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Ricardo Burgi: pecuária intensiva e rentabilidade


A Boviplan foi fundada em 1985, quando Ricardo Burgi concluiu o seu trabalho de mestrado com bagaço hidrolisado de cana-de-açúcar. A repercussão do assunto foi grande e em dois anos foram realizados 35 projetos de confinamento atrelados a usinas, demanda que proporcionou oportunidade para estruturar a empresa. Apesar de ter iniciado com um assunto específico de confinamento usando subprodutos da usina de cana-de-açúcar, posteriormente aumentou-se a demanda por manejo de pastagens, recria e outras áreas da pecuária. Atualmente, a Boviplan trabalha com intensificação da pecuária envolvendo o sistema por completo, em todas as suas fases, incluindo controle de gestão e elaboração de orçamento.

A Boviplan é uma das principais empresas de consultoria do país, contando com uma equipe de 8 profissionais e mais de 40 clientes em diversos estados brasileiros e no exterior, como Bolívia, Paraguai, Irã e África. O perfil dos clientes da empresa é bastante variado, incluindo o produtor que quer iniciar suas atividades na pecuária, pecuaristas tradicionais que vivem somente da pecuária e empresários da agroindústria. Os projetos variam bastante, podendo ser desde a contratação de um trabalho específico na propriedade, como por exemplo, planejamento, implantação e assessoria de um confinamento, até contratos para o acompanhamento de todo o sistema. O cliente da Boviplan está em busca de um trabalho profissional, para produção em escala, o que dependendo do processo de intensificação, está diretamente relacionada com a necessidade de produção de silagens, motivo pelo qual a Boviplan é especialista no assunto.

Ricardo Burgi concedeu essa entrevista ao BeefPoint onde fala sobre a pecuária intensiva concorrendo com a agricultura e avanços do setor nos últimos tempos.

BeefPoint: Quais foram as mudanças ocorridas na cadeia da carne e na mentalidade do pecuarista, nesses últimos 20 anos?

Ricardo Burgi: Existem grandes diferenças, principalmente em relação à busca de técnicas de suplementação animal na seca. Algumas tecnologias que já eram conhecidas, como por exemplo a utilização de uréia e sal proteinado, sofreram uma grande aceitação do pecuarista, especialmente nos últimos 5 a 6 anos. O manejo rotacionado de pastagens também teve uma ampla aceitação nos últimos 7 a 8 anos. Outro fato importante foi o abate de animais mais jovens. Atualmente, em sistemas mais intensivos, encontram-se animais sendo abatidos com 3 e até 2 anos de idade.

BFP: Atualmente é melhor para trabalhar com consultoria do que quando a Boviplan começou?

Ricardo Burgi: Acho que sempre foi bom. Atualmente temos maior concorrência devido ao maior número de profissionais no mercado, porém, existem mais pecuaristas que aceitam o trabalho de consultoria.

BFP: Como é a sua visão em relação à entrada da agricultura em áreas de pecuária e a questão da alta rentabilidade das culturas agrícolas que acabam pressionando a uma maior intensificação em pecuária de corte?

Ricardo Burgi: Trabalhamos com pecuária intensiva, portanto, a substituição da pecuária pela agricultura raramente ocorre. No caso dos nossos clientes, a pecuária tem condições de competir com culturas agrícolas de alta rentabilidade. Naturalmente que a soja hoje é muito atrativa com os altos preços, porém, o foco principal não é a rentabilidade da agricultura e sim a rotação da agricultura para reforma de pastagens. Não tivemos nenhum caso entre os nossos clientes com inserção de agricultura em mais de 25% da área total.

BFP: Qual indicador de performance você utiliza para determinar a rentabilidade da fazenda?

Ricardo Burgi: Retorno sobre capital. Para os nossos clientes com sistemas já estruturados, o retorno sobre capital, corrigido pela inflação, varia entre 9-13% ao ano para sistemas com ciclos completos e 17-18% ao ano para sistemas de recria e engorda.

