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Rastreabilidade, como e por quê

Fernando de Mesquita Sampaio1

Palavra em voga ultimamente, sobretudo entre profissionais da carne, a rastreabilidade pode ser definida como sendo a correspondência única entre uma referência e um produto, identificado por lote ou individualmente.

Há vários anos a rastreabilidade vinha sido praticada por industriais de diversas áreas por necessidades de gerenciamento. Controlar os riscos e garantir a qualidade, assim como assegurar uma transparência durante todo o processo industrial.

Particularmente no setor agroalimentar europeu, crises como a da vaca louca, da dioxina belga e da contaminação por salmonela na França evidenciaram o papel e a necessidade da rastreabilidade.

Mais do que uma ferramenta de gestão, a rastreabilidade passou a ser um argumento comercial, e cada vez mais uma exigência.

A metodologia da rastreabilidade definindo o contexto

Antes de tudo, é preciso responder a questão: Por que minha empresa precisa de rastreabilidade?

Mandamento n.1: “Nunca subestime o consumidor.”

O consumidor quer saber o que ele come, de onde veio, como foi feito.

É preciso saber o que ele espera do meu produto, e também como ele enxerga os produtos concorrentes.

A rastreabilidade dá transparência à cadeia alimentar e confiança ao consumidor.

Respondendo suas questões, conseguimos também consolidar nosso mercado.

Em relação aos meus clientes a rastreabilidade se transforma em argumento comercial.

Num contexto de forte concorrência, toda iniciativa em melhorar a qualidade de um processo industrial aumenta o potencial de confiança do cliente.

Se a minha empresa tem rastreabilidade disponível e os meus concorrentes não, eu já saí na frente e tenho uma vantagem em relação à concorrência. Quando todo mundo tiver rastreabilidade essa vantagem vai desaparecer, mas se todo mundo tiver e eu não, sei que minha empresa será certamente penalizada no mercado.

Em relação a minha própria empresa, a rastreabilidade torna-se uma ferramenta de gerenciamento que me permite descobrir aonde ocorrem as falhas no meu processo industrial, o rendimento desses processos, que fornecedores me permitem melhor rendimento, em que estado encontra-se meu estoque e aonde foi parar meu produto.

Resta perguntar:

– que nível de rastreabilidade serei capaz de assegurar aos meus clientes?

– existiriam outros elementos da cadeia agroindustrial do meu setor de atividade que se interessariam em participar de um processo de rastreabilidade?

– Ha regulamentações oficiais existentes ou em projeto sobre a rastreabilidade no meu setor?

O plano de ação

Pôr em prática a rastreabilidade pode ser mais difícil do que parece, apesar de saber o que quero, resta encontrar os meios técnicos de realização, estabelecer um orçamento compatível com os benefícios gerados, treinar pessoal e modificar funções.

Devo criar um prazo para a instalação do sistema e verificar se há perdas de tempo e rendimento, e integrar a rastreabilidade ao gerenciamento da empresa.

Avaliar o sistema

Auditorias sobre o sistema devem ser previstas para acompanhar a evolução e eficácia do sistema. Devemos descobrir se é necessário e/ou possível melhorar a rastreabilidade.

Um exemplo francês de rastreabilidade no setor de carnes

Criar um sistema de rastreablidade dentro da sua empresa pode ser fruto de várias situações.

Os frigoríficos de carne bovina na Europa após a primeira crise da vaca louca em 96, foram obrigados pela legislação a adotar um sistema de etiquetagem e identificação de animais, carcaças e produtos cárneos. A indústria de alimentação animal também foi alvo regulamentações que obrigam a uma maior transparência na produção de rações.

No entanto em 97, a INTERBEV (espécie de Câmara Setorial da Carne reunindo produtores, industriais e distribuidores franceses) criou a marca “Viande Bovine Française”.

Todo o setor tomou voluntariamente a iniciativa de ir além da legislação e de exigir no sistema de identificação a menção de origem, local de abate e tipo racial.

A garantia era que a carne que apresentasse a marca “VBF” seria proveniente de animais nascidos, criados e abatidos em território francês.

Com uma campanha de marketing associada, a França praticamente guardou para si todo seu mercado interno.

Vamos tomar agora o exemplo de um frigorífico francês que saiu na frente na corrida da rastreabilidade.

A SOVIBA (Société des Viandes Bretagne-Anjou), uma empresa filiada à Cooperativa CANA/CAVAL, é o terceiro maior frigorífico da França, produzindo cerca de 110 000 toneladas de carne bovina por ano, um volume de negócios de cerca de 580 milhões de Euros, dos quais 75% no mercado interno e 25% na exportação.

A princípio a rastreabilidade foi uma exigência sobretudo dos clientes alemães, os maiores clientes da França no mercado europeu. Percebendo o potencial mercadológico da rastreabilidade, a Soviba estabeleceu um objetivo de garantir a rastreabilidade completa do produto, para que o consumidor, através de um número inscrito na bandejinha de carne do supermercado, soubesse exatamente a origem daquela carne.

Nas fazendas de gado francesas, cada animal possui um DAB (Documento de Acompanhamento Bovino), que funciona como um passaporte do animal. Nele estão escritos o lugar e data de nascimento, local de engorda, sexo, o tipo racial e a raça, a raça dos progenitores, os controles de vacina e o número dos dois brincos de orelha que lhe foram dados pelo serviço veterinário francês na ocasião de seu nascimento. Esse número é a identidade do boi e na hora do abate, os brincos e o DAB têm que conferir, se não este animal será vendido como não-VBF, ou seja não rastreável.

