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A atividade pecuária no estado de Rondônia: conjecturas e alertas

Por Oberdan Pandolfi Ermita, Alexandre Foroni, Euvaldo Foroni, Carlos Terra Ferreira e Anderson Borges1

O rebanho do estado de Rondônia vem apresentando surpreendente crescimento nos últimos anos. Os levantamentos do IDARON, órgão estadual que mantém cadastro atualizado do rebanho face às etapas sucessivas de vacinação da febre aftosa e, portanto sob todos os pontos de vista confiáveis, apontam para novembro de 2000 um rebanho de 6.584.212 cabeças, para novembro de 2001, 7.580.285 cabeças e novembro de 2002, 8.626.390 cabeças. Estes números representam crescimento acumulado de 31,02% no curto intervalo em observação. Os dados preliminares deste ano apontam para um rebanho superior a 9,6 milhões de cabeças. Isto representa um crescimento médio no período (2000-2003) de 13,64% ao ano.

Tal aumento pode ser explicado pela interação de três fatores:
1) a taxa de produção do rebanho apresenta números satisfatórios (em média 26,8%);
2) a taxa de desfrute é pequena (em média 13,41%);
3) a barreira fiscal dificulta a saída de animais.

Paralelamente, encontramos no órgão de controle ambiental do estado de Rondônia (SEDAM) o registro de uma área total desmatada de 6.207.363 hectares, dos quais 4.478.013 hectares são ocupados com pastagens (IDARON). O contraponto entre estes dois números representa a lotação de 1,3 unidade animal (UA) por hectare (ha), número superior à capacidade de pastagens artificiais em regimes de pastejo extensivo, regime predominante em nossa atividade pecuária.

É tecnicamente reconhecido que a linha que mede a relação entre taxa de lotação e ganho de peso por animal e por área (produtividade) declina violentamente para zero sempre que a capacidade de suporte ideal é ultrapassada (Gráfico I). Tal fato se explica devido à incapacidade das gramíneas se regenerarem sob pressão constante de pastejo. Alguns estados pecuários como Goiás e Mato Grosso do Sul têm mostrado, nos últimos anos, estabilidade no rebanho ou mesmo sua regressão face ao esgotamento da taxa de incremento de suas pastagens.

Gráfico I – taxa de lotação e ganho de peso


Acreditamos que Rondônia já ultrapassou o pondo de inflexão da curva de produção. Ou seja, as pastagens estão com uma lotação superior à sua capacidade de suporte. Tal fato pode ser facilmente constatado em função do declínio da taxa de produção do nosso rebanho em 2003. Na Tabela I é possível observar que até 2002 a taxa de produção vinha crescendo, atingindo seu pico em 28,2%. No entanto, em 2003 recua significativamente, passando para 24,8%, o que representou um retrocesso de 12%. Não é necessário muito esforço para perceber esta realidade. É generalizada a opinião entre os produtores de que as pastagens estão baixas (excesso de pastejo) mesmo agora com o início das águas.

Esta lotação de 1,3 UA/ha é superior à capacidade de suporte teórica média admissível, dadas as atuais técnicas de produção. Mantidas as atuais circunstâncias, a continuidade do incremento do rebanho de Rondônia resultará em aumento da lotação por hectare, levando a uma diminuição ainda maior da própria capacidade de suporte, induzindo a uma produtividade cada vez menor, e assim sucessivamente num ciclo vicioso. Assim, em virtude da política ambiental de restrição de desmatamento torna necessária a adoção de uma série de medidas:

1 – Elevar a taxa de desfrute, abatendo mais animais;

2 – Facilitar a saída de animais para outros estados. Em especial de fêmeas jovens, por exemplo, por meio de uma alíquota de ICMS diferenciada; e

3 – Elevar a produtividade de nossas pastagens. Para isso será necessária ampla campanha pública neste sentido. A exemplo de outros estados que já passaram por situação semelhante, a adoção de técnicas de melhoramento não ocorre de forma espontânea, existe uma certa resistência por parte dos produtores, justamente por não estarem plenamente informados das vantagens do processo. É compulsório que o governo se empenhe através de campanhas de conscientização e até mesmo gere vantagens fiscais e creditícias para que os produtores adotem técnicas modernas de controle das pastarias.

É importante salientar que a adoção destas medidas de forma isolada não resolverão o problema. São iniciativas que se complementam e que deverão ser adotadas conjuntamente. Na continuação explicaremos de forma mais detalhada a problemática que estamos enfrentando e as possíveis conseqüências que nos acarretarão a ausência de tais iniciativas.

Na Tabela I, projeta-se o comportamento do rebanho tendo como premissas a manutenção da taxa de produção em 24% e da taxa de desfrute em 13,41%. Nota-se que já em 2007 o rebanho seria superior a 14 milhões de cabeças. Tal número é praticamente impossível em função da própria capacidade de suporte das pastagens. Considerando que a pressão ambientalista praticamente impede a abertura de novas áreas a serem exploradas, em 2007 estaríamos com uma taxa de lotação de 1,91 UA/ha. Desta maneira, como não será possível a abertura de novas áreas na quantidade necessária para estabilizar a lotação, a própria elevação na lotação rebaterá o índice de produção, fazendo com que diminua a natalidade e conseqüentemente o crescimento do rebanho, até um ponto em que se ajuste, de forma natural, o número de animais e a área pastagem disponível.

