A produção global de carnes deverá mais que dobrar de 229 milhões de toneladas em 1999/2001 para 465 milhões de toneladas em 2050, mas a maior parte desse aumento deverá ocorrer na China, na Índia e no Brasil (1). Os principais desafios que a indústria de carnes e animais enfrenta são: mudança climática e aquecimento global através do aumento da emissão de gases de efeito estufa; o efeito dos pastos nos ecossistemas; a preservação da biodiversidade; a oferta e uso eficiente de água; a competição pelo uso da terra e a negociação com a comunidade para o uso; e o mais importante, o fornecimento de uma boa nutrição para a comunidade. Somente adotando uma abordagem sistemática a indústria de carnes e pecuária se tornará mais sensível do ponto de vista ambiental, enquanto simultaneamente fornece lucratividade e igualdade social.
Introdução
A produção global de carnes deverá mais que dobrar de 229 milhões de toneladas em 1999/2001 para 465 milhões de toneladas em 2050, mas a maior parte desse aumento deverá ocorrer na China, na Índia e no Brasil (1). A maior demanda por carne e produtos animais deverá ser ainda mais forte do que a de outros itens alimentícios e será direcionada pela urbanização das populações e pelo aumento na renda (1). A Austrália é o segundo maior exportador de carne bovina e de vitelo do mundo. De fato, as exportações de carne bovina e de vitelo são as de maior ganho do setor agrícola do país. As produções de lã e produtos lácteos também estão entre os 15 produtos de exportação de maior rendimento. Então, o setor de carnes e animais tem um papel primário e crescente não somente na economia agrícola, mas também, na economia australiana.
A carne é também um importante determinante de saúde humana e da dieta. Mesmo depois da projetada duplicação na demanda global por produtos de origem animal até 2050, os níveis de consumo per capita de carne nos países em desenvolvimento não serão mais da metade do nível dos países desenvolvidos (1). A maior preocupação com o aumento no consumo mundial de carnes é o fato de que o setor pecuário já gera estresse em muitos ecossistemas e contribui para problemas ambientais globais (2).
Os principais desafios que a indústria de carnes e animais enfrenta são aqueles enfrentados por muitas indústrias na Austrália. Os desafios incluem: mudança climática e aquecimento global através do aumento da emissão de gases de efeito estufa; o efeito dos pastos nos ecossistemas; a preservação da biodiversidade; a oferta e uso eficiente de água; a competição pelo uso da terra e a negociação com a comunidade para o uso; e o mais importante, o fornecimento de uma boa nutrição para a comunidade, tudo isso precisando ser superado enquanto se gera retorno econômico através de uma cadeia de fornecimento para produtores, processadores e comunidades rurais. Somente adotando uma abordagem sistemática (isto é, avaliando a agricultura, o meio-ambiente, a dimensão econômica e social de qualquer problema) a indústria de carnes e pecuária se tornará mais sensível do ponto de vista ambiental, enquanto simultaneamente fornece lucratividade e igualdade social.
Uso da terra para pastagem
Atualmente, a pastagem e o cultivo de grãos para a produção de alimentos para animais são responsáveis pelo maior uso da terra da humanidade, ocupando mais de 3,4 bilhões de hectares ou 26% da superfície terrestre sem gelo, tornando essa a forma mais extensiva do uso da terra do planeta (1). O crescimento no setor pecuário tem consistentemente excedido o do setor de agricultura. Apesar de a demanda total por produtos de origem animal nos países em desenvolvimento estar prevista para mais que dobrar até 2030, a demanda por esses produtos nos países industrializados como a Austrália vem crescendo a taxas mais lentas e a produção animal neste grupo de países deverá crescer de forma lenta no período projetado.
Nos países em desenvolvimento, os sistemas extensivos de pastagem têm tipicamente aumentado a produção pela expansão do rebanho ao invés de aumentos substanciais na produtividade. Entretanto, globalmente a participação de mercado desses sistemas extensivos está declinando com relação a outros sistemas de produção. Além disso, a disponibilidade de pastagem está decrescendo, pela usurpação de terras cultiváveis, degradação da terra, conflitos e assim por diante. Sendo assim, o espaço para mais aumentos nos números de rebanhos nesses sistemas extensivos de pastagem é limitado.
