As cotações do boi gordo estão em queda. Desde novembro de 2004 (mês do pico), na média Brasil, já recuaram 8%. Isso em valores nominais. Considerando os preços deflacionados pelo IGP-DI, tem-se uma retração média ainda maior, 10%.
Vários são os fatores que sustentam o movimento, dentre os quais destacam-se:
1. Dólar frouxo: a valorização do real influi negativamente na margem dos exportadores.
2. Consumo fraco: internamente, as vendas de carne bovina estão travadas. No atacado, as cotações do traseiro e a ponta de agulha chegaram a recuar, respectivamente, 3% e 4% ao longo dos últimos dias.
3. Acomodação dos preços da carne exportada: após registrar uma recuperação em 2004, graças a uma significativa redução de oferta no mercado internacional, os preços da carne brasileira exportada praticamente estacionaram. Assim, diante do recuo do dólar, as margens dos exportadores estão achatando.
4. Oferta relativamente elevada: é safra. Além do mais, a estiagem severa que acometeu boa parte do país levou à uma desova de gado intensa. Fora isso, o abate de fêmeas se mantém elevado, já que os preços do bezerro insistem em não subir.
Por fim, há de se considerar que, em função do ritmo intenso de aplicação de tecnologia, impulsionado pela competição com a agricultura, os indicadores técnicos e zootécnicos da pecuária brasileira vêm crescendo num ritmo surpreendente, conforme exposto na tabela 1.
Tabela 1. Variações de índices técnicos e zootécnicos: Brasil x mundo
O resultado perverso da ação de todos esses fatores são as cotações deprimidas que vêm sendo praticadas hoje na compra de animais terminados. Em São Paulo, por exemplo, alguns frigoríficos já apregoam R$55,00/@, a prazo, para descontar o Funrural pelo boi gordo rastreado. Tal cotação, analisando uma série de preços deflacionados pelo IGP-DI, se aproxima da registrada em meados de 1996, algo em torno de R$54,00/@, provavelmente a mais baixa da história, conforme exposto na figura 1.
Figura 1. Cotação do boi gordo em SP em R$/@ deflacionados pelo IGP-DI
Figura 2. Cotações do boi gordo em MS em R$/@ deflacionados pelo IGP-DI
Tabela 2. Defasagens atuais das cotações do boi gordo no MS em relação a SP.
Tabela 3. Variações das cotações do boi gordo, insumos e inflação – 1994 a 2004
Pode-se dizer que a pecuária passa por um momento de provação. É hora de segurar as pontas e, talvez, repensar o modelo de gestão do negócio. A agropecuária brasileira está em transformação, não há espaço para pré-conceitos e comodismos. O produtor tem que acompanhar as mudanças, assim como as indústrias estão fazendo.
Há anos investindo em tecnologia – nutrição, sanidade, melhoramento genético e perenização de pastagens – o homem do campo precisa, mais do que nunca, aprimorar a gestão de custos. Em recente encontro em São Paulo, promovido pela BM&F em parceria com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, um dos diretores do maior grupo frigorífico do país veio com a seguinte afirmação: “Eu não ganho dinheiro comprando boi e vendendo carne, ganho dinheiro administrando o meu negócio”.
E não parou por aí. Após explicar como utiliza a Bolsa como instrumento de redução de riscos em quase 100% dos negócios, rebateu uma provocação sobre os preços baixos pagos aos produtores, demonstrando que, no dia 15 desse mês, um pecuarista estaria entregando no frigorífico alguns caminhões de boi a R$65,00/@, a vista, para descontar o Funrural. Tal cotação está quase R$11,00/@ a cima do preço de mercado vigente hoje. Para finalizar a explanação, disse: “Esse tipo de negócio estava aberto a qualquer um, não fez quem não quis”. Estava se referindo à opção de fechamento de contratos a termo, com entrega física, que o frigorífico vem disponibilizando há algum tempo.
A gestão de custos é um trampolim para a adoção de novas estratégias de comercialização. Fazer hedge na BM&F é uma opção. Verticalizar a produção, trabalhar com produtos diferenciados, negociar em bloco, formar cooperativas de abate etc. são outros modelos que podem dar certo.
O ideal é encontrar o modelo que melhor se encaixe à região e às necessidades do produtor, visando formar um ambiente de negócios mais estável e seguro. Como bem disse outro palestrante durante o evento na capital paulista: “O que consome o lucro é o risco.”
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Prezados Senhores:
Li com atenção a excelente análise do zootecnista Fabiano R. Tito Rosa.
Ao longo do período considerado – 1994 a 2004 – a pecuária brasileira avançou com firmeza em itens importantes como sanidade, produtividade, desfrute, etc.
