CNPC propõe criação de grupo de trabalho
3 de março de 2005
In natura: Brasil exporta US$140 mi em fevereiro
5 de março de 2005

Antioxidantes e seus benefícios: parte 1

Por Angélica Simone Cravo Pereira1 e Camila de Freitas Guedes2

Especificamente, o consumo de carnes tem um papel essencial na dieta humana, devido o seu sabor e alto valor nutricional. Porém, recentemente, a indústria de carnes, assim como os consumidores, têm se preocupado com questões referentes à gordura saturada, colesterol, doenças cardíacas, segurança alimentar, bem-estar animal e proteção ambiental. Em geral, há uma elevada demanda por parte dos consumidores, em relação a produtos mais naturais, saudáveis e mais nutritivos. Assim, fatores como, frescor, preço, paladar insere-se nesse cenário.

Os lipídeos têm papel importante na qualidade de muitos alimentos, em especial, nas propriedades organolépticas, que os tornam desejáveis (odor, sabor, cor e textura). Além dessas, conferem valor nutritivo aos alimentos, como fonte de energia, de ácidos graxos essenciais e de vitaminas lipossolúveis.

Entretanto, um dos principais fatores que limita a aceitação da carne e seus subprodutos é a oxidação desses lipídeos. Esse processo resulta na descoloração, perda por gotejamento, desenvolvimento de odores e sabores desagradáveis, além da produção de componentes tóxicos presentes na carne. Portanto, é um processo degradativo, que resulta em rancidez na carne não cozida e/ou presença de sabores e odores estranhos “warmed-over flavor”, que ocorre após o aquecimento das carnes cozidas. A instabilidade oxidativa da carne é um problema para todos os envolvidos na cadeia de produção, incluindo produtores, processadores, distribuidores e varejistas. Portanto, entender e controlar esse processo, que leva à oxidação lipídica é um desafio para muitos pesquisadores dessa área.

Entre os diversos fatores da dieta, os antioxidantes são especialmente importantes, com papel fundamental em várias questões, desde a saúde animal, até a qualidade final do produto que chega ao consumidor. Este conceito baseia-se na percepção dos efeitos nocivos dos radicais livres e de produtos tóxicos de seu metabolismo sobre os processos metabólicos do organismo.

Dessa forma, o objetivo da primeira parte desse artigo é considerar a produção das espécies reativas de oxigênio, o processo de oxidação lipídica na transformação do músculo em carnes e alguns fatores que interferem nesse mecanismo, como a defesa de antioxidantes no animal vivo; no período pós-abate e finalmente durante o processamento, armazenamento e cozimento da carne. Já a segunda parte do artigo detalha a importância de alguns dos principais antioxidantes utilizados e sua relação com a qualidade da carne e a saúde humana.

Espécies reativas de oxigênio

Os radicais livres mais perigosos são os radicais de oxigênio, pequenos, altamente móveis e reativos. A maior parte dos radicais livres biológicos e seus metabólitos ativos denominam-se “espécies reativas de oxigênio”. Uma vez formados, estes radicais altamente instáveis e reativos podem iniciar uma reação em cadeia, que danifica proteínas, lipídeos e DNA. Essas moléculas instáveis de oxigênio são produtos tóxicos naturalmente resultantes de processos orgânicos normais, como a respiração. A peroxidação de ácidos graxos polinsaturados altera a composição, estrutura e propriedades das membranas (fluidez, permeabilidade) e a atividade das enzimas a elas ligadas (Karadas, 2004). O resultado deste dano a moléculas biológicas compromete muitos sistemas e processos orgânicos, alterando inclusive o ganho de peso, desenvolvimento e reprodução dos animais. Contudo, a produção de radicais livres no organismo é contínua e inevitável, para a produção de energia, defesa imunológica, peroxisomos (responsáveis pela degradação de ácidos graxos em outras moléculas), reação com ferro e outras moléculas de transição (principalmente em condições de estresse, em que o ferro, ou o cobre livres, é liberado e estimulam a produção de radicais livres).

Além disso, fatores internos e externos, como o estresse, excesso de exercícios físicos, lesões, tabagismo, poluição, ozônio e certos alimentos, em humanos, podem aumentar a produção de radicais livres no organismo “in vivo”.