No abate, a carcaça recebe uma etiqueta que contém todos os dados do DAB. Carcaças com as mesmas características em peso, conformidade, gordura e cor, são agrupadas em lotes.

Quando a carcaça é cortada em quartos, cada quarto recebe uma etiqueta idêntica com um número de lote.

Na desossa, cada novo lote é anunciado e cada peça vai receber uma nova etiqueta que a acompanhará até o cliente.

É o cliente que decide a precisão da rastreabilidade definindo o tamanho dos lotes. O lote pode ser composto de um, cinco, dez ou vários animais, o que dá mais ou menos precisão à rastreabilidade na hora da busca de informações.

O método de rastreamento pode ser resumido no quadro 1.

No caso da carne moída e de hambúrgueres, músculos de diferentes lotes serão misturados em uma cuba segundo o teor em gordura. Nesse caso cada cuba preparada recebe um número de mistura que pode ser associado com os números dos lotes usados na fabricação. É o número de mistura que aparecerá na etiqueta do produto final.

Certificação

A rastreabilidade também pode servir a certificação de produtos. A diferença é que aqui devemos responder as exigências criadas pela entidade certificadora.

Os meios existentes

Uma vez definido o contexto, devo verificar de que meios disponho para instalar a rastreabilidade.

Trata-se de elaborar um esquema de vida do meu produto e de verificar a cada etapa do processo a minha capacidade de identificar o produto e de que maneira.

Quais são as falhas do sistema de identificação e quais são os riscos em cada etapa?

Como a identificação e o registro de dados são feitos atualmente: papel, informática, código de barras?

Além disso, devo também verificar de que meios dispõem meus fornecedores e clientes, para garantir que eles também tenham uma maneira de conservar as informações e de garantir o rastreamento do produto.

Determinando objetivos

Devo compreender antes de tudo o funcionamento do sistema de rastreabilidade:

– entrada de informações
– tratamento das informações (paralelamente ao processo de transformação industrial)
– restituição de informações

As questões agora são:

– que tipo de informação eu desejo rastrear?
– e de onde até onde?
– E dessas informações, quais eu vou passar aos meus clientes e aos consumidores?
– As informações registradas podem me ajudar a analisar outros parâmetros na minha empresa?

Na Europa, diferentes certificações (agricultura orgânica, origem controlada, label rouge, certificado de conformidade) exigem diferentes níveis de rastreabilidade.

Segurança

Trabalhando com o sistema HACCP de controle de qualidade, o frigorífico seria capaz de encontrar um lote com problemas e retirá-lo do mercado mesmo após a expedição ao cliente.

Quadro 1
A HACCP, “Hazard Analysis of Critical Control Points” é um sistema reconhecido e recomendado pelo Codex Alimentarius como a melhor maneira de garantir a segurança alimentar.

É um sistema que permite identificar e avaliar os riscos em cada etapa e de definir métodos de controle destes riscos.

Comunicação

A Soviba foi também pioneira em utilizar os dados da rastreabilidade em comunicação e marketing.

Em um contrato feito com uma rede de supermercados da região parisiense, terminais de computadores conectados por internet ao banco de dados do frigorífico foram instalados na seção de carnes das lojas. O consumidor tem então a possibilidade de consultar na hora da compra a origem da carne, digitando simplesmente o número inscrito na etiqueta da bandeja. O terminal dispõe também de receitas e outras informações úteis ao consumidor.

Em relação a seus fornecedores, o banco de dados nos permite localizar a origem das carcaças de melhor qualidade. São analisados os rendimentos em carne, a qualidade sanitária, o pH e o estado de engorda. Futuramente outros parâmetros poderão ser adicionados ao banco de dados como cor, por exemplo, já que carnes claras e escuras têm mercados de destino diferentes. Os países do sul da Europa em geral (Portugal, Espanha, Itália e Grécia) dão preferência à carne clara.

Estudos estão sendo feitos para disponibilizar toda a informação gerada pela rastreabilidade aos fornecedores, assim cada pecuarista saberá exatamente a qualidade dos animais que está enviando ao abate. Formas de recompensar financeiramente os melhores fornecedores também são previstas em um futuro próximo.

Conclusão

A rastreabilidade está sendo na Europa uma exigência em praticamente toda a agroindústria, em produtos que vão desde vinho, passando por carne e legumes até iogurtes.

O enorme investimento que foi feito na Soviba, sobretudo em sistemas informáticos, provavelmente levará ainda algum tempo para ser amortizado, mas seu pioneirismo foi recompensado pela preferência de um número expressivo de novos clientes. Além disso, benefícios paralelos foram e podem ser gerados pela enorme quantidade de informações armazenada pelo sistema.

Os frigoríficos brasileiros certamente não ignoram o interesse da rastreabilidade e já deram passos importantes no assunto.

Talvez a criação de programas de adesão voluntária entre a indústria e os pecuaristas seja uma idéia para a evolução do setor como um todo. Mesmo que o mercado interno ainda não esteja preparado, ou seja, pequeno para pagar o investimento, o mercado externo provavelmente não será indiferente.

Quadro 2: Exemplos de diferentes certificados para hambúrgueres:

Quadro 2
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1Engenheiro agrônomo pela ESALQ – USP e especialista em produção animal e mercado de carne e leite pela ecole superieure dángers França

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