Observa-se que para manter a atual taxa de lotação em 1,3 UA/ha (que como constatado já representa um número crítico), e desta maneira alcançarmos um rebanho de 14 milhões de cabeças em 2007, seria necessária a abertura (em média) de 520 mil hectares por ano nos próximos 4 anos, número absurdo em face da atual legislação ambientalista. Uma outra variável importante que, entretanto, não estamos considerando em nossas projeções é o avanço da agricultura em nosso estado. É provável que nos próximos anos, como já vem ocorrendo, um percentual significativo das pastagens sejam substituídas pela agricultura, o que pressionará ainda mais as taxas de lotação.

Tabela I: projeção do rebanho – cenário indesejável

Clique aqui para visualizar a tabela

Seria uma catástrofe, econômica e social para o estado, permitir uma diminuição drástica nos atuais índices de produtividade do rebanho. Considerando a impossibilidade de se abrirem novas áreas pecuárias, será necessário elevar significativamente a taxa de desfrute do nosso rebanho. Ou seja, será forçoso abater mais animais.

Na tabela II, em se elevando a taxa de desfrute para 18% em 2004 e 19% nos anos seguintes, seria necessário abater, por exemplo, 2,2 milhões de cabeças em 2007. Relevante observar que este número excederia a capacidade projetada2 dos frigoríficos em 13%, naquele ano. Fato que também se repete nos anos anteriores. Como conclusão, percebe-se que é necessário e estratégico que mais plantas se instalem em nosso Estado, para dar flexibilidade à capacidade de abate e com isto termos um maior controle sobre o crescimento do rebanho. Por outro lado, considerando as taxas de desfrute que estamos prevendo, ainda assim haveria um incremento na taxa de lotação. Em 2007 seria superior a 1,6 UA/ha. É por esta razão que sustentamos que as medidas anteriormente enumeradas deverão ser adotadas conjuntamente. Como estratégia conjunta à elevação da taxa de desfrute é imperativo que se assumam políticas públicas que incentivem a elevação da produtividade de nossas pastagens. E em paralelo, também deverá ser facilitada e estimulada a saída de fêmeas jovens para outros estados.

Tabela II: projeção do rebanho – cenário planejado

Clique aqui para visualizar a tabela

É relevante observar que todas as conjecturas que estamos realizando fazem parte de um cenário em que não ocorre nem a entrada e tampouco a saída de animais no estado. A questão da lotação poderia ser contornada com a exportação de parte do rebanho para estados vizinhos. Entretanto, nossa hipótese de isolamento não é absurda. A atual alíquota do ICMS torna proibitiva a saída de animais para outros estados. Tanto é verdade que mesmo os frigoríficos do Mato Grosso pagando 6 reais a @ a mais que a média dos frigoríficos em Rondônia, a saída de animais para aquele estado é praticamente nula. Como conseqüência desta irresponsável interferência no mercado temos que, sem dúvida, esta diferença de preços entre Rondônia e Mato Grosso tenderá a se elevar. Como anteriormente demonstrando, a oferta de animais crescerá muito nos próximos anos, ultrapassando a capacidade instalada dos frigoríficos, forçando os preços pagos aos produtores para baixo. O mercado quando sobre interferência dolosa encontra soluções, só que desastrosas para a sociedade. Se nenhuma solução for tomada o mecanismo de ajuste desta problemática será, por um lado, a redução do índice de produção do rebanho e, por outro, o rebate nos preços forçará muitos pecuaristas a migrarem para outras atividades. A rentabilidade dos produtores persistentes será reduzida ao limite da subsistência e os preços das terras despencarão. Infelizmente, pode-se estar minando a atividade econômica mais importante do nosso estado, que como uma locomotiva impulsiona os demais setores. Percebam como a falta de planejamento e intervenções indesejadas (na maioria dos casos para privilégio de alguns grupos) podem explicar o porquê de algumas regiões e países se desenvolverem enquanto outros permanecem na ripária das sociedades modernas, padecendo de violência, desemprego, fome e corrupção.
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1Oberdan Pandolfi Ermita (Doutorando em Economia), Alexandre Foroni (Zootecnista), Euvaldo Foroni (Médico Veterinário), Carlos Terra Ferreira (Economista) e Anderson Borges (Médico Veterinário) são integrantes da Método Consultoria Agropecuária, empresa sediada em Pimenta Bueno/RO

2Para 2004 se prevê a entrada em operação do frigorífico de Chupinguaia abatendo 400 animais/ dia. Em 2005 sua ampliação para 800 cabeças/ dia e, finalmente, a entrada em operação em 2006 da Cooperocarne abatendo 750 animais/ dia.

Este artigo foi elaborado por Oberdan Pandolfi Ermita (Doutorando em Economia) e condensa algumas conclusões do grupo de estudos e pesquisas para a fundação da COOPEROCARNE, constituído pelo autor, Alexandre Foroni (Zootecnista), Euvaldo Foroni (Médico Veterinário), Carlos Terra Ferreira (Economista) e Anderson Borges (Médico Veterinário).

0 Comments

  1. Paulo E. F. Loureiro disse:

    Parabéns pelo artigo. É um alerta que deve ser levado em conta.

    Tal pressão de pastejo pode e deve levar ao esgotamento do solo. No Mato Grosso do Sul já vemos isso em boa parte do estado. Tal quadro, para ser revertido, custa muito caro e leva tempo. Baixar o ICMS parece ser uma atitude primordial.

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