Por Luciano Médici Antunes1
Finalmente, após mais de três anos de intensas discussões, aparece uma luz no fim do túnel do mais polêmico assunto da pecuária nacional. E, desta vez, não é o farol da locomotiva que vem para nos atropelar.
A oficialização da participação do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO) no Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina (SISBOV) é uma das melhores notícias dos últimos meses para o segmento.
Abalada por problemas cambiais, suspensão de mercados e quedas expressivas e repetidas no preço da arroba, a cadeia da carne vê-se obrigada a encontrar soluções que mantenham a sua viabilidade.
Considerada por todos os elos como peça fundamental desta reconstrução (do produtor ao governo, passando pelas indústrias e chegando aos consumidores) a rastreabilidade ganha agora chance real de firmar-se, ter credibilidade nos mercados interno e externo e cumprir seu papel principal: a valorização de nossa carne por meio do acesso a mercados compradores que permitam a agregação de valor ao produto devido às maiores garantias sanitárias que um sistema desta monta possibilita.
A entrada do INMETRO traz tons técnicos à discussão antes passional e, em pouco tempo, o produtor hoje inseguro passará a ter certeza de estar percorrendo um caminho correto.
Itens como sistemas de identificação, acompanhamentos de trânsitos, bases de dados – centralizadas ou não – e protocolos de produção serão elevados a padrões internacionais, aceitos pela maioria dos mercados, tendo como base regras e protocolos ISO GUIA 65, conjunto de normas nos quais se faz o credenciamento de organizações certificadoras de produtos.
As certificadoras e empresas de sistemas de identificação, por sua vez, passarão a ter que cumprir exigências e normas rígidas, dissipando-se o atual desconforto pela falta de padronização de procedimentos e amadorismo de alguns agentes envolvidos.
Os produtores – mais importante elo desta cadeia e responsáveis pela produção que nos possibilitou esta posição de líder mundial na exportação de carnes – serão chamados a sua responsabilidade, com protocolos e processos claramente definidos.
Com isso, o SISBOV passará a poder também cumprir seus papéis secundários, mas não menos importantes tais como o apoio ao sistema de Defesa Sanitário e ao programa nacional de prevenção à EEB, mais conhecida como Mal da Vaca Louca (hoje somos o único país do mundo aonde estes programas não trabalham de forma integrada).
Ou seja, o produtor continuará a ter a opção de aderir ou não ao Sistema (não obrigatório) e terá uma série de alternativas de como fazê-lo, entre elas, a rastreabilidade completa oferecida pelo SISBOV com todas as correções de rumos que serão implementadas.
Não podemos também esquecer o crescente nível de exigência dos mercados internacionais motivados a descobrirem barreiras não-tarifárias que permitam maior poder de barganha em negociações transnacionais que possam passar ao largo dos longos e atentos braços da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Ao assistirmos Uruguai, Argentina, Estados Unidos, Chile, Austrália e todos os demais competidores internacionais avançarem rapidamente na implantação de seus sistemas, inclusive colocando prazos para que todos seus rebanhos estejam rastreados antes do final desta década, respiramos aliviados com a ação tomada pelo governo, nos restando neste momento dar as boas-vindas ao INMETRO e os parabéns ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) por tão importante decisão.
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1Luciano Médici Antunes, Engenheiro Agrônomo, Presidente da Associação das Empresas de Rastreabilidade e Certificação Agropecuária (Acerta) e Diretor Geral Planejar Brasil
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Caro Luciano,
Seria cômico se não fosse trágico, levar 3 anos para se chegar no óbvio. Quanta perda de tempo e de energia. Que estas palavras não tirem o mérito do seu trabalho à frente da ACERTA e também da nova equipe do MAPA que vem trabalhando com mente aberta para a correção de rumo do SISBOV. Todos merecem os nossos aplausos.
