulano é burro, vá plantar batatas! A prostituta é galinha, ou vaca, o homossexual, veado! Nas finanças, o malandro é laranja. Que pepino, héin? Um grande abacaxi!
Ninguém usa comparações positivas: “Íntegro como boi, bonito qual jequitibá!” Na música, a sanfona, ou a viola, é brega. Pior de tudo, nas festas juninas, as professoras vestem as crianças com calças remendadas, chapéu de palha desfiado e, pasmem, dentes pintados de preto para parecerem banguelas! Triste país que deprecia suas origens.
Um misto de desinformação e preconceito impede que a agricultura ressalte sua força e seu valor. As mazelas do campo – ainda são muitas – suplantam, na mídia, os benefícios da modernidade rural. Enxergam seus problemas, mas não as vitórias alcançadas. Miopia cultural.
O Brasil colherá, neste ano, 97 milhões de toneladas de grãos, enquanto no começo da década estava nos 60 milhões. Trata-se de brutal aumento de produção. Mais surpreendente, o recorde de safra será colhido na mesma área cultivada, significando espetacular avanço na produtividade. Tecnologia de Primeiro Mundo.
O desempenho da safra de grãos não comprometeu, como na Argentina, a pecuária. Pelo contrário. No ramo animal, o País dá show mundial. A avicultura compete em qualquer canto do mundo. Nos bovinos, de US$ 300 milhões passamos para US$ 1 bilhão nas exportações de carne, sem aftosa nem vaca louca. A suinocultura ganha mercados na Rússia e Itália.
Simultaneamente, o consumo per capita de carnes aumenta no mercado interno, agora com o apoio da piscicultura. Proteína barata na mesa dos brasileiros.
Há seis anos, o Brasil havia sido transformado no maior importador mundial de algodão. Hoje, abastece a indústria têxtil e retoma suas exportações em 100 mil toneladas. O milho, pela primeira vez, ganha mercados externos: 3 milhões de toneladas serão vendidos no exterior. O açúcar, a soja e o suco de laranja têm posição consolidada no mercado internacional, enquanto a fruticultura começa a virar gente grande. Apenas o café sofre as agruras da concorrência mundial.
Somando-se todos os agronegócios, estima-se que 25% do produto nacional origina-se do campo, empregando 40% da força de trabalho, gerando US$ 15 bilhões de superávit na balança comercial. Sem essas divisas, o País quebrava. Sorte da cidade.
O suor dos agricultores e trabalhadores rurais conjumina-se com o avanço tecnológico. O Brasil encantou o mundo com o Projeto Genoma, decifrando o código genético da bactéria do amarelinho, praga que ataca a citricultura.
Agora, acaba de ser anunciado que a Embrapa vai exportar moscas estéreis e ácaros predadores para auxiliar no controle biológico da agricultura mundial, incluindo os Estados Unidos. O campo se transforma, avança, enquanto a ideologia urbana ainda enxerga o Jeca Tatu.
Sei lá o que passou na cabeça do Fernando Henrique quando mandou o PMDB descontente pegar o caminho da roça. Deve ter pensado: “Vá procurar seu rumo.” O Itamar não só vestiu a carapuça como enfiou chapéu de palha desfiado na cabeça. Fotografou sorridente, desdenhando seu desafeto. Sem saber, prestou grande homenagem ao atraso, cultuando o preconceito contra o campo.
Ora, o PMDB que resolva seus problemas. Mas, por favor, não agridam a agricultura com estereótipos. A roça quer participar da sociedade moderna, vencer seus desafios, eliminar suas desgraças. Ela é futuro, não passado.
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Xico Graziano é deputado federal (PSDB-SP)
1 Comment
Muito bom!