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Tuberculose bovina: diagnóstico à campo

A tuberculose bovina é responsável por perdas econômicas importantes na pecuária brasileira e está presente em todo o território nacional.

Importância em rebanhos de corte

A tuberculose bovina é responsável por perdas econômicas importantes na pecuária brasileira e está presente em todo o território nacional. Embora sua prevalência em rebanhos de leite seja de maior relevância, em algumas regiões a doença é ainda observada em rebanhos de corte, principalmente propriedades com maior concentração de animais, regiões alagadas ou ainda aquelas onde são encontrados reservatórios silvestres da doença, como texugos, descritos na Nova Zelândia.

Devido à manifestação clínica, em muitos casos inaparente, freqüentemente a tuberculose bovina é negligenciada em seu diagnóstico. A importância do controle da tuberculose bovina no Brasil levou o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a instituir, em 2001, o Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e da Tuberculose (PNCEBT).

O programa preconiza a tuberculinização como teste de diagnóstico, porém há outros métodos que podem auxiliar na identificação da doença nos rebanhos. A inspeção sanitária de produtos de origem animal é uma forma rotineira de diagnóstico da doença. A inspeção feita em todas as carcaças bovinas durante a linha de abate em frigoríficos e abatedouros inspecionados tem um papel importante na detecção de rebanhos infectados contribuindo ativamente para o sucesso dos programas de controle e erradicação. Adicionalmente, veterinários de campo podem também contribuir para o diagnóstico da doença através da realização do exame de necropsia de animais suspeitos de tuberculose sendo este exame capaz de detectar de 70 a 90% dos casos da doença.

A necropsia é um exame de diagnóstico post mortem que geralmente é realizada a campo em animais que vieram a óbito, decorrentes da severidade das lesões causadas pela tuberculose ou por outras razões diversas. É importante salientar que indivíduos que tem contato direto com animais infectados apresentam maior risco de infecção, sendo os principais grupos de risco os magarefes, vaqueiros e veterinários. A prática de necropsia em cadáveres bovinos com suspeita de tuberculose deve obrigatoriamente estar associada ao uso de equipamentos básicos de proteção, como luvas, mascaras e óculos de proteção com intuito de evitar a transmissão da doença.

O exame de necropsia

O conhecimento dos sítios mais prováveis das lesões da tuberculose nos bovinos é importante para um diagnóstico post mortem adequado principalmente durante programas de erradicação da doença. Nos bovinos, as lesões de tuberculose são mais comumente encontradas nos linfonodos da cavidade torácica, seguido pelos linfonodos da cabeça e pelo parênquima pulmonar. Contudo, as lesões podem ser encontradas em qualquer linfonodo do corpo e uma boa parcela dos animais infectados apresenta uma única lesão de tuberculose e em alguns deles este único sítio está localizado fora da cavidade torácica. Desta forma, é preconizado um exame de necropsia com uma avaliação sistemática dos órgãos nos casos suspeitos de tuberculose para aumentar a chance de diagnosticar a doença.

O exame de sete pares de linfonodos (mediastinais, bronquiais, retrofarígeos, parotídeos, madibulares, mesentéricos e hepáticos) mais o pulmão e o fígado são suficientes para detectar aproximadamente 95% dos animais com lesões macroscópicas de tuberculose. A inspeção visual associada à palpação e recorte seriado dos linfonodos favorece a detecção das lesões macroscópicas. Os cortes seriados dos linfonodos são importantes para detectar pequenas lesões localizadas internamente no parênquima que não são visíveis externamente. Na cabeça, deve-se examinar trato respiratório superior (cavidade nasal, nasofaringe, traquéia), tonsilas, linfonodos parotídeos, mandibulares e retrofaríngeos. No tórax, pulmões, pleura, linfonodos bronquiais e mediastinais. No abdômen, fígado, baço, rins, peritônio, útero, linfonodos hepático e mesentéricos. E na carcaça, linfonodos sub-ilíacos, inguinais, sacrais, glândula mamária, testículo e epidídimo.

Em alguns casos, animais positivos no teste de tuberculinização não apresentam nenhuma lesão detectável. Isto pode ocorrer em animais com lesões únicas e discretas localizadas em sítios não examinados, animais infectados pelo M. Bovis que apresentam lesões iniciais detectadas apenas histologicamente ou em animais infectados por outros Mycobacterium, como M. Tuberculosis e M.avium-intracelullare que causam lesões discretas nos bovinos ou até mesmo nenhuma lesão.

