O ácido esteárico (ou ácido octadecanóico – CH3(CH2)16COOH) é um ácido graxo de cadeia longa que consiste de 18 átomos de carbono sem duplas ligações. O ácido esteárico é classificado como ácido graxo saturado (AGS), tanto quimicamente como para propostas de rotulagem de alimentos e recomendações dietéticas.
Entretanto, dados de mais de 30 anos de estudos sugerem que, em termos de dieta e de questões relacionadas a doenças do coração envolvendo ácidos graxos saturados, o ácido esteárico pode não se comportar como os outros ácidos graxos saturados que ocorrem em quantidades significantes na dieta (1).
Os ácidos graxos saturados de cadeia longa predominantes na dieta são os ácidos láurico (C12:0), mirístico (C14:0), palmítico (C16:0) e esteárico (C18:0). O ácido esteárico é um componente comum em muitos alimentos, com as carnes vermelhas e os produtos lácteos contendo gordura sendo as principais fontes da dieta. Ele tem muitas das características desejáveis de sabor e textura dos ácidos graxos saturados de cadeia longa.
Fontes e quantidades
O ácido esteárico, como uma porcentagem das calorias totais das gorduras, é bastante constante em carne bovina, suína, ovina e de vitelo em aproximadamente 9% a 12%, e em carne de aves em aproximadamente 6% a 7% (Tabela 1). Os óleos comuns de cozinha contêm quantidades relativamente pequenas de ácido esteárico, de 2% a 4%. Em termos de ingestão real, o ácido esteárico fornece aproximadamente 3% a 4% das calorias totais na dieta dos Estados Unidos (1,2).
Comportamento único
O comportamento do ácido esteárico é especialmente único nos efeitos sobre os níveis de colesterol do sangue. Estudos em humanos e animais experimentais sugerem que a ingestão de ácido esteárico tem um efeito neutro ou até de redução dos níveis de colesterol, em contraste com os ácidos láurico, mirístico e palmítico. Desta forma, existe uma controvérsia sobre a classificação do ácido esteárico como “gordura saturada” para recomendações dietéticas e rotulagem de alimentos (3).
História
O conhecimento sobre os efeitos dos ácidos graxos nos lipídios sangüíneos em humanos pode ser reportado aos estudos de Keys e colaboradores (4,5). Dietas contendo ácidos graxos saturados com cadeias mais longas do que 10 carbonos aumentam os níveis de colesterol do soro sangüíneo, os ácidos graxos poliinsaturados reduzem os níveis de colesterol do soro e os ácidos graxos monoinsaturados têm poucos efeitos. Da mesma forma, Hegsted e colaboradores (6) demonstraram um significante efeito adverso dos ácidos graxos saturados nos lipídios sangüíneos.
O ácido mirístico foi citado como tendo o maior impacto no colesterol do soro, seguido pelo ácido palmítico. O ácido esteárico teve pouco ou quase nenhum efeito sobre o colesterol do sangue (5,6,7). Entretanto, os efeitos dos ácidos graxos nos lipídios do sangue foram agrupados e a percepção desenvolvida foi que todas as gorduras saturadas aumentam o colesterol do sangue. Este posicionamento sobre o ácido esteárico continuou nos últimos anos; entretanto, existem novas evidências de que algumas atuais recomendações podem não ser apropriadas (8).
Dietschy e colaboradores (9) mantiveram o foco de seus estudos nos efeitos dos ácidos graxos de cadeia longa no metabolismo do colesterol de baixa densidade (LDL) – mau colesterol. Eles descobriram que as mudanças na concentração do LDL do plasma sangüíneo são conseqüências secundárias de mudanças no metabolismo do fígado do colesterol dietético e dos ácidos graxos.
Quando o fígado é enriquecido com ácidos graxos saturados dietéticos, o colesterol é transferido para um “pool regulador” e sai de um “pool éster”. Isto resulta em um decréscimo no nível da atividade do receptor de LDL do fígado e em um aumento na taxa de produção do colesterol LDL (há um bloqueio na formação do colesterol éster pelos ácidos graxos saturados). Em contraste, o ácido esteárico é essencialmente biologicamente neutro e não tem efeito na atividade do receptor do fígado ou nos níveis de colesterol do plasma.
Tabela 1 – Composição de gordura total e de ácido esteárico em alimentos selecionados, gorduras e óleos (porção de 100 g)1
Possíveis mecanismos
Porque o ácido esteárico não aumenta os níveis de colesterol do sangue é motivo de muita pesquisa. Duas possíveis explicações são: 1) a absorção do ácido esteárico pode ser incompleta ou significantemente diferente do que a de outros ácidos graxos saturados, ou; 2) o ácido esteárico pode ser rapidamente convertido em ácido oléico monoinsaturado no corpo (10).