Sistema de defesa de antioxidantes

Na natureza, há milhares de compostos que possuem propriedades antioxidantes, capazes de reagir com os radicais livres. Podem ser lipossolúveis (vitamina E, carotenóides, etc.), hidrossolúveis (ácido ascórbico, glutationa, bilirrubina, etc.), sintetizados no organismo (ácido ascórbico, glutationa) ou ingeridos através de alimentos ou rações (vitamina E, carotenóides, selênio, etc.) (Helen et al., 2003). Além disso, há enzimas antioxidantes sintetizadas no organismo, que combatem de forma eficaz os radicais livres. Entretanto, essas enzimas requerem cofatores metálicos para atuarem. Dentre eles destaca-se o selênio (Se), essencial para as enzimas denominadas glutationa peroxidades (GSH-Px) e tiorredoxina redutases. Ainda, o zinco (Zn), cobre (Cu) e manganês (Mn), atuam em outra família de enzimas antioxidantes denominada superóxido dismutases (SOD). O ferro é também um elemento essencial para a enzima antioxidante catalase. Dessa forma, o organismo animal somente é capaz de sintetizar enzimas antioxidantes quando há um aporte adequado destes metais através da dieta. Conseqüentemente, a deficiência destes elementos causa estresse oxidativo e danos às moléculas e membranas biológicas.

O excesso da produção de radicais livres no ambiente celular, ou a deficiência de proteção antioxidante, pode resultar em estresse oxidativo, que induz doenças degenerativas e à formação de radicais, considerado um mecanismo de início e desenvolvimento inúmeras doenças, tais como tumores (Helen et al., 2003). Portanto, essas doenças poderiam estar associadas à produção e metabolismo de radicais livres.

Uma forma de evitar, ou ainda minimizar danos e prejuízos desses agentes oxidantes é a suplementação de antioxidantes na dieta (Tabela 1).

Tabela 1 – Fatores que contribuem para defesa antioxidante in vivo


Oxidação lipídica durante a conversão do músculo em carne

Existem duas fases específicas que provavelmente ocorrem imediatamente após o abate. As alterações bioquímicas que acompanham a conversão do músculo em carne, evidenciam-se nas condições em que a oxidação na fração fosfolipídica altamente insaturada na membrana celular não é controlada de forma eficiente e o balanço entre os fatores pró-oxidativos e a capacidade antioxidativa favorecem a oxidação. É altamente improvável, que o mecanismo de defesa animal ainda atue de forma funcional, no período pós-morte, devido a mudanças quantitativas e propriedades físicas em alguns metabólitos (Morrisey et al., 1998).

Outros fatores pré-abate, tais como estresse e pós-abate, como pH e temperatura da carcaça, encurtamento pelo frio e estimulação elétrica também influencia na taxa e extensão da oxidação da carne. Pode ocorrer também ruptura da integridade das membranas musculares pela desossa mecânica, moagem, reestruturação, ou cozimento, alterando os compartimentos celulares e facilitando a interação de pró-oxidantes com ácidos graxos insaturados, gerando radicais livres e propagação da reação oxidativa (Asghar et al., 1991).

Especificamente, algumas mudanças específicas predispõem músculos à oxidação:

– Atordoamento e sangria, interrupção da circulação sanguínea;
– Metabolismo anaeróbico, acúmulo de ácido láctico, declínio de pH a 5,5 (aproximadamente);
– Interrupção da circulação de nutrientes;
– Sistema preventivo de enzimas antioxidantes- superóxido dismutase, catalase, glutationa peroxidase, glutationa redutase-função improvável;
– Proteínas (transferrina e outras) que captam ferro- improvável de serem ativadas;
– Retículo sarcoplásmatico perde a habilidade em acumular cálcio;
– As proteases cálcio dependentes degradam as proteínas musculares;
– Destruição de algumas células;
– Quelatos de ferro de baixo peso molecular são liberados; estes quelatos podem ser responsáveis pela catálise da oxidação lipídica nos tecidos biológicos (Monahan et al., 1992).
– Reações em cadeia de ferro;
– Início da oxidação lipídica.

Produtos da oxidação em alimentos

O malonaldeído e os produtos da oxidação do colesterol são alguns dos principais produtos da oxidação em alimentos.

A grande preocupação incide no entendimento das reações de autoxidação do colesterol e os efeitos biológicos adversos dos produtos da autoxidação. A carne bovina, de acordo com algumas pesquisas, possui maiores níveis de malonaldeído, em relação à carnes suínas, que contém mais ácidos graxos insaturados, portanto, mais suscetível à processos oxidativos (Liu et al., 1995).

