As vacas têm uma relação próxima com o metano. À medida que o mamífero segue sua vida, pastando ou ruminando à sombra de uma árvore, normalmente emite de 70 a 120 kg do gás por ano.
O metano é um potente gás de efeito estufa, retendo calor na atmosfera com muito mais eficiência do que o CO2.
Para reduzir essas emissões, que contribuem para o aquecimento do planeta, adotar uma dieta à base de vegetais tem se mostrado uma solução eficaz na escala individual (já que um terço do dióxido de carbono é emitido por 20 empresas), e ao se reduzir o consumo de carne bovina em particular, por ser uma carne com alto teor de carbono.
Mas o apetite humano por carne bovina, ainda assim, vem crescendo de forma contínua há décadas: hoje, cerca de 72 milhões de toneladas são produzidas por ano.
Isso é cerca de 12,5 vezes o peso da pirâmide de Gizé, no Egito.
Um país com grande incentivo para tornar sua carne mais sustentável é o Brasil, o maior exportador mundial de carne bovina, fornecendo quase 20% das exportações mundiais.
Carne de carbono neutro no Brasil
Pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) vêm buscando uma forma de neutralizar as emissões do enorme rebanho bovino do país — culminando em 2020 com o selo de certificação Carne Carbono Neutro.
Em vez de simplesmente comprar crédito de carbono para compensar as emissões (uma abordagem que pode ser repleta de dificuldades), a Embrapa tem como objetivo tornar o processo de criação de gado neutro em carbono dentro da fazenda, na esperança de poder tornar a indústria de carne bovina do país mais sustentável.
O incentivo do Brasil para “limpar” a indústria não se deve apenas às emissões de carbono. O país um dos líderes em desmatamento, sendo a criação de gado um dos principais fins comerciais da terra desmatada.
Em todo o mundo, 2,11 milhões de hectares de floresta são perdidos a cada ano para as vacas pastarem.
O desmatamento para a pecuária libera cerca de 6% dos gases de efeito estufa do mundo, incluindo o gás de efeito estufa de longa duração CO2, assim como o metano das vacas e o metano emitido do solo.
Enquanto isso, a perda da cobertura vegetal reduz a biodiversidade e aumenta o risco de que novas doenças restritas a animais selvagens “saltem” para os humanos.
O selo Carne Carbono Neutro da Embrapa prevê o plantio de árvores de eucalipto na mesma área onde o gado pasta.
Acredita-se que cerca de 250 a 350 árvores por hectare seja o número ideal para manter as fazendas brasileiras financeiramente viáveis, produzindo 25 metros cúbicos de madeira por hectare por ano, de acordo com estudos de pesquisadores da Embrapa.
Com isso, é possível sequestrar até cinco toneladas de carbono — o equivalente às emissões de cerca de 12 bovinos adultos.
No total, essas árvores ocupam cerca de 10% a 15% da área, plantadas a cada 2 metros em fileiras com algo entre 14 metros e 22 metros de distância.
Isso também pode tornar a fazenda mais produtiva, diz Roberto Giolo de Almeida, que comanda a equipe da Embrapa.
Na pecuária tradicional brasileira, há normalmente cerca de um animal pastando por hectare de terra.
Pasto com árvore
Ao plantar árvores, a qualidade do pasto, na verdade, melhora.
Com a sombra feita pelas árvores, parte da grama recebe menos luz solar. E reage investindo mais na fotossíntese, produzindo mais cloroplastos, organelas onde ocorre a fotossíntese.
São essas organelas que contêm clorofila — a molécula que dá cor às plantas verdes.
Uma planta enriquecida em cloroplastos possui um teor mais alto de nitrogênio, necessário para a produção de proteínas, e por isso se torna mais nutritiva para as vacas.
A equipe de Giolo de Almeida descobriu que pastagens com árvores podem suportar até o dobro de gado por causa do pasto superior. E as vacas também engordam mais rápido — além de uma nutrição melhor, contam com a vantagem adicional de que as árvores oferecem alguma sombra para escapar do calor intenso durante o dia.
Normalmente, uma vaca criada em um pasto com árvores vai chegar a 250 kg de carne em dois anos — uma produtividade cerca de 30% maior do que a esperada em sistemas tradicionais, diz ele.
Isso significa que os animais passam menos tempo pastando antes do abate, dando a eles menos tempo para emitir metano.
Quando as árvores estão maduras, são cortadas para serem vendidas e novas mudas as substituem.
Richard Eckard, professor de agricultura sustentável da Universidade de Melbourne, na Austrália, que conhece o projeto da Embrapa, mas não está envolvido nele, vê muitas vantagens no uso do eucalipto, árvore nativa da Austrália de rápido crescimento.
