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Vai faltar boi rastreado… será?

Com raras exceções, pode-se afirmar que o ano não começou nada bem para os produtores. O dólar baixo e a oferta elevada têm tirado a sustentação dos preços da maioria das commodities agrícolas neste início de 2005. Focando em pecuária, soma-se a esse quadro a comedida demanda interna. Tem-se aí a combinação que, desde novembro de 2004, levou, em São Paulo, à retração de 8% na cotação do suíno Cif frigorífico e 18% do frango vivo na granja.

O leite, média Brasil, recuou bem menos, cerca de 0,51%. Para o boi gordo, a retração média foi de 2%. Veja na tabela 1 as variações nominais das cotações da arroba em 25 praças pesquisadas pela Scot Consultoria, entre novembro de 2004 e janeiro deste ano.

Tabela 1. Variações das cotações da arroba do boi gordo entre novembro/04 e janeiro/05


A retração média dos preços do boi gordo chegaria a 4% se não fossem as valorizações da arroba registradas no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Bahia e Paragominas (PA), que se deram em função de situações particulares de oferta e demanda.

Vale lembrar que ao final do ano passado, particularmente em novembro, apesar das cotações da arroba não terem reagido a contento, os invernistas puderam contar com relações de troca elevadas na aquisição de bezerros. Em São Paulo, por exemplo, foi a maior dos últimos 8 anos, com média de 2,80 bezerros anelorados recém-desmamados por 1 boi gordo. Não foram raros os casos de 3 por 1, já que, na época, faltava boi gordo e sobrava bezerro.

Hoje, a relação de troca boi x bezerro, ainda em São Paulo, está próxima de 2,55. Ou seja, caiu quase 9%. Mas o preço do bezerro, em queda há mais de 2 anos, não subiu. Foi justamente a cotação do boi gordo que despencou. Portanto, a situação piorou para recriadores e invernistas, e permaneceu ruim para os criadores.

E não pára por aí. Por meio de um conchavo, alguns dos maiores frigoríficos do país, aproveitando a boa disponibilidade de matéria-prima, criaram uma tabela para remuneração de animais terminados, baseada em demérito, a ser imposta aos produtores.

Em síntese é o seguinte. Boi nelore, anelorado ou de cruzamento industrial, castrado, acima de 16 arrobas, vale o preço padrão, que aliás, conforme já colocado, está despencado. Daí para baixo vêm os deságios. Só como exemplo: machos inteiros, abaixo de 16 arrobas (pode ser 15,50 arrobas), mesmo que seja nelore, vale o mesmo que vaca. E para as fêmeas também existem “fatores de correção”.

Foi definido também o preço de animais não rastreados: R$3,00/@ a menos, valendo, claro, as demais (des)classificações. Para quem ainda tem alguma dúvida sobre o que o mercado vem praticando – preços mais altos para animais rastreados ou mais baixos para não rastreados – o termo “a menos”, estabelecido pelos próprios compradores, deixa as coisas mais claras.

O que está claro também é que os frigoríficos não estão nem um pouco preocupados com a queda de adesão ao SISBOV. Muito menos com os alertas de que podem faltar animais rastreados para atender a demanda externa já no primeiro trimestre deste ano. Afinal, segundo a lei da oferta e da procura, não se derruba os preços de mercadoria escassa. Ou a lei não vale mais ou, por enquanto, não há realmente nenhum perigo de desabastecimento.

Aliás, analisando pelo lado do produtor, que está descapitalizado, seria até bom que a oferta de animais rastreados se ajustasse. Afinal, com 1,1% dos frigoríficos concentrando 98% das exportações de carne bovina do país, câmbio abaixo de R$2,70 por US$1,00 e Argentina e Uruguai reconquistando mercados – sendo que a cotação do boi gordo argentino está abaixo de US$20,00/@ (a de São Paulo está próxima de US$22,00/@), o que lhe confere muita competitividade – fica difícil acreditar numa valorização da arroba.

Nesse sentido, foi com bons olhos que a classe produtiva recebeu a decisão do governo federal de acabar com a obrigatoriedade de adesão ao Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina. Ao menos ela corrige uma distorção. Não se obriga mais a entrega de um produto supostamente diferenciado, mas que, em termos de valor, não tem agregado nada, ou muito pouco, a quem produz.

No país dos impostos, onde quase tudo é realmente imposto, pelo menos sobre um dos aspectos do seu negócio o produtor ainda vai poder ponderar, direcionando a produção de acordo com a relação benefício/custo, num ambiente onde as leis de mercado estão se definhando, mas ainda valem.

0 Comments

  1. Janete Zerwes disse:

    Caro Fabiano,

    Sou pecuarista no Mato Grosso, e concordo incondicionalmente com as suas colocações, em relação às condições de mercado, aos deságios, etc…

    E gostaria de acrescentar ao seu comentário sobre a descapitalização do produtor, que a viabilidade da atividade pecuária e/ou agrícola, ligada a produção de alimentos, é condicionada a capitalização do produtor.

    Nós produtores de alimentos não temos condições de remunerar nenhuma taxa de juros praticada no mercado de capitais.

    Deveríamos também sair da determinação de produção máxima de @/ha, e partir para a determinação de lucratividade máxima/ha, avaliando corretamente todos os custos que incidem sobre a produção de 1@, reduzindo se preciso o plantel, e, consequentemente a oferta de bois (fator de desvalorização).

    Evitando, como acontece comumente na minha região, a complementação emergencial alimentar a pasto, por que a carne de custo alto, compete com a carne de custo baixo, derrubando pela lei da oferta o preço da @ no mercado da carne.

    Nós pecuaristas precisamos nos unir mais, agir com maior capacidade de gerenciamento técnico/financeiro e com visão política estratégica para a produção, reduzindo se preciso for o plantel nacional como um todo, aumentando a eficiência mercadológica da carne, ao invés de fazer como o agricultor, que se apóia em fenômenos de mercado para investir sem questionamentos estratégicos/econômicos, na abertura indiscriminada de novas áreas de plantio, se descapitalizando e puxando para cima o custo do dinheiro em função do risco da atividade.

  2. Miguel da Rocha Cavalcanti disse:

    Prezada Janete,

    Partilhamos da mesma visão.

    É preciso focar os resultados, em lucro/ha e/ou rentabilidade do investimento, e não a produção. Ela é consequência. E para alcançar bons resultados, não há outra saída a não ser adotar uma eficiente gestão de custos e acompanhar as “indicações” do mercado.

    Além, claro, da união dos produtores, uma vez que os demais elos da cadeia produtiva (frigoríficos e varejo) estão em franco processo de concentração.

    Cordialmente,

    Fabiano R. Tito Rosa
    zootecnista
    Scot Consultoria