Se me permite, vou aproveitar o gancho, conectando o seu artigo ao também excelente artigo do Dr. Pedro de Felício sobre Sócrates e seus paradoxos, onde em resumo, fala sobre a falta de conhecimento daqueles que legislam e tomam decisões. Assim, registro algumas linhas, digamos um lembrete, uma vez que já não me entusiasma mais escrever artigos, como o fiz durante estes 3 citados anos ou mais. Conseguimos a adesão voluntária e agora a Certificação, real, das certificadoras.
Não vamos parar por aqui. Recomendo a todos os envolvidos em assuntos de certificação de origem e rastreabilidade que leiam, ATENTAMENTE, o documento da Comunidade Européia (CE), de 20 de dezembro de 2004, sob o título “GUIDANCE ON THE IMPLEMENTATION OF ARTICLES 11, 12, 16, 17, 18, 19 AND 20 OF REGULATION (EC) No 178/2002 ON GENERAL FOOD LAW – CONCLUSIONS OF THE STANDING COMMITTEE ON THE FOOD CHAIN AND ANIMAL HEALTH”, o qual, em tradução livre e simplificada seria “Guia para a implantação dos artigos 11,12,16,18 19 e 20 do Regulamento (EC) 178/2002 da Lei Geral de Alimentos”.
O artigo 18 desta Resolução fala sobre a exigência da rastreabilidade para todos os alimentos, não só carnes. Permita-me transcrever, também em tradução livre, o item iii) da página 11 deste documento. Aos menos experientes com documentos da CE, lembro que “países terceiros” são aqueles que, como o Brasil, não pertencem à Comunidade Européia.
” iii) Aplicabilidade aos exportadores de países terceiros (em conexão com o artigo 11)
– A rastreabilidade referida no Regulamento não tem efeito extra-territorial fora da Comunidade Européia (CE). Estes requisitos cobrem todos os estágios da produção, processamento e distribuição, dentro da CE, nomeadamente a partir do importador até o nível da venda ao consumidor.
– O artigo 11 não deve ser interpretado como uma extensão dos requisitos de rastreabilidade para os operadores dos negócios de alimentos nos países terceiros. Ele requer que os alimentos/rações importados para a Comunidade, atendam aos relevantes requisitos da Lei de Alimentos da CE.
– Os exportadores em países parceiros comerciais não são legalmente exigidos a preencher os requisitos de rastreabilidade impostos dentro da CE (exceto em circunstâncias onde existam acordos bilaterais especiais para certos setores sensíveis ou onde existam requisitos legais Comunitários, como por exemplo, no setor veterinário).
– O objetivo do artigo 18 será suficientemente preenchido se os requisitos se extenderem ao importador. Desde que o importador da CE identifique de quem o produto foi exportado no país terceiro, o artigo 18 e seus objetivos serão considerados satisfeitos.
– É prática comum entre os operadores de negócios de alimentos na CE, requerer dos parceiros o atendimento dos requisitos de rastreabilidade, mesmo além, do princípio do “um passo antes e um passo depois”. Entretanto, é preciso notar que tais requisitos são parte acordos de um contrato no negócio de alimentos e não exigências estabelecidas pelo Regulamento”.
Registre-se o risco deste documento ser mal interpretado, até por má fé.
As exigências são severas. A mensagem é clara, aliás, muito inteligente é o modo da CE impor exigências aos países exportadores, sem exigir. É como pegar a sardinha com a “mão do gato”, ou melhor, “do importador”.
É hora do MAPA cuidar dos aspectos sanitários, que é sua obrigação legal, e deixar a rastreabilidade, TOTALMENTE, nas mãos da iniciativa privada, já que esta será negociada entre exportadores e importadores e, provavelmente, com maior competência. Repetindo meu velho refrão: “Sanidade é responsabilidade do Governo e rastreabilidade é da Iniciativa Privada”.
Permita-me não tecer mais comentários e deixar as conclusões para os leitores.
Parabéns Luciano, equipe ACERTA e equipe SISBOV do MAPA. E a gente pensar que a luta nem sequer começou…
Antonio Calos Lirani
Pesquisador Associado da ANCP