Os cinco países com a maioria da área em sistemas de pastagem são Austrália (4,4 milhões de km2), China (4,0 milhões de km2), Estados Unidos (2,4 milhões de km2), Brasil (1,7 milhões de km2) e Argentina (1,4 milhões de km2) (3). Entretanto, se a medida é baseada na fração da área total de terra de cada nação usada para pastagem, então Mongólia, Botsuana e Uruguai lideram, com 80%, 76% e 76%, respectivamente (3). Os países com as maiores taxas de animais por área (baseado em unidades animais ou UA) são Malásia (320 UA/km2), Índia (272 UA/ km2), Coreia do Norte (213 UA/ km2) e Vietnã (184 UA/ km2); Outros são encontrados na Europa Central e Oriente Médio. Países contendo grandes extensões de terra de sistemas áridos de pastagem, como na Austrália, Argentina e Estados Unidos, têm relativamente baixas taxas de animais por área (3).
Esses dados mostram que a Austrália tem uma área maior de terra destinada às indústrias de carne e animais, criados a pasto a uma taxa menor de animais por área comparado com a maioria dos sistemas mundiais e devido em grande parte aos sistemas áridos de pastagem usados para a maior parte da produção; um sistema considerado frágil para pastagem.
Assim, a indústria de carnes e animais da Austrália é vista por ativistas ambientalistas como a maior ameaça ao meio-ambiente. Oponentes da indústria de carnes usam a internet para criticar a indústria em seus registros ambientais e propor alternativas dietéticas para o consumo de carne. Em resposta, a indústria de carnes e animais precisa planejar e implementar estratégias para reduzir suas pegadas ambientais e, se possível, melhorar o meio-ambiente enquanto se mantém sensível às expectativas da comunidade urbana, bem como das comunidades rurais.
Emissões de gases de efeito estufa e mudança climática
Na Austrália, a principal preocupação ambiental atual da comunidade é a mudança climática. Evidências científicas para mudança climática são agora devastadoras: a mudança climática é uma séria ameaça global e demanda uma resposta global urgente.
Evidências sobre o aquecimento global associadas com a mudança climática levantadas pelo Stern Report (4) apresentaram uma conclusão simples: os benefícios de uma ação forte e precoce superam de longe os custos econômicos de não agir. O relatório também concluiu que a mudança climática afetará elementos básicos da vida das pessoas em todo o mundo – acesso à água, produção de alimentos, saúde e meio-ambiente. Independente de qual modelo climático é usado, um aumento da temperatura média de pelo menos 0,6ºC até 2030 já é previsto para o sul da Austrália, com o aumento devendo ser menor nas regiões costeiras e maior no interior. Considerando as emissões da cadeia inteira de commodity, a produção pecuária contribui atualmente com cerca de 18% do efeito de aquecimento global sendo responsável por cerca de 9% das emissões de dióxido de carbono, mas de 37% de metano e 65% de óxido nitroso (2).
Desta forma, a indústria de carnes e animais é uma importante contribuinte para a mudança climática global. Na Austrália, 15,7% dos gases de efeito estufa surge da agricultura, o que é uma proporção muito grande (5). A agricultura é o contribuinte mais significante de metano (59,5%), com a maior parte desse gás produzida por animais ruminantes como consequência do metabolismo ruminal (5). Como o metano é 23 vezes mais capaz de gerar aquecimento do que o CO2, qualquer redução no metano teria consequentemente um grande impacto proporcional na redução das taxas de CO2 equivalentes na atmosfera.
A Austrália tem estado na frente do mapeamento da contribuição da agricultura e em planejamento de métodos para reduzir o impacto do metano da agricultura. Entretanto, a produção de metano é uma parte integral da economia de hidrogênio do rúmen, que direciona o metabolismo de energia microbiano. Além disso, estudos moleculares do metabolismo do metano do rúmen indicaram uma ecologia e especialização muito mais complexas do que se pensava anteriormente (6).