O diagnóstico da tuberculose bovina pode ser sugerido com a detecção de lesões granulomatosas típicas durante o exame de necropsia. Mas deve ser feito o diagnóstico diferencial de outros processos patológicos que apresentam lesões macroscópicas semelhantes, principalmente localizadas em linfonodos e pulmões. Muitas destas patologias são diferenciadas somente pelo exame histológico, mas em alguns casos, a cultura microbiológica é necessária. Onchocercose bovina, processos granulomatosos causados por fungos, actinobacilose, actinomicose, coccidiomicose, abcessos, paratuberculose (nos casos de tuberculose digestiva), granuloma eosinofílico, granuloma parasitário, granuloma por corpo estranho, carcinomas e sarcomas são as patologias mais freqüentemente confundidas com lesões de tuberculose.

A necropsia associada ao diagnóstico bacteriológico são procedimentos importantes no diagnostico definitivo da tuberculose bovina. Os achados de lesões típicas durante a necropsia são muito sugestivos da doença e o diagnóstico presuntivo pode ser obtido com histopatologia, mas o diagnóstico definitivo somente com bacteriologia. A coloração de Ziehl -Neelsen é usada rotineiramente para identificação de bactérias álcool-ácido resistentes como Mycobacterium sp. nas lesões granulomatosas auxiliando no diagnóstico histopatológico.

Para o diagnóstico bacteriológico os tecidos devem ser coletados de forma mais asséptica possível, preferencialmente deve-se coletar linfonodos mediastinais, bronquiais e retrofarígeos e lesões pulmonares e o material deve ser enviado refrigerado para o laboratório. Como o cultivo do microorganismo é muito laborioso e demorado, quando o objetivo é um diagnóstico rápido da doença, o exame histopatológico pode ser suficiente e é muitas vezes preconizado. Para o diagnóstico histopatológico fragmentos de até 1cm de espessura dos órgãos com lesões devem ser coletados e enviados conservados em solução de formol a 10% em um volume 20 vezes maior. Além do exame bacteriológico, a reação em cadeia da polimerase (PCR) pode ser uma opção para o diagnóstico definitivo por ser um teste mais preciso e mais rápido que o isolamento embora necessite de uma estrutura laboratorial adequada para realização da técnica.

Achados de necropsia

A tuberculose bovina é uma doença infecciosa crônica causada pela Mycobacterium bovis, caracterizada clinicamente por tosse persistente, emaciação, intolerância ao exercício e desenvolvimento progressivo de granulomas ou tubérculos. Contudo, muitos animais com tuberculose apresentam boa condição corporal e nenhum sinal clínico.

A tuberculose bovina pode apresentar diferentes manifestações ou formas nos bovinos. Estas formas distintas da doença são determinadas pela porta de entrada da infecção, virulência do microorganismo e resposta imune do hospedeiro. As formas de tuberculose descritas nos bovinos são: respiratória, digestiva, generalizada, genital, congênita e cutânea. As principais manifestações são as formas respiratória e digestiva seguidas pela forma generalizada, também conhecida como tuberculose miliar.

A tuberculose respiratória é a forma mais freqüente, já que a inalação é a principal porta de entrada do M. Bovis sendo sua freqüência favorecida em rebanhos confinados. O complexo primário geralmente é o pulmão com envolvimento de linfonodos mediastinais ou bronquiais, mas nem sempre o linfonodo e o pulmão estão acometidos juntos. Lesões também podem estar localizadas nos linfonodos retrofarígeos, submandibulares e parotídeos na cavidade nasal, nasofaringe, traquéia e tonsilas.

A aparência da lesão pulmonar varia com a idade da lesão. No início, há formação de pequenos nódulos branco-amarelados únicos ou múltiplos não encapsulados. Estes nódulos possuem o centro necrótico amarelado e caseoso e os mais antigos podem ranger ao corte devido à calcificação. O tamanho das lesões pulmonares pode variar de 0,3 a 25 cm de diâmetro e pode ser uma única lesão de até 1cm de diâmetro. Estes focos iniciais podem coalescer e formar áreas maiores de pneumonia caseosa podendo atingir a pleura. Quando ocorre a disseminação para a pleura, observa-se um espessamento geralmente nodular. Os nódulos granulomatosos são sésseis ou pedunculados dispostos individualmente ou formando massas coalescentes amareladas, macias ou calcificadas. Quando os granulomas estão dispostos ao longo do trajeto dos vasos linfáticos a lesão é comparada a um colar de pérola. Mas as lesões na pleura podem ser também placas grandes, elevadas de exsudato caseoso e fibrinoso com espessamento uniforme.