BFP: Quais são os impactos da maior exigência do consumidor por qualidade, na atitude do pecuarista e na cadeia da carne como um todo?

Ricardo Burgi: No último ano, os frigoríficos decidiram claramente o tipo de boi a ser abatido. Nesse caso, o pecuarista que trabalhava sem sistema de cruzamento teve dificuldades. Do ponto de vista sanitário, existem esforços sendo despendidos. O pecuarista está entendendo que qualidade é importante. Porém, de um modo geral, o produtor tem pago muito caro para alcançar esse diferencial de qualidade. Muitas vezes, o frigorífico fornece um diferencial por arroba para atender uma demanda temporária e o pecuarista se estrutura para trabalhar num padrão de qualidade que provavelmente não garante um retorno no futuro.

BFP: Qual a sua visão sobre a evolução do confinamento no Brasil?

Ricardo Burgi: Existem várias estratégias de produção concorrendo com o confinamento, como por exemplo, a utilização de sal proteinado, sistemas de semi confinamento, técnicas de diferimento de pastagens. É difícil quantificar o número de bois confinados abatidos no país, mas creio que não será mais de 20%, pois se isso ocorrer pode-se perder a atração do diferencial de preço.

BFP: Qual a posição do confinamento dentro de um sistema “mais natural”?

Ricardo Burgi: Primeiramente, é necessário definir o que é “natural” e depois analisar, se é um sistema viável. Para contrabalançar um sistema com menor eficiência, como por exemplo uma taxa de lotação menor, é preciso ter um diferencial de preço por arroba. Em pecuária de corte existe uma grande desuniformidade técnica da produção, existem várias raças, vários sistemas de produção, várias regiões produtoras e, eu particularmente acho que nós devemos manter esse sistema, para que a cadeia da carne tenha sempre uma multiplicidade de produtos para atender os mais variados mercados e não ser como o frango, que apresenta um padrão de produção igual na França, na Arábia Saudita e no Brasil.

BFP: Qual a relação entre o perfil do produtor e o tipo de estratégia que ele utilizará para a suplementação nas secas?

Ricardo Burgi: Na nossa experiência, do ponto de vista de implantação e manutenção do sistema, é mais fácil para o pecuarista que nunca trabalhou com agricultura iniciar a conservação de forragem com silagem de capim, o qual pode ser utilizado como pasto se necessário. No caso do pecuarista ser também agricultor, ele terá muitas alternativas de conservação de forragem, como por exemplo milho, sorgo, cana-de-açúcar; e até como segunda cultura, para ocupar área em pousio. Portanto a utilização do volumoso depende muito do perfil do pecuarista.

BFP: Quais são as principais limitações para utilização de silagem de capim, por exemplo?

Ricardo Burgi: Preço do maquinário é a principal limitação. A qualidade dos equipamentos vem melhorando, mas o preço é muito elevado.

BFP: Essa dificuldade também se aplica para silagem de cana-de-açúcar?

Ricardo Burgi: Para cana-de-açúcar não seria a mesma situação, pois as colheitadeiras de forrageiras de linha possuem preços inferiores às colheitadeiras de forrageira de área total. O problema das colheitadeiras de forrageira de linha disponíveis no mercado é a baixa durabilidade quando utilizadas para colheita de cana-de-açúcar.

O preço do maquinário para forrageira de linha está na faixa de 6 a 10 mil reais, significativamente inferior ao investimento acima de 30 mil reais necessário para adquirir o maquinário para forrageira de área total. Esta opção seria provavelmente para pecuaristas com mais de mil bois. Para sistemas de produção menores, as opções seriam trabalhar com silagem de forrageiras de linha, como cana-de-açúcar, milho, ou então adquirir um maquinário usado. Em algumas regiões existe a terceirização da produção de silagem, no entanto depende da localização da fazenda e os contratos precisam ser muito bem feitos.

0 Comments

  1. Artur Gouveia dos Anjos disse:

    Ótima entrevista, me fez entender algumas dificuldades apresentadas por alguns produtores.

    Parabéns!