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Rueda, o redentor de uma potência nacional: o porco

Nascido em São José do Rio Pardo, a 258 quilômetros da capital paulista, Jefferson Rueda lembra do porco no quintal de casa. À noite, ele e o pai iam para a área externa decidir o jantar e, eventualmente, o animal virava o prato principal. Cozinhando desde os sete anos, titular do cardápio de casa desde a adolescência, Rueda construiu sua carreira de chef em salões sofisticados da gastronomia paulistana, mas nunca esqueceu o porco.

No Pomodori, no Itaim, região de classe média alta na zona sul paulistana, começou a usar a linguiça. No Attimo, na Vila Nova Conceição, bairro não menos abastado da capital, botou pururuca no couvert. No paralelo, começou a desenvolver uma técnica de preparo do que é batizado hoje como Porco San-Zé, inspirado em uma receita clássica do interior, o porco à paraguaia. Apresentou-o em eventos, como a Virada Cultural, transformou-o em uma marca de sua cozinha, e viu as pessoas começarem a ir ao restaurante onde trabalhava para comê-lo – e saírem frustradas.

“O porco à paraguaia era assado com osso, com tempero injetado na hora, com o que eu não concordava. A forma de assar era a mesma, mas o meu é desossado, uso outros temperos, ele fica marinando por cinco horas, depois vai para a câmara fria”, explica o chef. Foi com esse porco que ele começou a espalhar a palavra suína. Até que não deu mais para tratá-lo como projeto paralelo.

“Em novembro de 2014, fui convidado para cozinhar no G11, evento que reuniu os melhores chefes do mundo, e assei um porco. Quando o Ferran Adrià disse que tinha comido o melhor porco da vida dele, naquele momento decidi que ia abrir essa casa”, lembra, na mesa que divide a cozinha do salão do A Casa do Porco, no centro de São Paulo, aberto por ele em outubro de 2015.

Alguns fatores pesaram na decisão. Ficar mais perto da família, no centro, foi um deles, uma vez que ele morava na região com a mulher, a chef Janaina Rueda, e os filhos e seu outro restaurante, o Bar da Dona Onça, aberto em 2008 e cuja cozinha é comandada por Janaina, também fica nas redondezas.

Recuperar a experiência como açougueiro em Rio Pardo, aos quinze anos, e a ideia de manipular um animal por inteiro, foi outro. “Todo mundo fala em sustentabilidade, mas o paulistano só quer comer filé mignon, contrafilé e picanha, o que acontece com o resto do animal, fica no pasto?”, provoca.

Mas a principal razão da nova casa estava na celebração de uma carne que sofreu de preconceito e que, ao longo dos anos, foi ganhando merecido novo status. O trabalho de Rueda e o sucesso que ele faz desde a abertura são um símbolo maior desta mudança.

“Não dizem que não pode comer porco malpassado? Eu pus logo um tartar de porco no cardápio. É que nem manga com leite. A gente precisa educar as pessoas”, conta o chef, fazendo referência a Cisticercose, doença durante anos atribuída de forma equivocada ao consumo de carne de porco pouco cozida.

 (Foto: Fernando Moraes/VEJA.com)

“O porco é uma carne democrática, que não se perde nada do bicho, do focinho ao rabo, as ninhadas são grandes, não precisa de muito espaço para ser criado. E um corte caro de porco hoje vai custar 23 reais o quilo, enquanto um de boi pode chegar a 150 reais o quilo”, defende Rueda.

Segundo números publicados em junho de 2016 por VEJA SÃO PAULO, o Bar da Dona Onça, inaugurado em 2008, e A Casa do Porco, aberta em outubro de 2015, recebem cerca de 25.000 clientes e faturam em torno de 1,8 milhão de reais por mês. Rueda tem apenas um sócio, majoritário na primeira casa e minoritário na segunda, oriundo do agronegócio e que, segundo ele, pouco interfere no direcionamento das casas, mas muito ajuda na parte financeira.

A carne suína é a proteína animal mais consumida no mundo. E o Brasil é o quarto mais produtor do planeta. Segundo a Pesquisa Trimestral Agropecuária, divulgada semana passada pelo IBGE, o abate de suínos atingiu seu melhor segundo trimestre desde 1997, com 10,62 milhões de cabeças entre abril e junho de 2017. A própria justificativa do Instituto mencionava a “mudança no gosto do brasileiro, que passou a consumir mais carne de porco” e o “preço menor em relação à carne bovina, normalmente a preferida pelas famílias”.