Os linfonodos estão aumentados de volume com lesões nodulares únicas ou múltiplas branco-amareladas de diferentes tamanhos de aspecto seco e consistência firme. Alguns podem ter o aspecto semelhante a abscesso e outros podem estar aumentados de volume até 10 vezes o tamanho normal com massas caseosas grandes. Em alguns casos podem estar presentes lesões nodulares ou ulcerações em forma de placas amareladas na mucosa da traquéia, brônquios, laringe e cavidade nasal.

A tuberculose digestiva é primária em bezerros muito jovens (menos de seis meses de idade onde a infecção se dá pela ingestão de leite contaminado) ou secundária a infecção respiratória em animais adultos devido à deglutição de muco rico em Mycobacterium bovis oriundo dos brônquios e pulmões. O complexo primário alimentar compreende-se de lesões no duodeno e linfonodos mesentéricos, mas os granulomas estão presentes também nos linfonodos retrofarígeos e submandibulares e parotídeos. Nódulos pequenos ou úlceras recobertas por exsudato caseoso seco são observados no trato digestivo superior, abomaso e duodeno. Mas, geralmente, observa-se apenas um espessamento discreto da parede ou detecta-se lesões macroscópicas somente nos linfonodos retrofarígeos e mesentéricos. As lesões nos linfonodos são nódulos com menos de 2cm de diâmetro, caseosos e encapsulados que podem estar liquefeitos ou calcificados.

Quando ocorre a generalização da infecção por via hematogênica, observam-se lesões granulomatosas no fígado, baço, rins, linfonodos, adrenais, esqueleto e membranas serosas como pleura, peritônio, pericárdio e meninges. As lesões observadas são nódulos miliares, isto é, tubérculos milimétricos difusos inicialmente amarelados, caseosos e posteriormente calcificados. Pode ocorrer, menos freqüentemente, a disseminação de poucos tubérculos grandes e encapsulados. A maioria dos animais que morrem devido à tuberculose apresenta lesões generalizadas. Nestes casos, as lesões são mais freqüentes nos pulmões e linfonodos mediastinais seguido de lesões nos linfonodos mesentéricos e retrofarígeos, pleura, pericárdio e fígado. Quando o sistema nervoso central está acometido, observa-se meningite com inúmeros tubérculos miliares.

A tuberculose genital ocorre quando apenas órgão genital do macho ou da fêmea apresenta lesões de tuberculose e sua ocorrência é rara. O útero na vaca e o epidídimo no touro são os mais freqüentemente acometidos. O útero apresenta nódulos múltiplos amarelados de 1 a 10 cm de diâmetro sobre endométrio e carúncula, alguns ulcerados com exsudato mucopurulento a caseoso e espessamento da parede. Geralmente, a metrite está associada com peritonite e pode ocorrer o envolvimento das tubas uterinas e ovários. Dependendo da extensão da endometrite e placentite pode ocorrer aborto em vacas gestantes. A forma congênita ocorre em bezerros nascidos de vacas com infecção uterina, contudo nem sempre há o envolvimento uterino nestes casos.

A infecção da glândula mamária por M. Bovis pode ocorrer através da contaminação de infusões intramamárias. O úbere pode apresentar nódulos miliares disseminados, uma mastite caseosa, ou uma infiltração inflamatória lobular difusa com mínima alteração macroscópica do parênquima sendo esta última a mais comum associada ou não ao comprometimento dos linfonodos regionais. A forma cutânea também é rara. É necessária uma lesão prévia da pele para que ocorra a contaminação e colonização pela bactéria. A tuberculose cutânea é caracterizada por uma lesão granulomatosa local na pele que pode estar associado com o comprometimento do linfonodo regional.

Referências bibliográficas

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1 Comment

  1. José Francisco Ghignatti Warth disse:

    Muito bom o texto por vocês elaborado!
    Prof. José Francisco Ghignatti Warth