Smith e Van Lier (1970) sugeriram que humanos ingerem alimentos que contém produtos da autoxidação do colesterol e que estes produtos levam a uma deposição de gordura na artéria aorta. Além disso, esses autores reportaram que alimentos contendo colesterol, em especial, àqueles submetidos ao oxigênio e à altas temperaturas, poderiam ser um dos mais importantes fatores da dieta nas doenças aterogênicas.

Fatores da dieta que influenciam na estabilidade lipídica em carnes e seus subprodutos

Composição de ácidos graxos

À medida que aumenta o grau de insaturação das membranas musculares, há uma redução da estabilidade oxidativa dos músculos. A taxa de oxidação relativa de ácidos graxos contendo 1, 2, 3, 4, 5 ou 6 duplas ligações são 0,025; 1; 2; 4; 6 e 8, respectivamente (Morrissey et al., 1998). A proporção de gordura saturada para insaturada em bovinos é aproximadamente 1:1.

Em músculos e tecido adiposo de ruminantes, ácidos graxos polinsaturados (PUFAS) são restritos à fração fosfolipídica. Ainda, diferenças no tipo de fibra entre os músculos refletem-se em diferenças na composição de ácidos graxos. Músculos com presença de fibras vermelhas, têm maior proporção de fosfolipídeos, que músculos “brancos” e portanto, maior porcentagens de PUFAS (Wood et al., 2003).

A influência dos ácidos graxos na “vida de prateleira” da carne é explicada, devido à propensão desses PUFAS serem facilmente oxidados, resultando em processos de rancificação da carne. Um dos produtos resultantes desse processo é o malonaldeído, medido através da reação com o ácido 2-tiobarbitúrico, fornecendo valores de TBA, ou substâncias reativas ao TBA (TBARS), muito utilizados para estimar o desenvolvimento da rancidez em alimentos cárneos (Pearson et al., 1993).

De acordo com Morrisey et al. (1998), embora lipídeos insaturados, particularmente aqueles da família ômega-3 (óleos vegetais, por exemplo) sejam desejáveis na alimentação humana, o aumento do grau de insaturação dos lipídeos predispõe à oxidação, o que aumenta a dificuldade da conservação de carnes.

Efeito pasto x concentrado

Grande parte do sistema de produção no Brasil, ainda é a pasto. Contudo, esse sistema tem crescido nos últimos anos. O foco de produção consiste em uma integração vertical, com ênfase no mercado externo de carnes.

A recomendação da dieta para humanos, promovendo o consumo de níveis baixos de gordura tem levado a um aumento no interesse de alimentos, inclusive carnes, contendo elevadas proporções de PUFAS. Nesse cenário, o consumo de ácidos graxos saturados (SFA) associa-se ao aumento dos níveis séricos de LDL (colesterol de baixa densidade) levando a riscos de doenças coronárias. Particularmente, ruminantes têm mais SFA e menor relação de PUFA:SFA, em relação à não ruminantes, devido ao processo de hidrogenação parcial dos PUFAS no rúmen (French et al., 2000). Porém, o manejo nutricional dos animais pode alterar a composição dos ácidos graxos presentes na gordura da carne de ruminantes.

Estudos realizados por muitos pesquisadores concluíram que o tecido adiposo de dietas baseadas a pasto tem maior concentração de PUFAS n-3 nos tecidos, enquanto que dietas baseadas em altos níveis de concentrados têm maiores proporções de PUFAS n-6. Essas diferenças são resultantes da composição dos ácidos graxos na dieta, ácido alfa-linolênico (C18:3, precursor da série n-3) com o maior ácido graxo originado de plantas e o ácido linoléico (C18:2, precursor da série n-6) maior componente presente em grãos. Pesquisas anteriores observaram uma menor proporção de PUFAS n-3:n-6, em bovinos alimentados a pasto, em relação à bovinos alimentados com concentrado na dieta (Realini et al., 2004).

Rule et al. (2002) encontraram taxas de n-6:n-3 de 1,95 e 6,38 para vacas alimentadas a pasto e novilhos alimentados com grãos, respectivamente. Por outro lado, French et al. (2000) observaram taxas de 2,33 e 4,15, para novilhos consumindo pasto e grãos, respectivamente.

Trabalhos conduzidos por Cruz et al. (2004) observaram uma relação de n-6:n-3 de 1,98 para ao músculo Longissimus dorsi (contra-filé) de bovinos terminados em pasto e 2,85 para o músculo de bovinos confinados.

