Antonio Carlos Lirani1
Talvez a mais temerária afirmação que uma pessoa poderia fazer nos dias de hoje, seria dizer que é um especialista em rastreabilidade de qualquer produto, em especial, em rastreabilidade bovina. Existem muitas indefinições nesta área, já do ponto de vista acadêmico e agora, começam aparecer as dúvidas, do ponto de vista prático, para a implantação do SISBOV – Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem. Existem interpretações para todos os gostos.
A rastreabilidade foi introduzida no nosso dia-a-dia, com um paradigma ou modelo, conceitualmente errado, que é o de “rastrear um caminhão de frota que usa um dispositivo (“chip”) o qual pode ser localizado por uma antena ou por satélite”. Um modelo correto de ser usado, seria o “recall” das montadoras de automóvel, que através da rastreabilidade de seus produtos, conseguem identificar quais os veículos devem ser chamados, para a substituição de determinada peça que apresentou defeito de fabricação ou de montagem. Esta confusão de modelo, tem dificultado muito o entendimento da rastreabilidade e criando problemas para a sua implantação, no Brasil.
Faltam palavras no Português para diferençar, do inglês, o “tracing” do “tracking”, de um produto. O “tracking”, que poderíamos traduzir por “trilhagem – seguir a trilha de”, se aplica para seguir um objeto, como o caminhão de frota. O “tracing”, que gera a “traceability” (a nossa rastreabilidade), se aplica para retornar sobre os rastros (“traces”) do produto para levantar suas localizações e utilizações passadas.
Na verdade, parece mesmo que a palavra rastreabilidade, sequer existe na Língua Portuguesa e talvez, por isso, não foi citada uma única vez no texto da Instrução Normativa nº 1/2002, que institui o SISBOV. Vale perguntar: Seria o SISBOV o sistema brasileiro de rastreabilidade, ou é apenas um sistema de identificação bovina? Preferimos acreditar que seja a “nossa” rastreabilidade, traduzida em bom Português, para “monitoramento animal”. Além desta, muitas perguntas ainda dependem de respostas.
Certificação ou Operação?
Uma pergunta que nos tem sido feita, é se a rastreabilidade deve ser certificada ou se é apenas uma tecnologia ou uma ferramenta que deva ser, simplesmente, implantada e operada. Em outras palavras, a rastreabilidade deverá ser ofertada, aos elos da cadeia produtiva, por uma certificadora ou por uma operadora de rastreabilidade?
A nossa opinião, é que a rastreabilidade deve ser ofertada por operadoras de rastreabilidade – empresas especialmente criadas para oferecer serviços de identificação e registro dos movimentos e manejos dos animais, em bancos de dados, suporte aos empresários usuários destes serviços, garantindo a precisão e integridade da identificação do animais e dos dados armazenados, de forma a permitir que os processos de rastreamento, sejam realizados com sucesso, sem perda de informação na cadeia produtiva.
As operadoras de rastreabilidade, por sua vez, poderiam ser certificadas de conformidade de suas operações, em relação às regras e padrões estabelecidos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e pelas exigências do mercado importador, em especial, da Comunidade Européia.
É fácil entender as certificações de qualidade e de origem de um produto de uma empresa, mas a certificação de rastreabilidade, não é de fácil entendimento ou compreensão. Se considerarmos os padrões convencionais de qualidade da carne bovina, como maciez, sabor, etc., podemos encontrar carne de qualidade sem ser rastreável e por lado, encontrar carne rastreável sem a menor qualidade. Conclui-se que, a rastreabilidade, por si só, não garante a qualidade da carne e nem mesmo a segurança alimentar de quem a consome.
A rastreabilidade garante, unicamente, se for identificada contaminação em um corte de carne, que o histórico de localização e utilização dos cortes e do próprio animal em pé, poderá ser levantado, com precisão, para que seja feita, rapidamente, uma investigação que identifique as causas e permita conter o seu eventual avanço. Isto poderá trazer maior segurança na cadeia alimentar e evitar grandes prejuízos, como o sacrifício de animais de forma indiscriminada.
Nunca é demais lembrar que a função da rastreabilidade é: “encontrar o histórico de localização e utilização de um produto, por meio de identificação registrada”. Ou seja, o levantamento de dados feito sobre os “rastros” do animal e seus cortes, é passado para os responsáveis pela investigação, a qual deverá ser feita nos vários locais identificados pelo rastreamento, onde deverão encontrar todos as informações necessárias, nos registros individuais de cada animal.
É de esperar, que a simples implantação da rastreabilidade e seus controles, embora não seja seu objetivo, venham aperfeiçoar os manejos e regras e assim, contribuir para a melhorar a qualidade e segurança alimentar da carne.
Desta forma, nos parece mais razoável que os conceitos de qualidade e de origem sejam estendidos de forma a incluir na sua lista de requisitos, também a rastreabilidade, se já não o foram. Assim, produtos somente poderiam receber seus certificados de origem e/ou qualidade, se fossem rastreáveis, o que equivale a dizer, se seus produtores estiverem integrados à um sistema de rastreabilidade.
Assim, as certificadoras de origem, qualidade, etc, passariam a exigir das empresas certificadas, a implantação da rastreabilidade, serviço que seria contratado das operadoras de rastreabilidade, devidamente credenciadas, pelo MAPA.
A exigência de certificação de rastreabilidade, será um complicador para a implantação do SISBOV. A certificação, é um processo demorado, ou pelo menos não imediato e normalmente, de alto custo para ser implementado em uma empresa. Não bastasse, existe o conflito de interesse pois, por definição, uma empresa não pode certificar a sua própria operação, o que deve ser feito por empresa neutra.
A rastreabilidade no Brasil, ou o SISBOV, precisa ser implantada de forma rápida, inteligente e precisa, características da iniciativa privada, sem entraves burocráticos ou regras de rigidez desnecessárias que venham atrapalhar a normalidade de implantação. Os desafios naturais impostos pelo tamanho do território brasileiro e dos nossos rebanhos bovinos e bubalinos, somados à heterogeneidade de perfil dos empresários do setor, já são mais que suficientes para tirar o nosso sono.
E, por fim, uma pergunta: “as certificadoras de rastreabilidade, operariam os sistemas de rastreabilidade para os seus clientes ou somente certificariam que estes possuem sistema de rastreabilidade ?”
Conclusão
É necessário o urgente anúncio, pela SDA do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, das regras e padrões mínimos, técnicos e de compatibilização multisistema, que atendam aos interesses do país e às exigências dos importadores, acrescido do incentivo ao aparecimento de empresas operadoras de rastreabilidade, com suas metodologias, equipamentos e equipes próprias, num ambiente de livre concorrência, possibilitaria a implantação, sem traumas, do sistema brasileiro de rastreabilidade, o SISBOV. O tempo urge. O prazo dado pela Comunidade Européia está passando e já “perdemos um mês”.
Quando deste anúncio, será importante a SDA-MAPA rever os conceitos de “certificadora” x “operadora” de rastreabilidade. Quem certifica não pode operar e o Brasil precisa, urgentemente, de empresas que “operem” a rastreabilidade.
Em tempo, é preciso que se oficialize a palavra rastreabilidade no nosso dicionário, pois esta não apareceu uma única vez na normativa n.º 1/2002 do MAPA. Há poucos dias, tive longo debate com importante organização internacional do ramo de identificação, pois esta dizia que o SISBOV era apenas um sistema de identificação animal e não o Sistema Brasileiro de Rastreabilidade, e nós afirmávamos o contrário. Afinal, quem está certo?
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1INTERall Informática Ltda.