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Uréia na agricultura orgânica

Por Luiz Aroeira 1

A Embrapa Gado de Leite organizou, recentemente, um workshop com objetivo de discutir a utilização da uréia na pecuária de leite. Foram analisados os possíveis impactos ambientais no processo de produção da uréia, seu uso na alimentação animal, a possibilidade de deixar resíduos nos alimentos (carne e leite) e as suas implicações, como adubo, na produção vegetal e contaminação do solo. Objeti-vou-se conduzir uma discussão isenta, esclarecendo algumas dúvidas que persis-tem a respeito do assunto. O evento se baseou, principalmente, em relatos de produtores de leite certificados como orgânicos que ressaltaram as dificuldades de se manter o nível de produção econômica, na época da seca, sem o emprego da uréia na alimentação animal, quer sob a forma de misturas múltiplas, quer a partir da mistura com cana-de-açúcar.

As discussões foram estabelecidas pelo fato de que as certificadoras de produtos orgânicos apontarem uma série de justificativas para impedir o uso da uréia nesse modelo de agricultura. Um destas justificativas é o fato do produto ser um derivado do petróleo. Apesar disso, deve-se ressaltar: não dependemos mais de importa-ções para a produção do composto. Hoje podemos afirmar que, aproximadamen-te, 90% do petróleo consumido no Brasil é proveniente das explorações de reser-vas nacionais. Portanto, não há matéria-prima externa envolvida no processo de produção da uréia.

Sobre o ponto de vista ecológico, vão aqui algumas considerações técnicas: o primeiro passo para a produção da uréia consiste na obtenção da amônia que, por sua vez, é oriunda da reação entre o N2 e H2, sob elevada pressão e temperatura, na presença de catalisador. O N2 é proveniente do ar atmosférico e o H2, obtido de fontes como o gás natural, hidrocarbonetos líquidos e carvão mineral. Atual-mente, as unidades de produção de amônia obtêm o H2 por meio do processa-mento do gás natural ou de derivados de petróleo, daí a dependência da indústria petroquímica. Entretanto, o hidrogênio pode ser originado de fontes renováveis como o álcool. Caso uma ação como essa venha a ser adotada poder-se-ia pro-duzir uma uréia “orgânica”.

A síntese da uréia se dá a partir da combinação da amônia com o gás carbônico, sob condições de temperatura e pressão elevadas. Isso faz dela um produto que agrega valor ao petróleo. Partindo para o ponto de vista da Agricultura Orgânica, que proíbe o uso da uréia pelo fato desta ser proveniente de fontes não renová-veis de energia, devemos lembrar que o composto é derivado do mesmo petróleo que permite a obtenção da gasolina, usada como combustível para os nossos car-ros, aviões e a maioria dos veículos automotores. Acredita-se que mesmos os pu-ristas não estariam dispostos a recusar alguns confortos provenientes da tecnolo-gia. Ora, se usamos o carro, porque não a uréia?!

No que concerne a utilização da uréia, como fonte de nitrogênio para a produção vegetal, torna-se evidente que ela é uma fonte mais barata e mais concentrada de nitrogênio (46,6%). Uma vez incorporada ao solo, a perda por volatilização é mí-nima. Prevê-se que em um futuro muito próximo a uréia deva fazer parte de mais de 50% do fertilizante nitrogenado comercializado no mundo. Quando comparado a outros fertilizantes secos, a uréia já representa mais de 65% do comércio mun-dial.

Existe, entretanto, uma alternativa biológica que diminuiria a necessidade de se usar nitrogênio proveniente da uréia. Apesar da maioria dos seres vivos ser inca-paz de utilizar o nitrogênio da atmosfera para sintetizar proteínas, espécies como as leguminosas incorporam nitrogênio ao solo. Para se ter idéia, uma cultura de alfafa pode fornecer 450 kg e leguminosas arbóreas podem contribuir com cerca de 190 kg de N/ha/ano. Os dados apresentados fazem com que a intensificação do uso de leguminosas, em rotação de culturas, em consorciações de pastagens e em sistemas silvipastoris seja uma alternativa viável, preconizada em sistemas orgânicos e altamente estimulada pela equipe da Embrapa, mesmo em sistemas convencionais.

No que tange à alimentação animal, é bom lembrar que toda a uréia ingerida é rapidamente hidrolisada, tendo a amônia como produto final. Este produto é o re-sultado da degradação de grande parte das proteínas pelos microorganismos do rúmen. A amônia, independente da origem, constitui a principal fonte de nitrogênio para as bactérias celulolíticas, aquelas mesmas bactérias que conferem ao rumi-nante a capacidade de transformar a forragem grosseira em alimentos nobres co-mo a carne e o leite.

O excedente de amônia (que não é utilizado para a síntese de proteína pelos mi-croorganismo do rúmen), será transportado ao fígado e transformado novamente em uréia. Esta cai na corrente sangüínea (uremia) de onde pode ser reutilizada no rúmen, secretada no leite e, sobretudo excretada na urina.

O fato de um animal ser alimentado com uréia nem sempre faz com que sua ure-mia ou seus níveis de uréia no leite sejam mais elevados do que de outro animal alimentado com proteína convencional. Cita-se o fato de que vacas leiteiras na Argentina, alimentadas com pastagens à base de alfafa, principalmente, em sis-temas orgânicos, onde o concentrado é limitado, apresentem níveis de uréia no leite extremamente altos. Entretanto, este não é um empecilho para a fabricação e venda de lácteos, mesmo destinados ao mercado externo.

Um dos problemas atribuídos ao uso da uréia na agricultura orgânica deve-se ao fato de que o emprego desta substância inviabilizaria a exportação de leite orgâni-co. Devemos nos preocupar com isso, até para aumentarmos nossas divisas. Mas, antes de qualquer coisa, é nosso dever nos preocupar com o abastecimento interno. Pensemos no leite necessário para merenda escolar, no aprovisionamento das metas estabelecidas com programa Fome Zero e tantas outras alternativas para acabar com a fome da nossa população.

Além de tudo, temos que torcer para que nossos representantes nas reuniões da ALCA e da OMC consigam diminuir as barreiras tarifárias que tanto oneram a ex-portação de nossos produtos e, principalmente, dos lácteos.

Entretanto, verdade seja dita, ninguém é obrigado a ser orgânico. Será orgânico quem quiser e quem estiver disposto a produzir, baseando em preceitos que re-gem a produção de sistemas orgânicos. Se não adotarmos todos os princípios seremos no máximo quase orgânicos.

Porém, fica um alerta: não sejamos intransigentes em querermos incorporar eco-logia importada à nossa pecuária. Sejamos abertos à ciência, discutindo os prós e contras à luz de argumentos científicos. Não podemos nos basear em dogmas para esclarecer dúvidas dos nossos produtores.

Concluindo, é intenção da equipe da Embrapa Gado de Leite considerar a uréia como um composto, eventualmente, permitido na alimentação animal, sob condi-ções de seca no Brasil tropical e incentivar cada vez mais o uso de leguminosas em consorciações de pastagens e em sistemas silvipastoris, preocupando-se com o bem estar do produtor rural em consonância com práticas amigáveis ao meio ambiente.
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1Pesquisador – Embrapa Gado de leite

1 Comment

  1. alcides da silva moraes disse:

    gostaria de saber dos pros contras do uso de uréia na agricultura domestica, e seus efeitos à saude do homem.