“Se você cortar essas árvores e transformá-las em madeira para serraria, se você construir casas ou móveis, pelo menos dois terços do carbono permanecerá fora da atmosfera indefinidamente ou pelas próximas centenas de anos”, diz Eckard.
Até o momento, a Embrapa não realizou estudos sobre o uso de árvores nativas para absorver carbono — normalmente elas demoram mais para crescer.
No entanto, um projeto chamado selo Carbono Nativo está começando a investigar se árvores nativas podem um dia ser usadas em um esquema semelhante.
E no sul do Brasil, um experimento em andamento visa introduzir a Araucária, um símbolo nativo da região ameaçado de extinção, em pastagens de gado integradas a áreas de cultivo.
Esses sistemas de combinar pecuária e plantio de árvores não possuem apenas uma “receita”, diz a agrônoma Claudete Reisdorfer Lang, professora da Universidade Federal do Paraná, que lidera a pesquisa.
“[Depende] dos diferentes componentes — lavouras, árvores, animais, entre outros”, diz ela, assim como das maneiras como as diferentes partes do sistema são integradas no campo.
E combinar gado e plantação de árvores pode não ser uma abordagem que funcione em qualquer lugar, observa Eckard — cada área tem seu próprio clima e solo e precisa de sua própria solução.
Apesar disso, Giolo de Almeida estima que cerca de 10% de todas as pastagens no Brasil já apresentam algum grau de integração entre floresta, lavoura e pecuária, embora apenas uma pequena fração esteja próxima do carbono neutro.
Lang diz que viu um interesse crescente nesse tipo de integração nos últimos 10 anos.
Pode ser, em parte, porque há outros incentivos para os agricultores além dos benefícios ambientais — Julie Ryschawy, professora assistente do Instituto Nacional de Agronomia da França, explica que essa abordagem significa que há menos necessidade de comprar produtos como comida para animais ou fertilizantes químicos .
“[Os agricultores] diversificariam a rotação de culturas e limitariam os insumos químicos nas plantações e nas pastagens”, diz ela, o que poderia ajudar a biodiversidade, limitar as doenças do gado e armazenar carbono.
Metas
A indústria da carne estabeleceu metas em várias regiões do mundo para a pecuária com baixo teor de carbono ou carbono neutro, incluindo a Austrália, outro grande exportador de carne bovina do mundo.
“Estamos vendo um avanço inevitável em direção à produção de gado com baixas emissões”, diz Eckard.
“Não temos opção, temos que fazer isso.”
No entanto, há obstáculos para a expansão de sistemas que integrem árvores e pecuária como o utilizado pela Embrapa, incluindo a resistência dos agricultores.
“Muitos deles se especializaram em monoculturas, que são lucrativas no curto prazo, mas insustentáveis %u200B%u200Bno longo prazo”, diz Lang.
Também há custos iniciais a serem considerados e o setor pecuário pode relutar em assumir riscos financeiros, diz Edegar de Oliveira Rosa, diretor de conservação e restauração de ecossistemas da WWF-Brasil.
“É preciso enfrentar um grande desafio, o desafio de escala, já que o Brasil possui um dos maiores rebanhos do mundo, cerca de 200 milhões de animais”.
Rosa acredita que a agricultura regenerativa pode ajudar a melhorar uma grande área das antigas florestas do Brasil.
“Atualmente a pecuária é a atividade que mais ocupa terras que foram desmatadas recentemente”, diz.
“O desmatamento e as queimadas subsequentes para limpar a terra são a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa no Brasil”.
Embora o melhor uso da terra desmatada possa ajudar a reduzir as emissões da carne bovina, o desafio que paira sobre a pecuária no Brasil é impedir antes de qualquer coisa o desmatamento.
“No final, tudo se resume à política do governo”, afirma Eckard.
Ele cita a tentativa da Austrália de conter seu problema histórico com o desmatamento para a criação de gado por meio de políticas públicas.
“A única razão pela qual o governo australiano atingiu as metas do protocolo de Kyoto foi porque legislou contra o desmatamento em Queensland. Isso requer liderança do governo”, afirma.
Embora adotar uma dieta à base de vegetais possa permanecer uma solução poderosa para limitar o impacto ambiental da criação de gado, em algumas partes do mundo a pecuária fornece uma fonte de nutrição essencial.
“A pecuária é fundamental para muitos países em desenvolvimento, permitindo a eles ter segurança alimentar”, acrescenta Eckard.
Em uma região marcada pelo desmatamento, pode parecer um pequeno consolo regenerar apenas poucas centenas de árvores por hectare nas terras agora usadas para pastagem de gado.
Mas, para uma indústria global que ainda está em constante crescimento, o projeto da Embrapa pelo menos mostra uma maneira de compensar as emissões do gado que causam o aquecimento global.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
Fonte: Estado de Minas.