Sendo assim, é improvável que a contribuição dos gases de efeito estufa dos animais da Austrália seja reduzida em um futuro próximo via redução dos metanógenos (bactérias que produzem metano) na ecologia do rúmen, e mais provável é a redução na produção total de metano através de vias de crescimento rápido como recomendado pelos protocolos do Meat Standards Australia (MSA) e do Sheep Meats Eating Quality (SMEQ), para carne bovina e de cordeiro, respectivamente. O aumento nas temperaturas médias no sul e leste da Austrália durante os primeiros anos deste século foi associado com um declínio observado nas chuvas nessas zonas temperadas da Austrália. Ao mesmo tempo, as chuvas aumentaram em zonas pastoris do centro e noroeste da Austrália.
Existem propostas para uma mudança da produção de carne bovina para essas zonas do noroeste, onde já existem pastagens e estocagem de água para irrigação de colheitas, que melhorará a vantagem dos potenciais aumentos das chuvas.
Atualmente, Western Australia tem somente 2,1 milhões de cabeças de gado do rebanho nacional de 27,78 milhões, ou seja, menos de 8% e em proporção a sua população relativa. A maior parte do rebanho (71% de produção de carne bovina e de vitelo) está localizada no Estado de Queensland (região central e sudoeste) e New South Wales (região norte e oeste), onde modelos climáticos prevêem que haverá somente efeitos marginais das chuvas.
Dessa forma, qualquer mudança nas chuvas em Queensland e New South Wales como resultado da mudança climática não levará à necessidade de mudanças de grande escala nas operações pecuárias nessas regiões. Embora o aumento ou a mudança de parte da produção de carne bovina para o noroeste de Western Australia possa parecer uma resposta estratégica apropriada para o aquecimento global, existem outras questões como problemas ambientais inerentes em todas as zonas de produção.
A mudança para o norte restringirá a mistura de raças e necessariamente aumentará a proporção de Bos indicus no perfil nacional de carnes, principalmente por causa da adaptação superior e saúde nos climas tropicais das raças indicus. O melhoramento genético foi o pilar das pesquisas durante os dois primeiros Beef Cooperative Research Centres (CRCs), mas essas foram centradas em raças de Bos taurus, particularmente Angus. Haverá uma acelerada seleção genética molecular para características de qualidade no atual CRC para Tecnologias Genéticas da Carne Bovina, grande parte disso voltada ao B. indicus, principalmente para aumentar a qualidade de consumo do gado tipo Brahman, mas também, em parte, para acomodar mudanças na indústria de carne bovina com a mudança climática.
O rápido aumento no entendimento da constituição genética desses animais deverá ter um impacto importante na criação. O melhoramento genético pode ser acelerado pela identificação direta de genes que afetam não somente características importantes para o desempenho econômico ou resistência a doenças, mas também, para adaptação a condições ambientais adversas, como mudança climática e aquecimento global.
Manutenção da biodiversidade
A manutenção da biodiversidade através da preservação da floresta ou áreas de conservação de alto valor é uma prioridade para a política de conservação do Governo, mas o uso da terra para a produção de carne não deve simplesmente significar destruição de habitat. Apesar de as terras de agricultura conterem grande parte da biodiversidade da Austrália, a contribuição relativa das práticas agrícolas para a conservação ou redução da biodiversidade é pouco conhecida.
A conservação da biodiversidade não funcionará sem a proteção do que sobrou dos habitats originais, mas a comunidade também precisa reconhecer a contribuição da terra de agricultura e as práticas de manejo. Existem diferentes respostas em regiões amplamente diferentes da Austrália. A magnitude da cessão da pastagem e a região da Austrália são ambos determinantes significantes da preservação da biodiversidade vegetal.
Por exemplo, nas zonas áridas de pastagem de South Australia, o desenvolvimento pastoril tem um efeito predominantemente negativo na abundância de espécies a nível regional: 16 espécies eram menos abundantes em pastos do que em terras que nunca tinham sido desenvolvidas e somente uma espécie era mais abundante (7). Entretanto, as tendências localizadas dentro dos pastos foram mais positivas: significantemente mais espécies mostraram tendências de aumentar a abundância com a maior proximidade de pontos de irrigação e associado com a atividade de pastagem (7).
Assim, a localização e o funcionamento dos pontos de água e a pressão de pastagem são importantes para preservar a biodiversidade nessas zonas. Nos pastos subtropicais de Queensland, uma série de intensidades de pasto na escala da paisagem ajudou a otimizar a conservação de plantas herbáceas (8). Entretanto, a pressão econômica para aumentar a intensidade da pastagem pode reduzir a biodiversidade de plantas, porque com pastagem não seletiva, maiores tufos de pasto tenderam a ser substituídos por um pasto mais plano, o que foi um habitat inferior para vertebrados e muitos invertebrados (8).