O que aumentou significativamente a oferta de carne no mercado interno, e ainda possibilitou – concomitante com fatores externos – colocar o Brasil como líder mundial em exportação de carne bovina em 2004.
Entretanto, isso não se traduziu em melhor remuneração para o produtor – a exportação absorve apenas algo em torno de 25 % da produção – já que o preço histórico da arroba de boi gira em torno de 18 a 22 dólares, e está dentro deste parâmetro atualmente. Ocorre, como apontado na análise, há um aumento de custo de produção, que achata a margem de lucro do pecuarista.
A carne é um produto de alta elasticidade e seu grande destinatário é o consumidor do mercado interno, e de baixa renda. Assim, devemos levar em conta o avanço das carnes alternativas, na mesa deste consumidor. O frango hoje é um grande concorrente do boi – 6 a 7 milhões de toneladas – e o peixe está avançando… as carnes suínas, ovinas e caprinas abocanham também uma fatia do mercado…e, ainda correndo por fora, javalis e avestruzes…
Em síntese, o que temos na conjuntura atual é uma oferta firme ante uma demanda fraca – é a velha lei.
No curto prazo não vejo como os preços da arroba possam melhorar, e no médio/longo prazo a saída é o mercado externo, que tem melhor poder aquisitivo que o nosso.
E mais, com a pujança da produção de grãos – especialmente soja e milho – boi e frango precisam ser encarados como subprodutos da agricultura.
Cordialmente,
Antonio Carlos de S. Messias
Economista e pecuarista de corte, há 40 anos
Caro Fabiano
Primeiramente, gostaria de parabenizá-lo pelo brilhantismo da avaliação e análise apresentada no artigo em questão. Espetacular. Tudo perfeitamente correto, escrito com uma clareza impar, muitíssimo bem ilustrado. Confesso que tenho me aproveitado muito dos materiais que você tem produzido.
Permita-me, sem querer ofender, mas usando da mais profunda humildade e senso de colaboração, fazer uma pequena observação conceitual, mas que julgo de grande importância. Temos visto muito, principalmente em materiais divulgados pela Esalq, a divulgação de dados “corrigidos” ou “atualizados” que, erroneamente, têm sido apresentados como dados “deflacionados”. Existe uma diferença muito grande entre dados corrigidos e dados deflacionados. Dados corrigidos são aqueles que, ao serem atualizados por um indexador qualquer, são trazidos para uma data presente, nos dando a idéia do valor aos quais se referem, em uma base mais próxima do dia de hoje. Estão expressos, digamos assim, em valores atuais ou valores presentes. Este é o caso do gráfico, tão significativo, que você apresentou no seu trabalho, onde os valores foram corrigidos para os dias de hoje.
Por um outro lado, os dados deflacionados são aqueles que, mediante a aplicação de um deflator ou um indexador que retira o efeito da inflação da base de dados, apresentam os valores aos quais se referem, em uma data determinada do passado. Estes dados deflacionados, como não carregam mais o efeito da inflação em sua composição, são também denominados de valores reais.
Eu, pessoalmente, dou preferência por trabalhar com dados deflacionados. Acredito que esta alternativa nos dá uma visão mais consistente da movimentação dos preços. Tenho uma base de dados do preço do boi gordo, em Mato Grosso do Sul, que cuido de atualiza-la mensalmente. A data base é 01/07/1994, data da virada do Real (R$). Nesta data o preço pago a vista pela arroba de boi foi de R$21,72. Para março de 2005 o valor real da arroba praticada no Estado, portanto deflacionado, foi de R$14,00.
Consequentemente, com base nos preços praticados em 1 de julho de 1994 estamos com uma defasagem de menos 35,56%. É mole? Com os aumentos de preços de insumos e outros produtos apresentados por você no artigo em questão, podemos, perfeitamente, afirmar que as pessoas que fazem pecuária neste País são verdadeiros heróis e brilhantes em gestão de negócios.
Fabiano, desculpe-me, mas tomei esta liberdade, principalmente, em função da qualidade dos materiais que você têm apresentado, na condução do seu trabalho de analista de mercado. A qualidade daquilo que você está produzindo contribui, favoravelmente, para a construção da sua imagem profissional. Não o conheço, pessoalmente, mas creia, o vejo de forma muito positiva.
Receba um sincero e fraterno abraço.
Walter Magalhães Junior
Em função do que foi exposto no artigo em questão, podemos chegar a conclusão de que os pecuaristas e técnicos do setor estão necessitando mais é de cursos de capacitação e treinamento em gestão de negócios, principalmente com ênfase em comercialização, pois, no que se refere a tecnologias de produção (genética/manejo/nutrição) o setor já vai muito bem conforme nos mostram as tabelas que nos foram apresentadas.
Resumindo: É a hora de mudarmos o enfoque.
Parabéns pelo excelente artigo.