A carne suína, além de uma indústria fundamental no universo da proteína animal no Brasil, tem sua força essencialmente voltada ao consumo interno. De uma produção estimada em 3,759 milhões de toneladas de carne suína em 2017, crescimento de 0,7% em relação ao ano anterior, menos de 20% é destinado à exportação. Em 2016, foram apenas 19,4%, destinados principalmente para Rússia e Hong Kong, e este ano é a exportação será 5,4% menor (as 693.000 toneladas de carne suína mandadas para fora do Brasil em 2017 preveem uma receita de mais de 1,5 bilhões de dólares).

“Essa redução foi puxada por um mercado consumidor interno demandante, o que significa consumo consolidado”, diz Ricardo Santin, vice-presidente de Mercados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). Ou seja, ainda que em proporções pequenas, a produção cresceu e a exportação diminuiu nos últimos doze meses, o que consolida a vocação para o mercado interno. “O Brasil reúne uma série de características que o tornam muito competitivo na produção de proteína: tem área, terra, água, produz muito milho e muita soja, o que o torna um grande criador de suínos e frango”, explica Nilo de Sá, diretor executivo da Associação Brasileira dos Criadores de Suínos (ABCS).

Ainda assim, o consumo per capita de carne suína do brasileiro é considerado baixo. Apesar de ser o quarto maior produtor de carne suína do mundo, atrás da Rússia, que registrou 52,990 milhões de toneladas em 2016, e foi seguida de longe por toda a União Europeia (23,400 milhões de toneladas) e pelos Estados Unidos (11,319 milhões de toneladas), o brasileiro consome 14,4 quilos por ano, e isso pouco variou nos últimos cinco anos.

“A carne bovina tende a ficar mais cara, como vem acontecendo há décadas, e isso fez com que a Europa Ocidental explorasse a carne suína”, conta de Sá. “Lá, a média de consumo é um pouco mais de 40 quilos per capita por ano”, completa.

Segundo Santin, o novo status da carne de porco entre os chefs e as famílias tem uma razão principal de ser. “Ela é uma proteína que tem menos gordura entremeada em suas fibras, você tira a parte gordurosa e tem uma carne magra, saudável. Os chef perceberam que, quando bem preparada, a carne suína é mais saborosa. Não é à toa que ela é a carne mais consumida no mundo”, resume.

A principal batalha das entidades de classe foi provar que ela é uma carne leve. “Em pesquisas, quando a gente perguntava o motivo da pessoa não consumir carne suína, apareciam dois: o fato de transmitir Cisticercose, o que é mentira, e de ser uma carne gorda, associada a leitoa, torresmo, banha. No mercado, todo melhoramento genético dos últimos trinta, quarenta anos, foi voltado para a eficiência de carne, foi feito um trabalho justamente para se ter uma carne mais leve, isso em todo o mundo”, revela Nilo de Sá.

Segundo dados da ABPA, as cadeias avícola e suína têm um Produto Interno Bruto (PIB) total de 80 bilhões de reais e são responsáveis por 1,756 milhão de empregos diretos.

Enquanto o porco consolidar o lugar de destaque à mesa, o papel de Jefferson Rueda na divulgação desse novo mundo só deve crescer em 2018. “Estou preparando um livro sobre o cenário do porco no Brasil, com o pesquisados Rusty Marcellini, que deve sair ano que vem, e vou viajar pelo Brasil para falar do porco em cada região”, adianta.

Antes disso, ele abre, no aniversário de São Paulo (25 de janeiro) um novo espaço exclusivamente dedicado ao Hot Pork, a salsicha de porco que ele levou dois anos desenvolvendo, que também sairá em uma versão vegetariana. Em fevereiro, ele lança novo cardápio da Casa do Porco e no mês seguinte deve abrir seu novo projeto, uma sorveteria, cujo conceito ainda está sendo definido. A nova casa será aberta em sociedade com Aiko Izawa, a confeiteira da Casa do Porco que ganhou o título de melhor de 2017 no prêmio 50 Best América Latina.

Fonte: Artigo de Jardel Sebba, de Exame Hoje.

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