Ambas as “explicações” têm variados níveis de suporte científico. Monsa e Ney examinaram as formas pelas quais o ácido esteárico exerce seu efeito neutro ou redutor do colesterol (3). Houve uma redução do estearato de dietas naturalmente ricas nesta substância; entretanto, não houve uma rápida conversão do estearato da dieta para oleato durante a alimentação. Tanto o teor de ácido esteárico como a composição de gorduras dietéticas ricas em estearato influenciaram a digestão e os níveis pós-refeição de lipídios do fígado e do sangue.
Devido à posição do ácido esteárico na molécula de glicerol em gordura de porco, de bovino e na manteiga de cacau, ele é facilmente liberado durante a digestão como ácido livre e pouco absorvido na presença de cálcio e magnésio. Se o ácido esteárico ocorre mais freqüentemente na posição do “meio”, sua absorção pode ser aumentada.
A distribuição posicional dos ácidos graxos saturados de cadeia longa pode explicar a menor digestibilidade ou taxas de absorção e algumas das diferenças na resposta para o ácido esteárico com relação a outros ácidos graxos em gorduras naturais (3,11).
Existem evidências para diferentes utilizações metabólicas do ácido esteárico em comparação com os ácidos palmítico e oléico durante a fase pós-absorvente (12,13). O ácido esteárico foi removido do plasma a uma taxa mais lenta, com relação aos ácidos palmítico e oléico.
Além disso, o ácido esteárico foi preferencialmente utilizado para a síntese de fosfolipídios (ou membrana) no fígado, e não foi convertido a ácido oléico a uma extensão significante no intestino ou no fígado. Seu efeito redutor de lipídios não parece estar relacionado à sua conversão para ácido oléico, mas à sua utilização favorecida para a síntese de membranas. O ácido palmítico foi mais rapidamente capturado e utilizado para síntese de gordura no fígado. Isso sugere que o ácido palmítico é mais estimulador (que o ácido esteárico) para a síntese hepática de lipoproteínas de densidade muito baixa, contribuindo para aumentar os níveis de lipídios do sangue.
Estudos humanos e alimentos reais
Os efeitos únicos sobre os níveis de colesterol do ácido esteárico também foram demonstrados em estudos clínicos com homens jovens consumindo dietas completas e com homens consumindo dietas preparadas a partir de alimentos comuns e gorduras naturais (14,15,16).
Os efeitos do ácido esteárico no metabolismo precisam ser avaliados tanto como um constituinte isolado da dieta tanto como um componente de uma gordura natural, como na gordura da carne bovina. Os triglicérides da gordura da carne bovina contêm aproximadamente 18% a 19% de ácido esteárico e representam uma importante fonte de estearato da dieta.
Os estudos têm especificamente comparado o potencial de redução do colesterol da carne bovina com outras carnes. Os dados disponíveis sugerem que a carne bovina magra não é mais hipercolesterolêmica – que aumenta os níveis de colesterol – do que o frango ou o peixe e, desta forma, mão precisa ser eliminada quando se segue uma dieta de redução do colesterol (17,18,19).
Efeitos na coagulação do sangue
Apesar de o efeito “neutro” do ácido esteárico sobre os lipídios do sangue estar sendo mais reconhecido, seus efeitos sobre a coagulação sangüínea (trombogênese) é menos claro. Estudos recentes indicam um efeito benéfico do ácido esteárico nos fatores de coagulação, resultando em um estado menos trombogênico (16). Entretanto, estudos epidemiológicos e experimentais anteriores sugerem que dietas ricas em ácidos graxos poliinsaturados reduzem a tendência do sangue de coagular, enquanto aquelas ricas em gorduras saturadas aumentam esta tendência. Dietas ricas em ácido esteárico não aumentam a tendência à coagulação comparadas com a dieta típica norte-americana ou com dietas ricas em ácidos láurico e mirístico (2).
Oportunidades futuras
A possibilidade do maior uso do ácido esteárico como um substituto dos ácidos saturados e insaturados que aumentam o colesterol tem um grande interesse nos efeitos metabólicos deste ácido graxo (2,8). Isso poderia resultar em mais opções de alimentos nas dietas designadas a reduzir o colesterol do plasma, o que poderia melhorar o sabor das dietas e levar ao aumento da adesão às mesmas.
Além disso, aumentando-se a quantidade de ácido esteárico no fornecimento de alimentos (via processamento de alimentos, biotecnologia agrícola ou aumento do uso como uma gordura substituta), será necessário excluir este ácido graxo do grupo dos demais ácidos graxos saturados se os consumidores estiverem monitorando sua ingestão de gorduras que aumentam os níveis de colesterol do sangue.
