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Professor Pedro de Felício comenta o episódio da vaca louca

Equipe BeefPoint

Em entrevista concedida ao site BeefPoint no último dia 6 de abril, o médico veterinário Pedro Eduardo de Felício comentou as conseqüências do desentendimento entre Brasil e Canadá sobre a doença da ´vaca louca´ e deu a sua opinião sobre a atuação da mídia na apuração dos fatos. Pedro de Felício também falou sobre o preparo da cadeia produtiva da carne no Brasil para a competição no mercado mundial, e de que forma a rastreabilidade se encaixa neste processo.

Pedro de Felício

BEEFPOINT: Passado o ´carnaval da vaca louca´ entre o Brasil e Canadá, qual é a sua avaliação final sobre o episódio?

PEDRO DE FELÍCIO: O Brasil está tomando uma série de atitudes que não teria tomado se não fosse a atitude prepotente e drástica do Canadá em relação ao Brasil no último dia 2 de fevereiro. Entre essas atitudes mais importantes, está o rastreamento – aliás, o levantamento do gado importado da Europa indicou um número muito maior do esperado. A Instrução Normativa nº 8, publicada em fevereiro, exigindo que os criadores comuniquem quando tiverem que sacrificar esses animais, retirando-os da cadeia alimentar, é uma coisa muito boa para o consumidor. Era uma medida necessária, que o governo tomou tardiamente, mas acabou tomando, e que acabou ajudando na avaliação do nível de risco feito pelo Comitê Científico de Bruxelas. O Comitê provavelmente estava esperando medidas desse tipo, e hoje estamos com risco 1, que significa praticamente a inexistência da BSE. Assim, a situação ficou muito boa para o Brasil, e principalmente para o consumidor. O Canadá retirou o embargo a partir do momento em que a missão canadense constatou, pressionada politicamente ou não, que os abates desses animais europeus estavam sendo canalizados para o consumo interno, e nunca para a exportação. Os brasileiros é que estavam comendo a carne…

O Comitê Científico de Bruxelas calcula em 5% o risco de que os animais importados venham a apresentar doença, tanto vindo de países como a França (onde há a constatação da doença), como de países onde a doença está incubada, como é o caso da Alemanha e Suíça. A gente espera que o governo esteja realmente monitorando esses animais que estavam espalhados por aí, que já deveriam estar sob um controle.

BP: Como a mídia se comportou na cobertura dos fatos?

PF: A mídia foi completamente levada e manipulada pelo governo. A mídia acreditou na história e contestou muito pouco qual foi o papel e a verdadeira responsabilidade das autoridades brasileiras em tudo isso, com raríssimas exceções, como a Gazeta Mercantil, a Folha de São Paulo, e o site BeefPoint, que antes da crise acontecer já vinha levantando os problemas. Fora isso, foi apenas uma repetição, um eco do que saia do Palácio do Planalto. O que as pessoas ficaram sabendo é que o Brasil estava sendo agredido pelo Canadá, por conta de uma disputa de fabricantes de aviões – que era o que interessava para o governo brasileiro. A mídia deveria ter procurado as verdadeiras raízes do problema.
O nosso governo disse e todo mundo acreditou que todo o nosso gado é criado a pasto, e isso não é verdade. Nós temos muito gado leiteiro comendo ração, muito gado leiteiro em sistemas mistos de produção, com suínos e aves, e muito gado até comendo cama de frango com resíduos de farinha de carne. A mídia parecia estar interessada em ajudar o governo, promovendo um patriotismo.

BP: Qual é a sua avaliação sobre o preparo da cadeia produtiva da carne do Brasil para a competição no mercado mundial?

PF: Analisando o segmento de produção, a comercialização no mercado interno e a comercialização no mercado externo, eu diria que o segmento produtivo é o mais bem preparado. Tem um potencial gigantesco e já vem se materializando com a produção de mais de 30 milhões de bovinos para o abate. A qualidade dos animais que estão sendo levados para o abate é cada dia melhor, a olhos vistos na indústria, pelo menos do que a gente tem visto da própria raça nelore, que é a mais numerosa, a melhoria de padrão do gado é significativa.

O segmento da indústria está altamente preparado em termos de instalações, nas indústrias que realmente são exportadoras. Mas elas descuidam um pouco da questão da palatabilidade. Não há nenhuma preocupação de como o consumidor no mercado, tanto interno quanto externo, está avaliando a qualidade sensorial do produto, a maciez e o sabor da carne. Não há uma preocupação em saber o que é que o consumidor pensa quando, por exemplo, ele compra um contra filé brasileiro.

A Austrália, que é um dos nossos concorrentes, realiza testes em vários países para detectar o que pensa o consumidor sobre a qualidade da carne, do ponto de vista da qualidade de mesa, na hora de consumir.

Eu espero que as indústrias brasileiras não se preocupem apenas com o marketing internacional, também cuidem da nossa retaguarda em termos de defesa sanitária e qualidade de palatabilidade. A indústria exportadora está bem tecnologicamente, tem um bom sistema de inspeção federal, mas precisa estar mais atenta à opinião do consumidor.

O segmento de comercialização interna precisa pensar na carne também sob a ótica do consumidor, e não tratá-la apenas como uma mercadoria de competição. É necessário que haja mais atenção com a conservação, e saber qual é a qualidade percebida pelo consumidor e também pesquisar sobre o que seria ideal, o que seria conveniente na hora do preparo em casa. Isso também se estende aos restaurantes. Como é que eles gostariam de encontrar essa carne?

Há alguma inovação por parte do Carrefour e do Pão de Açúcar, mas ainda é só um início. Rastreabilidade, certificação de origem fazem parte do grande trabalho que precisa ser desenvolvido.

BP: A pecuária de corte tem passado por grandes mudanças especialmente a partir da década de 90. Para onde estamos caminhando?

PF: A pecuária tem tido grandes progressos, principalmente com a estabilização da moeda, passando a batalhar por maior rentabilidade da produção. Há muito mais a fazer, principalmente no melhoramento genético do gado. Tem gente que acha que modernidade é cruzar o gado zebu. Modernidade é selecionar o gado que nós temos e que agüenta as temperaturas tropicais. E nós temos reprodutores para isso, nós temos material genético. Falta difundir esse material, fazer com que ele chegue até o produtor comercial de uma maneira mais simples e barata. Os empresários da pecuária estão percebendo que esse é um bom negócio e já estão investindo nisso.

BP: Rastreabilidade e certificação da produção de carnes serão nichos de mercado, destinado a uma pequena parcela da população, ou uma tendência generalizada?

PF: O Brasil precisa encontrar um caminho viável para fazer a rastreabilidade dos animais que serão destinados para a exportação. Eu entendo que as indústrias têm que se organizar, de tal forma que elas dêem um incentivo para o bom fornecedor de gado. É preciso identificar inicialmente o boi magro, que vai para a engorda, futuramente o bezerro desmamado, e mais futuramente ainda, a longo prazo, o bezerro recém nascido. Eu não vejo como querem implantar nada de passaporte animal no Brasil nesse momento. O momento pede uma identificação do boi magro e um bom controle em computador da procedência de cada um deles.

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