Por outro lado, níveis médios de pastagem mantiveram a biodiversidade e a função do ecossistema (8). Incêndios em zonas subtropicais são um contribuinte conhecido significante para as emissões de gases de efeito estufa, bem como para a perda da biodiversidade, de forma que o manejo de pastagens subtropicais para reduzir os riscos de incêndios é essencial para preservar a biodiversidade.
Grande parte da indústria de carnes está localizada ao redor de rios e zonas ripárias, seja próximo da costa seja no interior. Os habitats ripários são limites de sistemas terrestres e aquáticos, são importantes para suportar altos níveis de biodiversidade e são poderosos indicadores da qualidade da bacia fluvial. Nessas zonas ripárias, as atividades de pastagem e pisoteio de animais têm importantes impactos negativos na vegetação e solo à beira dos rios (9).
Embora não defendendo a exclusão da produção em pastagem em zonas ripárias, Jansen e Robertson em 2001 propuseram uma redução no número de animais por área, particularmente nas partes superiores da bacia fluvial, dando um descanso aos pastos para permitir a recuperação, e o fornecimento de pontos de água fora do rio pode ser usado para melhorar os habitats ripários (10). Dessa forma, a indústria de carnes da Austrália tem informações sobre manejo de recursos naturais e deve ser capaz de implementar manejos apropriados de pastagens para reduzir os impactos ambientais na biodiversidade. Falta um mapeamento mais amplo da biodiversidade e informações sobre como as práticas de pastagem na indústria de carne pode melhorar ou sustentar a biodiversidade em conjunto com zonas de conservação.
Referências bibliográficas
1 Food and Agriculture Organisation (FAO) Committee on Agriculture. Managing Livestock-Environment Interactions. COAG 2007/4. Rome: FAO, 2007.
2 Food and Agriculture Organisation (FAO). Livestock´s Long Shadow. Environmental Issues and Options. Rome: FAO, 2006.
3 Asner GP, Elmore AJ, Olander LP, Martin RE, Harris AT. Grazing systems, ecosystems responses, and global change. Ann Rev Environ 2004; 29: 261-99.
4 Stern N. The Economics of Climate Change: The Stern Review. Cambridge: Cambridge University Press, 2006. ISBN-13: 9780521700801.
5 Australian Greenhouse Office. National Greenhouse Gas Inventory 2005. Canberra: Commonwealth of Australia, 2007. ISBN: 978-1-921297-22-9.
6 Wright A-DG, Williams AJ, Winder B, Christophersen CT, Rodgers SL, Smith KD. Molecular diversity of rumen methanogens from sheep in Western Australia. Appl Environ Microbiol 2004; 70: 1263-70.
7 Landsberg J, James CD, Maconochie J, Nicholls AO, Stol L, Tynan R. Scale-related effects of grazing on native plant communities in an arid rangeland region of South Australia. J Appl Ecol 2002; 39: 427-44.
8 McIntyre SK, Heard M, Martin TG. The relative importance of cattle grazing in subtropical grasslands: does it reduce or enhance plant biodiversity? J Appl Ecol 2003; 40: 445-57.
9 Robertson AI, Rowling RW. Effects of livestock on riparian zone vegetation in an Australian dryland river. Regulated Rivers Res Manage 2000; 16: 527-41.
10 Jansen A, Robertson AI. Relationships between livestock management and the ecological condition of riparian habitats along an Australian floodplain river. J Appl Ecol 2001; 38: 63-75.
Artigo baseado no trabalho de Nick D Costa chamado “Reducing the meat and livestock industry´s environmental footprint”, Nutrition & Dietetics, Volume 64, Issue s4, Pages S185-S191, de agosto de 2007.
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Muito bom o artigo, Juliana.
Os desafios ambientais da Austrália são imensos, pela carência hídrica e fragilidade do ecosistema.
A pesquisa é financiada pela união dos produtores (associações de classe) com os órgãos públicos, tendo em vista o objetivo comum. A proteção ambiental é regida pelo mesmo princípio.
Uma grande nação.