De acordo com o Departamento de Saúde do Reino Unido, recomenda-se que o consumo de gordura seja reduzido para 30% do total do consumo de energia, com 10% do consumo, em forma de ácidos graxos saturados. Recomenda-se, também um aumento na relação entre polinsaturado e saturado acima de 0,4. Ainda, a relação entre polinsaturados (n-3) e (n-6) torna-se um fator de risco para câncer e doenças coronarianas, com uma recomendação que seja menor do que quatro (Wood et al., 2004).

Qualidade da gordura na dieta

A dieta animal pode conter adição de diferentes tipos de gordura baseadas em óleos, ou seus subprodutos, tais como resíduos de destilação de óleos refinados. Em geral, o consumo de gorduras oxidadas e óleos, parece não ser prejudicial aos animais, pois a oxidação lipídica desses produtos é baixa. Porém, uma série de estudos mostrou que a retenção de -tocoferol (vitamina E) para alguns animais foi significativamente reduzida pela inclusão de óleos oxidados nas dietas. Isso significa que para compensar os níveis de alpha-tocoferol destruídos durante o processo oxidativo desse óleo, a concentração dessa vitamina deve ser aumentada a fim de favorecer a manutenção do balanço antioxidante/pró-oxidante nas membranas musculares (Morrisey et al., 1998).

Referências bibliográficas

ASGHAR, A.et al. Effects of Supranutritional Dietary Vitamin E Levels on Subcellular Deposition of -Tocoferol in the muscle and pork quality. J. Sci. Food Agric., v.57, p.31-41, 1991.

CRUZ, G.M. et al. Perfil de ácidos graxos de amostras de carne de bovinos, castrados ou não castrados, de diferentes grupos genéticos, terminados a pasto ou em confinamento ou em confinamento “1”. In: 41º Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Zootecnia. Campo Grande/MS. Anais: Campo Grande/MS, 2004. (CD-Rom).

FRENCH, P. et al. Fatty acid composition, including conjugated linoleic acid, of intramuscular fat from steers offered grazed grass, grass silage, or concentrate-based diets. J.Anim. Sci., v.78p.2849-2855, 2000.

KARADAS, F.; F.PETER, F.; SURAI. Interações entre selênio e vitamina E: Será que 1+1 é igual a mais de 2? In: Simpósio Brasileiro Alltech, 2004, Curitiba. Resumos…Paraná. p.56-73.

LIU, Q.; LANARI, M.C; SCHAEFER, D.M. A review of dietary vitamin E supplementation for improvement of beef quality. J.Anim.Sci., v.73, p.3131-3140, 1995.

HELEN, A. et al. The role of dietary supplements during cancer therapy. In: International Research Conference on Food, Nutrition, and Cancer. J. Nutr., v.133, p.3794S-3799S, 2003.

MONAHAN, F.J.et al. Influence of dietary treatment on lipid and colesterol oxidation in pork. J.Agric.Food Chem., v.40, p.1310, 1992.

MORRISEY, P.A. et al. Lipid Stability in Meat and Meat Products. Meat Sci., v.49, n.1, p.S73-S86, 1998.

PEARSON, A.M. GRAY, ,J.I.; WOLZAK, A.M.; HORENSTEIN, N.A. Safety Implications of Oxidized Lipids in Muscle Foods. Food Technology, p.121-129, 1983.

REALINI, C.E. et al. Effect of pasture vs. concentrate feeding with or without antioxidants on carcass characteristics, fatty acid composition, and quality of Uruguayan beef. Meat Sci., v.66, p.567-577, 2004.

RULE, D.C. et al. Comparison of muscle fatty acid profiles and cholesterol concentrations of bison, beef cattle, elk, and chicken. J. Anim.Sci., v.80, p.1202-1211, 2002.

SMITH, L.L.; VAN LIER, J.E. Sterol metabolism. Part9. 26-hidroxycholesterol levels in the human aorta. Atherosclerosis, v.12, p.1, 1970. In: PEARSON, A.M.; GRAY, J.I.; WOLSAK, A.M.; HORENSTEIN, N.A. Safety Implications of Oxidized Lipids in Muscle foods. Food Technology, p.121-129, 1983.

WOOD, J.D.et al. Effects of fatty acids on meat quality: a review. Meat Sci., v. 66, p.21-32, 2003.

______________________________________________
1Angélica Simone Cravo Pereira é pós-graduanda na FZEA/USP

2Camila de Freitas Guedes, engenheira agrônoma pela Esalq/USP e mestranda pela FZEA

0 Comments

  1. Domingos Marcelo Cenachi Pesce disse:

    Artigo bem escrito, de ótimo conteúdo. Muito bom para quem precisa de levantamento bibliográfico sobre o assunto.

plugins premium WordPress