As características especiais do ácido esteárico com relação aos outros ácidos graxos saturados estão se tornando mais amplamente reconhecidas. Com um maior entendimento da base de dados científicos sobre o ácido esteárico, futuras recomendações dietéticas e rotulagem nutricional dos alimentos podem posicionar melhor este ácido graxo único entre os profissionais de saúde e, no final, entre os consumidores.
Referências bibliográficas
1. Pearson, T.A. Metabolic consequences of stearic acid relative to long-chain fatty acids. Paper presented to conference on metabolic consequences of stearic acid relative to other long-chain fatty acids. Atlanta, Ga.; 1993, November 5-6.
2. Kris-Etherton, P.M.; Mustad, V.; Derr, J.A. Effects of dietary stearic acid on plasma lipids and thrombosis. Nutr. Today 28(3):30-38, May/June 1993.
3. Monsma, C.C.; Ney, D.M. Interrelationship of stearic acid content and triacylglycerol composition of lard, beef tallow and cocoa butter in rats. Lipids 28(6):539-547; 1993.
4. Keys, A.; Anderson, J.T.; Grande, F. Prediction of serum-cholesterol responses of man to changes in fats in the diet. Lancet 1:959-966; 1957.
5 Keys, A.; Anderson, J.T.; Grande, F. Serum cholesterol response to changes in the diet. Metabol. 14:776-787; 1965.
6. Hegsted, D.M.; McGandy, R.B.; Meyers, M.L., Stare, F.J. Quantitative effects of dietary fat on serum cholesterol in man. Am.J.Clin.Nutr.17:281-295; 1965.
7. Ahrens, Jr., E.H.; Insull, Jr., W.;Blomstrand, R., et al. The influence of dietary fats on serum-lipid levels in man. Lancet 1:943-953; 1957.
8. Proceedings of Conference on metabolic consequences of stearic acid relative to other long-chain fatty acids. Atlanta, Ga.; 1993, November 5-6, Am.J.Clin.Nutr. (In press)
9. Dietschy, J.M.; Woollett, L.A.; Spady, D.K. The interaction of dietary cholesterol and specific fatty acids in the regulation of LDL receptor activity and plasma LDL-cholesterol concentrations. Annals N.Y. Acad. Sci. 676:11-26; March 15, 1993.
10. Grundy, S.M. Which saturated fatty acids raise plasma cholesterol levels? In: Health Effects of Dietary Fatty Acids. Ed. G.J. Nelson; Am. Oil Chem. Soc. Champaign, Ill. 1991.
11. Bracco, U. Metabolic consequences of stearic acid relative to other long chain fatty acids. Paper presented to conference on metabolic consequences of stearic acid relative to other long-chain fatty acids. Atlanta, Ga.; 1993, November 5-6.
12. Wang, S.; Koo, S.I. Plasma clearance and hepatic utilization of stearic, myristic and linoleic acids introduced via chylomicrons in rats. Lipids 28:697-703; 1993.
13. Wang, S.; Koo, S.I. Evidence for distinct metabolic utilization of stearic acid in comparison with palmitic and oleic acids in rats. J. Nutr. Biochem. 4:594-601; 1993.
14. Kris-Etherton, P.M.; Derr, J.; Mitchell, D.C.; Mustad, V.A.; Russell, M.E.; McDonnell, E.T.;Salabsky, D.; Pearson, T.A. The role of fatty acid saturation on plasma lipids, lipoproteins and apolipoproteins. I. The effect of whole food diets rich in cocoa butter, butter, soybean oil, olive oil and chocolate on the plasma lipids of young men. Metabolism 42:121-129; 1993.
15. Derr, J.; Kris-Etherton, P.M.; Pearson, T.A.; Seligson, F.H. The role of fatty acid saturation on plasma lipids, lipoproteins and apolipoproteins. II. The plasma total and LDL-cholesterol response of individual fatty acids. Metabolism 42:130-134; 1993.
16. Tholstrup, T.; Marckmann, P.; Jespersen, J.; Sandstrom, B. Fat high in stearic acid favorably affects blood lipids and factor VII coagulant activity in comparison with fats high in palmitic acid or high in myristic and lauric acids. Am.J.Clin.Nutr. 59:371-377; 1994.
2 Comments
Parabéns Juliana.
Seu artigo ajuda a desmistificar a idéia de que todo lipídio é prejudicial a saúde. Muitos ácidos graxos protegem o organismo, e esse conhecimento é muito importante para todos.
Dair Bicudo Piai
Médico e pecuarista
Parabéns.
Alem da qualidade do seu artigo. Achei as suas referencias bibliograficas espetaculares.